O português oliventino[2] ou português continental (também conhecido como português de Olivença)[1] é a variedade dialetal da língua portuguesa própria das povoações de Olivença, Talega e das aldeias contíguas. Atualmente o português em Olivença e em Talega não goza de reconhecimento por parte da Espanha, que administra dito território desde a Guerra das Laranjas. Portugal, contudo não reconhece a soberania espanhola sobre a região e afirma que esses territórios lhe pertencem.[3][4] Já não se fala em Talega.[5]
Fruto dos dois séculos de administração espanhola e isolamento do resto de Portugal, o português oliventino é agora uma fala moribunda; os jovens já não o falam restando apenas alguns idosos.[2][6] O português deixou de ser a língua da população a partir da década de 1940, processo acelerado pela política de castelhanização implementada pela Espanha franquista.[6][7][8]
Contexto histórico
Fernando IV de Castela (à esquerda) e Dinis I de Portugal (à direita).
Olivença e Talega no Reino de Leão
A origem de Olivença está ligada à conquista definitiva de Badalhouce pelo último rei de Leão, Afonso IX, na primavera de 1230.[9] Para agradecer a participação dos templários nessa contenda, Afonso IX concedeu-lhes as praças de Burguillos e Alconchel.[9] A partir destes pontos, lá para o ano 1256, a Ordem criou a encomienda de Olivença, naquela altura apenas um conjunto de hortas, choças e algumas casas surgidas em redor de uma nascente.[9] Porém, durante o reinado de Afonso X o Sábio, os templários tiveram de deixar Olivença e entregar as suas terras ao Concelho e Bispado de Badalhouce.[9]
Olivença e Talega no Reino de Portugal
Aquando da Reconquista, as terras que hoje formam os territorios de Olivença e de Talega foram cedidas a Portugal pelo Tratado de Alcanizes, em 1297, juntamente com muitas outras localidades. O rei Dom Dinis aproveitara a fraca posição política castelhana para anexar e reaver vários territórios.[10]
De 1297 até 1801 a vila mantém-se sob soberania portuguesa, inclusive durante a União Ibérica. Os cinco séculos de domínio português resultaram no fluxo para Olivença da cultura e língua portuguesas, além da expressão arquitetónica e do folclore.[2][11]
Devido à peculiar posição geográfica de Olivença, separada do resto do país pelo Odiana e rodeada por povoações castelhanas acabou por desenvolver um subdialeto do alentejano, com o qual partilha muitas das suas isoglossas.[12]
Olivença e Talega na Espanha
A partir da Guerra das Laranjas, Portugal perdeu Olivença e Talega. Embora Portugal reclame que a Espanha as perdeu no Congresso de Viena, o certo é que esta continua a administrar esse território. O português manteve-se como língua veicular e materna dos habitantes da região até à metade do século XX, quando começou a minguar, vítima da política castelhanizadora do franquismo e do sistema educativo, dado que este último não ensinava o português, atualmente ensina-o mas só como língua estrangeira.[12]
Características
O português oliventino é um subdialeto do português alentejano, insere-se por conseguinte no grupo dos dialetos portugueses meridionais.[13] A influência do castelhano faz-se notar nalguns destes pontos e no campo lexical.[13]
Algumas das características mais definidoras são:
Preferência pela monotongação em ô (sendo ou no padrão; em ocasiões pode dar no grupo vocálico oi). Exemplo: ôro/oiro (português padrão: ouro);[1][14]
Fechamento da vogal átona final e para i. Exemplo: fomi (português padrão: fome);[1]
Ausência do ditongoei, que passa a ser ê. Exemplo: galinhêro (português padrão: galinheiro), com exceções: seis, rei, reino, etc.;[1]
Yeísmo. Exemplo: casteyanos (português padrão: castelhanos).[1] A pronúncia da aproximante lateral palatal mantém-se em São Bento da Contenda e em Vila Real mas em acentuado declive.[14]
Uso da africada velar surda em empréstimos do castelhano, a qual é inexistente em português tanto padrão como dialetal.[14]
Aspiração do -s final, clara influência do castelhano dialetal estremenho.[14] Mesmo quando não aspirado, a execução é muito leve.[14]
Confusão ocasional b/v, embora também presente nos dialetos setentrionais, em Olivença é de clara influência castelhana.[14]
O português oliventino que ainda é falado está cheio de castelhanismos, uso das palavras castelhanas coche e ancho em detrimento das portuguesas carro e largo.[15] O castelhano falado na região está fortemente influenciado pelo português e pelas falas leonesas meridionais.[16]
Características morfológicas
Contração com a preposição "por"
Há alguns falantes oliventinos que, por provável influência castelhana, mantém a preposição "por" separada do artigo, não contraindo a preposição.[14] Em português padrão e galego normativo a norma é precisamente ao contrário, a contração é a regra.[14][17][18][19] Por exemplo, por o / por a / por os / por as; português padrão: pelo / pela / pelos / pelas e galego normativo (Real Academia Galega (RAG): polo / pola / polos / polas.[17][18][19] Em português padrão existe igualmente a forma polo / pola / polos / polas mas é considerado um arcaísmo.[20][21] É possível encontrar alguns falantes em Campo Maior que usam essa forma arcaica.[14]
Contração do pronome/artigo definido com a preposição para ou a
Traço estendido por toda a área linguística galego-portuguesa, em Olivença é regra geral mas também há certa conservação da separação do pronome/artigo definido com a preposição para ou a.[14] Por exemplo, ós (padrão: aos) e pà (padrão: para).[14] Em Portugal, em geral é bastante usada a contração pra e muito rara pà pelo que é possível associá-la como um castelhanismo, dado o facto da contração popular castelhana ser exatamente essa.[14][22]
Contração de artigos com a preposição "com"
Característica predominante na fala vulgar portuguesa, presente também na Galiza na qual está consagrada pela ortografia oficial da RAG; existente em Olivença.[14][23] Por exemplo, co / ca / cos / cas (padrão: com o, com a, com os e com as); mas também: c'um / c'uma / c'uns / c'umas (padrão: com um, com uma, com uns e com umas).[14][24][25]
Plural de nomes acabados em "ão"
Há registo em Olivença de palavras acabadas em -ão que formam o plural em -ões em situações que o português padrão não o faz.[14] Por exemplo, capitões e cristões (padrão: capitães e cristãos).[14] É também, um erro frequente em alguns falantes nativos portugueses a formação destes plurais.
Forma dos verbos regulares
Presente indicativo
Pretérito perfeito simples
Pretérito imperfeito simples
Futuro indicativo
Condicional
Infinitivo impessoal
Falo
Falê
Fala(b/v)a
Falarê
Falaria
Falári/Falá
Fala(h/s)
Falasti(h/s)
Fala(b/v)a(h/s)
Falará(h/s)
Falaria(h/s)
igual
Fala
Falô
Fala(b/v)a
Falará
Falaria
igual
Falêmo(h/s)
Falámo(h/s)
Falá(b/v)amos(h/s)
Falaremo(h/s)
Falaríamo(h/s)
igual
Falái(h/s)
Falasti(h/s)
Falá(b/v)ê(h/s)
Falarê(h/s)
Falarê(h/s)
igual
Falã
Falarõ
Falavã
Falarã
Falariã
igual
Verbo haver, "há" e "hai"
O verbo haver tem consagrada a forma há a qual é padrão, porém, em Olivença e em outras povoações alentejanas como Alandroal ou Elvas, existe também a forma hai, a qual é similar à forma utilizado em galego normativo, hai.[14][26] As duas variantes são de uso frequente na região de Olivença.[14]
Verbo ir, "vas"
É recolhida popularmente em português a variante vas para o padrão vais.[14] O fenómeno é registado em Olivença e em Campo Maior.[14] Por outro lado, existem as formas vaia e vaias as quais parecem ser um caso de castelhanismo.[14]
Verbo trazer, "truxe"
Fenómeno de ocorrência dialetal presente em parte em Olivença.[14] Por exemplo, eu truxe (padrão: eutrouxe).[14]
Verbo dizer, "dezer"
Na povoação de Olivença é comum a realização do verbo dizer como dizer, em formas átonas muda para d'zia ou d'zendo (padrão: dizia e dizendo, respetivamente).[14]
Contato entre não e um verbo
Em Olivença encontra-se a elisão vocálica do advérbio não e um verbo que o sucede, este último deverá começar em vogal.[14] É especialmente marcada com o verbo haver.[14] Por exemplo, n'havia e n'amo; em português padrão: não havia e não amo.[14]
Características fonéticas
Palatalização
Na primeira pessoa plural do indicativo dá-se um traço fonético peculiar, a palatalização do a por um e.[14] Este traço é partilhado com povoações do Alto Alentejo. Por exemplo, andêmos por aí em contraposição ao português padrão, andamos por aí.[14] Nalguns casos este fenómeno também acontece no infinito, por exemplo, engordér em vez de engordar.[14]
Existe outra modificação dialetal parecida, a palatalização do ã por um ẽ, isto só aconteceu em povoações da margem leste do Odiana como Serpa e Olivença, mas não em Vila Viçosa ou Mértola.[14] Por exemplo, amanhẽ por amanhã.[14]
Em muitos pontos do Alto Alentejo e muito presente Olivença é o fechamento da vogal e quando é seguida de uma palatal.[14] Por exemplo, lênha, coêyo e ovêya; em português padrão: lenha, coelho e ovelha, respetivamente.[14]
Labialização da vogal fechada ê para u quando seguida por uma consoante labial
Traço comum a algumas bolsas isoglóssicas do Alto Alentejo. Não é universal em Olivença. Por exemplo, buber e duvertido (padrão: beber e divertido).[14] Há casos isolados desta labialização já em Campo Maior.[14]
Nasalização antes de consonantes nasais não travantes
Traço também partilhado com os dialetos do Alto Alentejo, o fenómeno em Olivença não é demasiado estendido mas está presente.[14] Por exemplo, rãma, sõnho e sõno; em português padrão: rama, sonho e sono, respetivamente.[14]
Nasalização ou alteração do timbre do a átono inicial
Característica bastante comum em certos casos como enté / anté (padrão: até) e ansim (padrão: assim).[14] Esta alteração é própria do oliventino e não é encontrada nos demais dialetos portugueses meridionais, incluindo os mais próximos do Alto Alentejo.[14]
Execução da vogal final e como i
Este é o traço mais conhecido popularmente dos falares alentejanos, muito utilizado na imitação e caricaturização dos habitantes da região.[14] Em Olivença é complicado diferenciar entre a execução da vogal final como uma e fechada ou como i, sendo os casos mais claros, por exemplo, cidadis, possibilidadi e naceri; em português padrão: cidades, possibilidade e nascer, respetivamente.[14]
Assimilação do e tónico quando antecede um i
Há, também uma assimilação do e tónico que antecede um i, sendo substituído por este.[14] Esta característica é comum a Elvas e em menor grau a Campo Maior.[14] Por exemplo, siguinte, chiguê e piquena (padrão: seguinte, cheguei e pequena).[15]
Abertura das vogais i e ĩ em e e ẽ respetivamente
Esta alteração é comum em Olivença, sendo partilhada novamente com muitas vilas e aldeias do Alto Alentejo[14]. Por exemplo, êrmandadi, dêrêto e despôri; em português padrão: irmandade, direito e dispor.[14]
Assimilação ou dissimilação da vogal o aberta ou fechada
A assimilação ou dissimilação da vogal "o" não é um traço universal em Olivença mas claramente autóctone.[14] Por exemplo, teléfano e estâmago (padrão: telefone e estômago).[14]
Alterações no ditongo eu
Em Olivença, tal como noutras paragens do Alto Alentejo, é comum monotongação em ê do ditongo eu; porém, também há relativa preservação do ditongo.[14] Por exemplo, ê / eu, Êropa / Europa e tê / teu.[14] Quando a vogal e for aberta como em ilhéu, a e resultante da monotongação será também aberta, por exemplo, ilhé.[14]
Monotongação de ão para ã
Caso de outro fenómeno comum do Alto Alentejo e muito comum em Olivença quando em posição proclítica e em especial, como o advérbio não.[14] Porém, noutros casos é frequente a conservação do grupo semivocálico.[14] Por exemplo, nã, atã e mã (padrão: não, então e mão).[14]
Monotongação de ão para õ
Fenómeno próprio de Olivença e Campo Maior, ocorre na primeira apenas em posição proclítica.[14] Por exemplo, direçõ, açõ e ândõ; em português padrão: direção, ação e andam.[14]
Monotongação de -em para -ẽ
Traço geral da fala alentejana e oliventina especial, observado também em Campo Maior, inclusive em jovens.[14] Por exemplo, quẽ, armazẽ e paragẽ; em português padrão: quem, armazém e paragem.[14] O ditongo conserva-se em posição átona ou não proclítica mas a e nasal é fechada.[14]
Ausência de semivogal "i" quando precede uma consoante palatal
Características própria não só de Olivença e dos falantes alentejanos mas também estendida pelo Centro do país.[14] Por exemplo, más, caxa e faxa (padrão: mais, caixa e faixa).[14]
Síncope de vogais átonas
Caso comum no Alentejo em geral, em Olivença é maioritária a pronúncia pa para a preposição para.[14] A execução das vogais átonas é bastante leve, tornando palavras como: esse, aquele e direita em ess, aquel e drêta.[14]
Metátese entre consoante e vogal vibrante
Traço também partilhado por outras povoações alentejanas, em Olivença, por exemplo: drento e preguntari (padrão: dentro e perguntar).[14]
Situação linguística
Domínio português
O português, durante a dominação lusa do território era a língua oficial e, por conseguinte, a usada na administração, além disso era permitida e promovida como a língua estatal.[7] Assim, o português de Olivença estava regulado pela Academia das Ciências de Lisboa, sendo utilizada a norma padrão da língua portuguesa.
Guerras das Laranjas, século XIX e primeira metade do século XX
A oficialidade mudaria em 1801, mas para os oliventinos pouco mudara: o português continuar-se-ia a usar como dantes ao longo de todo o século XIX e até à década de 1940; a língua de Camões era utilizada na rua e era a escrita.[7]
O português era transmitido de geração em geração, a população sendo a mesma dantes da conquista castelhana continuou usar o linguajar autóctone.[2]
Franquismo
Ao longo das décadas de 1940 e 1950, com a implantação do franquismo e da política de uma Espanha monoglota que perseguia todas as demais línguas que não fossem o castelhano, a língua oficial do Estado, o português começou a ser mal visto e perdeu prestígio, tornando-se a língua das classes baixas e pouco instruídas.[8] Era proibido falar português, os brasões portugueses eram vandalizados e até era proibido rezar a santos tradicionalmente portugueses, como Santo António.[8]
Os pais deixaram de falar em português com os seus filhos, falando-lhes desde então em castelhano. O sistema educativo daquele tempo teve um papel decisivo: alfabetizou as crianças em castelhano.[7] Anteriormente, os moços não iam à escola, indo já nas portas da puberdade trabalhar no campo, desta maneira a cultura portuguesa era conservada; Franco trouxe a escolarização sistemática, junto com a chegada dos meios de comunicação massivos rompeu o isolamento e fez que a cultura lusitana até então bem preservada fosse desaparecendo.[6] A propaganda franquista quis inculcar um espírito de desconfiança e de distância nos oliventinos em relação a Portugal.[6]
As novas gerações já não conheciam a língua de Camões como língua materna, senão como uma língua estrangeira alheia à sua terra.[7] A Sección Femenina teve a sua importância neste processo no campo das letras.[7]
As festas populares e o folclore, sinais da cultura portuguesa, foram perseguidos ou esquecidos.[6]
Atualidade
Desde a Transição (Transición) e o retorno da democracia, as relações com Portugal foram restabelecidas e o interesse pelo português e pela cultura lusitana em geral. O património arquitetónico luso está também a ser revalorizado, mas ainda está arraigado esse sentimento relutante a Portugal e à sua cultura.[7]
O português já só é falado pelas gentes mais velhas, as gerações vindouras já são monoglotas; tendo crescido e sido educadas em espanhol.[2][6] Os cachopos falam o espanhol no dia a dia, tanto na comunicação formal como informal.[2]
Ensino
O português é ensinado em Olivença e em Talega, mas como língua estrangeira.[7][27]
Algumas instituições como o Instituto Camões financiavam projetos para evitar a extinção do português na região e promover a cultura lusitana em Olivença, mas esses apoios já não existem.[7]
Várias associações têm trabalhado a favor do português em Olivença e em Talega, tendo feito uma extensa lavra documental e projetos de apoio aos lusófonos.
O Instituto Camões, o braço do governo português que visa a promoção e a conservação da língua portuguesa pelo mundo fora, esteve a financiar cursos e atividades do português, mas agora já não subsidia estes atos.[7]
Em 2008 nasceu a associação Além Guadiana, a qual tem organizado vários eventos, colóquios e programas para ajudar a manter viva a língua de Camões em Olivença e compilar todo o património oral das gentes oliventinas.[8][29]
A Além Guadiana tem como projeto ambicioso criar uma base de dados sonora feita das gravações dos últimos lusófonos de Olivença, desta maneira com os provérbios, as histórias e canções a escrever e ilustrar a história recente da vila.[2]
O Grupo dos Amigos de Olivença é uma organização de caráter nacionalista portuguesa, criada sob a tutela do Estado Novo.[30][31] Caracterizada pela sua atitude irredentista, tem feito pressão ao Estado português acerca do ensino da língua portuguesa em Olivença.