Cambalacho é uma telenovelabrasileira produzida pela TV Globo e exibida de 10 de março a 4 de outubro de 1986, em 173 capítulos,[1][nota 1] substituindo Ti Ti Ti e sendo substituída por Hipertensão.[2] Foi a 36ª "novela das sete" exibida pela emissora e uma das maiores audiências da história da teledramaturgia brasileira no horário das 19 horas.
Dois trambiqueiros protagonizam a trama de Cambalacho: Leonarda Furtado, a Naná, e seu compadre Jerônimo Machado, o Jejê. Os dois são parceiros nos "cambalachos" que Naná faz para sobreviver e manter os estudos da filha Daniela na Suíça. Para aliviar a culpa pelas trapaças que comete, Naná leva para sua casa crianças que recolhe nas ruas de São Paulo. Apesar de viverem de trambiques, Naná e Gegê são boas pessoas; só não conseguem ganhar a vida de outra maneira.[2]
A vilã da novela é Andréia, uma mulher ambiciosa e sem nenhum escrúpulo, que se casa com o milionário Antero Souza e Silva, sonhando ficar rica. Para herdar a fortuna, ela é capaz de qualquer coisa, até mesmo planejar a morte do próprio marido, sabotando o iate dele e provocando um grave acidente em alto-mar. Com a morte de Antero, seu testamento é aberto e, para desespero de Andréia, ele designou como herdeira Naná, uma suposta filha desaparecida.[2]
Filho legítimo de Antero, o bailarino Thiago não tem direito a herança, pois seu pai havia o deserdado, por não concordar com a profissão escolhida pelo filho. Thiago conhece Ana Machadão, filha de Gegê, uma jovem bonita, porém descuidada e masculinizada, que trabalha como mecânica. Os dois se estranham, mas apesar de suas diferenças, logo se apaixonam.[2]
Determinada a reaver a fortuna do marido, Andréia contrata o advogado Rogério Guerreiro para cuidar do caso, e ele usa de todos os meios ilícitos para satisfazer sua cliente. Rogério é a paixão de Andréia, apesar de ser seu cunhado, casado com a irmã dela, a sensível Amanda. Ele é um machão, que vive tendo relacionamentos passageiros fora do casamento, achando que jamais será descoberto pela mulher. Quando Amanda, também advogada e dona da academiaPhysical, percebe que está sendo traída, decide defender Naná na disputa pela herança de Antero.[2]
A trama sofre uma reviravolta com a chegada de Daniela, suposta filha de Naná, ao Brasil. Ao saber da herança da mãe, Daniela chega ao país acompanhada do noivo, o Conde Jean Pierre, e do sogro, o Duque Armand. Aos poucos, nota-se que Daniela é uma jovem aproveitadora, que está interessada em tirar proveito da fortuna que a mãe receberá.[2] Na realidade, ela é uma impostora que aproveitou o fato de ter o mesmo nome da filha perdida de Naná, para lhe dar um golpe. Os trapaceiros Jean Pierre e Armand, na realidade, se chamam João Pedro e Armandinho, e também estão de olho na grana de Naná. Exercendo grande poder sobre ela, Daniela chega a convencer Naná a colocar seus filhos adotivos(Exceto Julinha, sua filha adotiva mais velha)em um colégio interno para crianças. Apaixonada por Tiago, Daniela chega a atrapalhar o romance dele com Ana Machadão.
Cambalacho também contava a história de Albertina Pimenta, mais conhecida como Tina Pepper, e sua mãe, Lili Bolero. Enquanto a filha, fã da Tina Turner, sonha ser uma cantora famosa e usa uma peruca para imitar o cabelo de sua musa, sua mãe é uma cantora frustrada que vive a reclamar que Angela Maria prejudicara sua carreira na música.[2]
Lili é apaixonada pelo cunhado Gegê e faz tudo para conquistá-lo, rivalizando com a vizinha Naná. Apaixonada pelo vizinho Aramis, a pretensiosa Tina fazia de tudo para conquistá-lo, chegando a roubar um livro de feitiços e com a ajuda do feitiço da Salamandra, tentar conquistar seus pretendentes. Aramis é irmão de Porthos e Athos, e ambos foram criados pelo tio, Seu Biju, ex-alfaiate, apaixonado por Lili Bolero.[2] O ganancioso Athos é piloto de motocross e acaba se envolvendo com Andréia; enquanto Porthos se apaixona por Julinha, uma das filhas de criação de Naná.
Há também outras histórias como a de Rick, jovem que abandonou os estudos para se dedicar a sua grande paixão, o circo, contrariando os planos de seus pais, o divertido casal Céci e Wanderley,[2] e a de Debby Day, bailarina americana que depois de ser seduzida por Rogério em Roma, chega ao Brasil para procurá-lo.[2]
Produção
Roteiro
Mais uma novela que mostrou o espírito inventivo de Sílvio de Abreu em sua primeira novela sem a censura no Brasil, o autor usou Cambalacho para criticar o comportamento condescendente frente a falcatruas e à corrupção, uma maneira de combater a ideia de que se pode levar vantagem em tudo. Ele comentou em entrevista: “Cambalacho falava da falta de vergonha geral no Brasil. O país era tão corrupto que as pessoas se sentiam no direito de serem corruptas. Mas essa mensagem não passou na novela. O tom de comédia, as situações engraçadas, foram mais fortes”.[1] Foi por isso que conseguiu criar dois protagonistas anti-heróis, dois trambiqueiros. Também pôde discutir a moral do país, como a questão da homossexualidade, o que seria inconcebível nos tempos da ditadura militar, o que, segundo ele, seria inconcebível em tempos de repressão.[1][2]
Grande destaque para o personagem Tiago (Edson Celulari) que é um jovem bailarino que sofre por sua profissão não ser aceita por seu pai, Antero (Mário Lago), e acaba sendo deserdado. Ele é apaixonado por Ana Machadão (Débora Bloch), filha de Gegê (Gianfrancesco Guarnieri), uma jovem que carrega no nome e na personalidade a aspereza que sua profissão de mecânica de automóveis lhe ensinou. Apesar disso, nem Tiago nem Ana são homossexuais. Através dos dois personagens, o autor invertia profissões tradicionalmente masculinas e femininas e trazia a discussão acerca de preconceitos relacionados ao comportamento social. O casal fez tanto sucesso, que emplacou a capa da trilha sonora internacional da novela.[1][2]
Mas também transformou sua trama folhetinesca numa deliciosa e divertida comédia. Muitas ideias excelentes, com uma integração perfeita do texto com o elenco e direção.[1][2] Ótimos momentos de Fernanda Montenegro, Gianfrancesco Guarnieri e Natália do Valle - ela, como a inesquecível vilã Andreia Souza e Silva, a "perigosa", como repetia o refrão do tema musical da personagem.
O nome de Naná (Fernanda Montenegro), quando fazia cambalachos como cartomante-vidente, era "Madame Narda". Outra curiosidade, era o apelido da personagem Cecília (Rosamaria Murtinho), que gostava de ser chamada Céci, com o acento na primeira sílaba, ao invés de Cecí.
O nome da academia de Amanda (Susana Vieira) se chamava Phsysical, que tinha seu formato de pirâmide. Tina Pepper (Regina Casé) tomou conhecimento do livro "O livro da Salamandra", através de uma cliente da academia Physical, Dona Romilda (Wilza Carla). Tina roubou o livro da cliente e começou a fazer feitiços para deixar os homens enlouquecidos, foi desta maneira que a moça conseguiu despertar o interesse de Aramís (Paulo César Grande), que curiosamente no último capítulo se apaixonou verdadeiramente por ela.
Destaque também para as presenças hilariantes de Regina Casé e Consuelo Leandro, que viveram Tina Pepper e Lili Bolero, mãe e filha na novela. Enquanto Tina Pepper queria ser a Tina Turner brasileira (cantora estadunidense que estava no auge da popularidade na época), ela usava uma peruca para imitá-la. No decorrer da trama, Tina Pepper gravou um disco e ficou rica e famosa, tendo inclusive se apresentado no Cassino do Chacrinha. Sua música “Você Me Incendeia” virou um hit dentro e fora da novela. Já Lili Bolero passou a novela inteira dizendo que perdera o sucesso, por causa da cantora Ângela Maria, Em virtude disso, a cantora surgiu numa participação especial. No último capítulo é revelado que Naná (Fernanda Montenegro) era realmente filha de Antero (Mário Lago) com Dona Ubiratânia (Henriqueta Brieba).
As primeiras chamadas da novela aguçavam a curiosidade do telespectador: “você sabe o que quer dizer ‘cambalacho’?”. O termo popularizou-se, tornando-se expressão comum para designar golpe, trapaça.[1]
Gravações
A novela, ambientada em São Paulo, indicava as passagens de tempo através de letreiros luminosos, criados por computador e postos no alto dos prédios da cidade. Nesses painéis apareciam desenhos e frases do tipo "Cai a noite", "Amanheceu", "Enquanto isso", entre outros.[1][2]
Poucos antes da novela estrear, no governo de José Sarney, o Brasil lançou o Plano Cruzado. Algumas cenas da novela, por conta disso, tiveram de ser adaptadas, pois faziam referência a valores ainda cotados em Cruzeiro (a moeda anterior). A solução foi mostrar na tela a correspondência de valores.[1][2]
As mães dos atores e atrizes que interpretavam as crianças que Naná (Fernanda Montenegro) abrigava em sua casa ajudavam a direção da novela a guiá-las. As mães tinham vários truques e acabavam dirigindo os próprios filhos.[2]
Joana Fomm, intérprete de Joana, encerrou sua participação na novela no decorrer das gravações por motivo de saúde.[1][2]
O ator Marcos Frota, que viveu o trapezista Rick na novela, deu continuidade na vida real à atividade circense, inaugurando no Rio de Janeiro a Unicirco, primeira faculdade de artes circenses.[4][5]
A última sequência da novela fugiu do tradicional e contou com imagens gravadas de um helicóptero – ao som da música “Armando Eu Vou” (cantada por Cida Moreira) - as sequências finais contaram com a participação de um corpo de balé caracterizado com figurinos dos personagens da novela, que, no final da coreografia, vistos do alto, os bailarinos formavam a palavra “cambalacho” pelas ruas de São Paulo.[1][2]
No último capítulo de Cambalacho, o autor Silvio de Abreu aparece em cena como o padre do casamento de Naná (Fernanda Montenegro) e Gegê (Gianfrancesco Guarnieri). O diretor Jorge Fernando surge como palhaço no circo do personagem Ricky, vivido por Marcos Frota. Quem também fez uma participação especial foi o diretor Daniel Filho, como um agente da Interpol disfarçado que prende Andréia no último capítulo.[1][2] Ainda houve as participações especiais do pilotoIngo Hoffmann, que, num certo momento da trama, patrocinou o personagem Atos (Flávio Galvão), que passava a ser piloto de motos na empresa de Ingo, a Hoffman & Hoffman, e de Cláudia Raia, que fez uma milionária portenha e desfiou um sotaqueespanhol. Sua participação era aguardada há muito tempo porque, segundo Cláudia, Silvio de Abreu escreveu especialmente para ela o papel de Debbie Day, que teve que recusar na época em que Roque Santeiro – novela na qual atuava – se estendeu (o papel acabou ficando com Christine Nazareth).[1]
Durante a exibição do capítulo 21, em uma cena que Rogério (Cláudio Marzo) liga para a Polícia, ele se comunica com um delegado de nome Cassiano. No diálogo, é possível perceber uma homenagem ao autor Cassiano Gabus Mendes: "Claro delegado Cassiano, eu sei que de Costureiro e Detetive, o senhor entende."
Cambalacho é uma das novelas das sete de maior audiência da história da Globo, a ponto de ser, junto de Anjo Mau e Locomotivas, uma das poucas novelas dessa faixa a superar a audiência de uma novela das oito. Teve média geral de 56 pontos, considerado um fenômeno pois na época a meta de audiência de uma novela das sete era de 40 pontos.[1][5]
Foi reexibida pelo Vídeo Show, no quadro Novelão, de 17 de setembro a 28 de setembro de 2012, substituindo Direito de Amar e sendo substituída por Dancin' Days, em dez capítulos.
Em 2011, a Rede Globo chegou a cogitar fazer um remake da trama, novamente no horário das 19 horas e que estrearia em maio de 2012 no lugar da nova versão de Guerra dos Sexos. A Rede Globo adiou o projeto da novela porque a produção tinha semelhanças com outras tramas que a emissora pretendia exibir naquela ocasião.[9]
Outras mídias
Foi disponibilizada na íntegra no Globoplay em 04 de dezembro de 2023.[10]
↑Sempre que um único episódio escrito pelo autor era desmembrado em dois pela edição, a emissora colocava na vinheta, a letra "A" ao lado do número do capítulo. As edições desmembrando os capítulos originais foram necessárias devido à transmissão da Copa de 1986 no México. Foram seis capítulos identificados com a letra "A". Portanto, apesar do último capítulo ter sido o de número 173, foram exibidos 179 capítulos, devido ao desmembramento.Teledramaturgia Bastidores