O sistema de capitanias já era empregado pelo Império Português nas ilhas da Madeira e de Cabo Verde desde o século XV.[8] Em carta dirigida a Martim Afonso de Sousa em 1532, Dom João III comunicou a decisão de dividir o território português, assim em 1534 efetivou as primeiras doações.[9]
Existem três possíveis fatores para a adoção do sistema de capitanias no Brasil: uma resposta da monarquia portuguesa ante a ameaça da França ao seu projeto de domínio na América;[10] transferência dos gastos com a colonização que deixavam de ser do Estado e passavam para os donatários, favorecendo a Coroa em um contexto de escassez de recursos;[5] conversão da população nativa ao cristianismo, dando continuidade ao ideal da Cruzadas.[11]
Origens
A costa do atual estado do Espírito Santo foi reconhecida por navegadores portugueses já em 1501 e, desde então, foi alvo da ação de contrabandistas de pau-brasil (Caesalpinia echinata). Esse reconhecimento, porem, está longe de obter consenso na historiografia local. O professor Estilaque Ferreira da Silva, tratando dessa questão,[12] se referiu ao "hiato toponímico" como um lapso, não apenas espacial, mas temporal, em que a Capitania não poderia ter tido reconhecimento. A bibliografia que usa como fonte mostra os debates entre a linha que sustenta ter sido o Espirito Santo conhecido antes de Vasco Coutinho, dado o fato de que algum conhecimento de limites topográficos o rei teria que ter sido abastecido para fazer a partilha da coisa entre os particulares. E aqueles que identificam obstáculos físicos à navegação de Porto Seguro até o sul do país, tendo que contornar na altura de Abrolhos a capitânia do Espírito Santo, não margeando, mas afastando para alto mar a esquadra.
O estabelecimento da capitania
Com o estabelecimento pela Coroa Portuguesa do sistema de capitanias hereditárias para a colonização do Brasil (1534), o seu atual território estava compreendido no lote que se estendia da foz do rio Mucuri à do rio Itapemirim (aproximadamente), doada a Vasco Fernandes Coutinho em 1 de junho de 1534.
O seu donatário, acompanhado de sessenta degredados, desembarcou da nau Glória numa pequena enseada nas faldas do morro da Penha, a 23 de maio de 1535, um domingo de Pentecostes, razão pela qual o donatário resolveu batizar o seu lote com o nome de Capitania do Espírito Santo.
O desembarque, na praia de Piratininga, fez-se penosamente, sob as flechas dos goitacás, havendo necessidade do troar das duas peças de artilharia da embarcação para que os indígenas debandassem, permitindo a posse da terra pelo donatário. Ali mesmo, decidiu-se erguer a povoação que, mais tarde, seria conhecida como Vila Velha, principiando-se as primeiras habitações, uma ermida - sob a invocação de são João, em homenagem ao soberano -, e uma fortificação (o Fortim do Espírito Santo). Os indígenas denominaram esta primitiva vila do Espírito Santo como "Mboab" (ave com os pés emplumados; "pintos calçudos"), palavra em tupi que fazia uma menção aos pés calçados dos portugueses. O termo, aportuguesado para "emboaba", virou sinônimo pejorativo de forasteiro.
Por essa época, os colonizadores sentiam-se mais desafogados do gentio. A falta, porém, de colonos para dar desenvolvimento aos trabalhos iniciados obrigou o donatário a ir à Metrópole. Com o retorno de Vasco Fernandes Coutinho a Portugal, entretanto, a situação se inverteu, e, frente aos ataques indígenas, nova vila foi fundada, em setembro de 1551, na fronteira ilha de Santo Antônio, batizada com o nome de Nossa Senhora da Vitória. A primitiva vila do Espírito Santo passaria, daí em diante, a ser conhecida como Vila Velha.
O combate aos estrangeiros
Belchior Azeredo assumiu as funções de capitão-mor de 1561 a 1564, com todos os poderes e jurisdições atribuídas anteriormente a Vasco Fernandes Coutinho. Posteriormente, Azeredo participou da expulsão dos invasores franceses da baía de Guanabara, no comando de uma das naus da esquadra de Cristóvão de Barros, sendo recompensado com a doação de uma vasta sesmaria, onde se fixou com seus familiares.
Vítima de ataques esporádicos de ingleses e de franceses, foi atacada pelo corsário inglês Thomas Cavendish em 8 de fevereiro de 1592, ocasião em que foi derrotado com a perda de oitenta homens de sua tripulação, não apenas por causa da invasão, mas também devido ao ataque de índios.
As invasões holandesas ao Brasil
Ao tempo da primeira das Invasões holandesas do Brasil (1624-1625), quando do ataque neerlandês a Salvador, o donatário do Espírito Santo, Francisco de Aguiar Coutinho, repeliu uma investida de oito navios sob o comando de Piet Heyn, de 10 a 18 de março de 1625, com o apoio de entricheiramentos na vila, artilhados com quatro pedreiros, e dos moradores.[13]
Durante a segunda das invasões holandesas (1630-1654), os neerlandeses atacaram novamente a capitania do Espírito Santo, agora com sete navios, sob o comando do coronel Johann von Koin. Deles, desembarcaram uma força de quatrocentos homens de 27 de outubro a 13 de novembro de 1640, sendo repelidos em Vitória pelas forças do capitão-mor João Dias Guedes, a 28 de outubro.[14] Diante dos ataques, o governo-geral destacou, para Vitória, quarenta infantes da tropa regular. Um último ataque neerlandês à capitania ainda seria registrado, porém, em 1653.
Com a descoberta de minas de ouro no interior da Capitania do Espírito Santo no início do século XVIII, em 1704, a Coroa Portuguesa determinou que todos os que se encontrassem nas lavras de ouro se recolhessem à vila da Vitória, e que se evitassem, a todo o custo, excursões à região, que foi desmembrada do território capixaba e deu origem às Minas Gerais. Foi proibida ainda a abertura de estradas ligando a Capitania às Minas, pelas mesmas razões de segurança.
Desse modo, já em 1710, o governador-geral observava que, em Vitória, faltava todo o tipo de defesa e meios de conservação, atribuindo isso à má administração daqueles que governaram a capitania. Isso se devia, entretanto, ao isolamento decorrente da descoberta das minas. Em 1715, a capitania reverteu à Coroa, por compra aos descendentes de Francisco Gil de Araújo, pelo mesmo valor pago por aquele donatário. A escritura dessa compra foi lavrada em 6 de Abril de 1718.
Com o aumento da produção mineral nas Minas Gerais, aumentou a importância da região do Espírito Santo, elevada à categoria de comarca pela Provisão do Conselho Ultramarino de 15 de Janeiro de 1732.
SOUZA (1885) refere que a Provisão Régia de 10 de abril de 1736 determinava, ao governador-geral na Bahia, que, de três em três anos, enviasse à capitania do Espírito Santo um engenheiro provido dos materiais necessários a todos os reparos e melhorias nas fortificações dessa capitania.[15] Aparentemente, isso só ocorreu em 1767-1768, quando José Antônio Caldas para lá foi mandado para erguer a fortaleza da ilha do Boi e reformar as demais existentes. Esse oficial, em relato dirigido ao governador, informou que a capitania contava cerca de oito mil pessoas, exportava mantimentos, madeiras, panos de algodão e açúcar para a Bahia, Rio de Janeiro e portos do Sul, sendo o transporte feito em embarcações pertencentes aos comerciantes de Vitória. Esse panorama não se alteraria até o início do século XIX, quando a capitania obteve autonomia da Capitania da Bahia (1809), iniciando-se o plantio de café por volta de 1815.
↑Saldanha, António Vasconcelos de (2001). As capitanias do Brasil: antecedentes, desenvolvimento e extinção de um fenómeno atlântico. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses
↑Linhares, Maria Yedda; Silva, Francisco Carlos Teixeira da (2016). História geral do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier
ALVES FILHO, Ivan. História dos Estados Brasileiros. Rio de Janeiro: Revan, 2000. 240p. ISBN 8571061785
BARLÉU, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1974. 418 p. il.
BUENO, Eduardo. Capitães do Brasil: a saga dos primeiros colonizadores. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. 288 p. il. ISBN 8573022523
MARQUES, César Augusto. Diccionario Historico, Geographico e Estatistico da Província do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1878. 248p.
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SOUSA, Augusto Fausto de. Fortificações no Brazil. RIHGB. Rio de Janeiro: Tomo XLVIII, Parte II, 1885. p. 5-140.