O Partido Socialista Português nasceu da evolução do movimento operário português, em particular a partir das facções lideradas pelos poucos intelectuais que em Portugal por meados do século XIX se interessaram pelas questões do proletariado e pelas transformações sociais ditadas pela Revolução Industrial.
Apesar da sociedade portuguesa continuar a ser essencialmente agrária, carácter que manteria por mais um século, a partir da década de 1850 surgem progressivamente novas indústrias, essencialmente instaladas na periferia da cidade de Lisboa e, em muito menor escala, no Porto e em outras cidades do litoral. Esta industrialização incipiente gera um número suficiente de proletários para permitir o nascimento de movimentos operários,[4] voltados para a defesa dos interesses dos trabalhadores face ao crescente poder do patronato e à dureza das condições de trabalho e magreza dos salários.
Foi nesse contexto que a 28 de Abril de 1850 se inicia em Lisboa a publicação de O Eco dos Operários,[5] o primeiro periódico voltado para um público proletário e considerado o primeiro jornal socialista em Portugal. O elevadíssimo analfabetismo entre os destinatários da publicação, obriga à criação de uma rede de associações, mais ou menos informais, onde o periódico e outra literatura de interesse para os operários era lida em voz alta, em saraus operários que tiveram grande popularidade.
Entretanto inicia-se em Portugal o período da Regeneração, com um forte esforço de fomento da industrialização, acompanhado por alguns avanços na direcção da modernização da sociedade portuguesa e na sua democratização. Foi nesse contexto que a 5 de Julho de 1852 foi abolida a pena de morte para os crimes políticos, medida que foi acompanhada pelo reforço do direito de associação, o que permitiu que a 27 de Julho de 1852 fosse fundada a Associação dos Operários, a primeira associação de classe, no moderno sentido do termo, que existiu em Portugal.
A 16 de Junho de 1853 foi publicado o decreto que aprova os estatutos do Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas, os quais haviam sido redigidos pelo engenheiroFrancisco Maria de Sousa Brandão. O Centro torna-se rapidamente na mais importante das associações operárias, considerado, pelo próprio governo, como o centro das associações operárias,[6] prestando um importante contributo para despertar a consciência cívica do proletariado português.
A partir do início da década de 1860 surge um forte movimento associativo entre o operariado, com a formação de associações de classe, que desembocaria no sindicalismo.[7] Este movimento está associado a uma crescente tomada de consciência pelos proletários da sua condição, a qual leva que a par do sindicalismo se generalize o desejo de uma alteração política que contribua para a melhoria da condição sócio-económica das classes laboriosas.
Esse movimento leva ao reforço da propaganda socialista, republicana e do anarquismo, ao tempo formando um complexo ideológico de difícil destrinça. O processo é acelerado pela influência estrangeira, em particular francesa, e pela crescente presença entre o operariado português de organizações directa ou indirectamente ligadas à Associação Internacional dos Trabalhadores e às ideias socialistas por ela promovidas.
Neste contexto, o processo que levaria à formalização de um Partido Socialista em Portugal teve uma rápida evolução com o dealbar da década de 1870: a 19 de Outubro de 1870 o Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas, então presidido por Francisco Vieira da Silva Júnior, reformou os seus estatutos, tendo por base os princípios da Associação Internacional dos Trabalhadores;[8] a 18 de Março de 1871 foi fundada a Comuna de Paris, galvanizando toda a esquerda europeia; e em Junho de 1871 chegam a Lisboa emissários da Associação Internacional dos Trabalhadores com o objectivo de organizar o estabelecimento de uma secção daquela organização.
Os emissários da Associação Internacional dos Trabalhadores eram os espanhóis Anselmo Lorenzo, Gonzaléz Morago e Francisco Mora, os quais após vários contactos reuniram com José Fontana (que terá sido o contacto do grupo em Portugal), Antero de Quental e Jaime Batalha Reis. Ficou então acordada a fundação secreta do Núcleo Internacional de Lisboa da Associação Internacional dos Trabalhadores, a que aderem, entre outros, Nobre França, Azedo Gneco, José Tedeschi e Sousa Monteiro. Na sequência deste processo, Antero de Quental publica o folheto O que é a Internacional (1871), um dos primeiros documentos de referência do movimento socialista em Portugal.
No prosseguimento dos objectivos da Associação Internacional dos Trabalhadores, José Fontana e outros fundam, a 19 de Janeiro de 1872, a Associação Fraternidade Operária sob cuja égide se inicia a 10 de Março daquele ano a publicação de O Pensamento Social, órgão de propaganda socialista.
A Fraternidade Operária seguiu as orientações aprovadas no Congresso e iniciou o processo de fundação de um partido socialista em Portugal. Coube a José Fontana, um jovem suíço radicado em Portugal, liderar o processo.
José Fontana gozava então de enorme popularidade, sendo visto como um herói romântico empenhado na defesa da classe trabalhadora. Capaz de atrair multidões, fazia saraus operários lendo trechos do Portugal e o Socialismo de Oliveira Martins[9] e outras obras de propaganda socialista, ao mesmo tempo que mantinha uma relação próxima com intelectuais como Antero de Quental e outros membros do Cenáculo, a que pedira para pôr de pé o programa do Partido. A diversidade ideológica dos envolvidos, e a sua falta de cultura política, não permitiram que a tarefa de elaboração do programa tivesse êxito: não conseguindo consensos, Fontana acabou por aceitar que a situação era de tal sorte que, para não haver cismas, assentara-se em não haver programa.
O I Congresso reuniu 23 associações e 48 delegados.
Em 1878 surgiu a primeira cisão quando Azedo Gneco patrocinou a candidatura, nas eleições gerais de 13 de Outubro daquele ano, de Oliveira Martins integrado nas listas do Partido Progressista no círculo eleitoral do Porto, com a desistência dos socialistas.
No Congresso de 1880, o partido estava já reduzido a 9 associações.
No Congresso de 1885 surge novo programa do partido, inspirado no federalismo de Proudhon, alheando-se da luta revolucionária e do princípio da luta de classes.
Com efeito, em 1884-1885 começou a intensificar-se o anarquismo e a respectiva propaganda, principalmente quando a partir do momento em que Manuel Luís Figueiredo e Viterbo de Campos participaram no Congresso Internacional de Paris de 1889.
Surgiu então o confronto entre os economicistas, possibilistas defensores das reformas (Luís Figueiredo) e os marxistas ou revolucionários (Azedo Gneco). Os primeiros publicam O Protesto Operário e o Trabalhador, mobilizando Carvalho e Cunha, Agostinho da Silva e José Martins[desambiguação necessária]. Os segundos publicam o Eco Socialista e têm a apoiá-los Nobre França, Domingos Leite, Conceição Fernandes, Viterbo de Campos e Luís Soares. Estes dois grupos, maioritários, distinguem-se de mais dois: o grupo dito dos ecléticos, que publicam A Voz do Operário e o Amigo do Povo e o grupo dito dos socialistas de Estado, com Sousa Brandão, Costa Goodolphim, Liberato Correia, Augusto Fuschini, Jaime Batalha Reis e Oliveira Martins. Como então reconhecia Nobre França, o que hoje existe tem pouca significação verdadeiramente socialista. O que predominam são agremiações, animadas pela burocracia, esperando pelas cebolas do Egipto.
Em 1897 houve uma cisão dentro do grupo de Gneco, quando Ernesto Silva e Teodoro Ribeiro pretenderam uma aliança com o Partido Republicano, tendo surgido uma aliança republicano-socialista.
Alguns socialistas chegaram a apoiar Sidónio Pais, levando a uma divisão em 1919, com o ministro socialista Augusto Dias da Silva a receber apoio dos anti-sidonistas. Na altura, conseguiram 4 deputados (2.126 votos em Lisboa e 1 569 no Porto). Realizou-se então, em Outubro de 1919, o Congresso da Figueira da Foz. Seguiu-se o X Congresso de Maio de 1922, em Tomar.
No XI Congresso, realizado no Porto, em Junho de 1924, o partido passou a ser dominado por Ramada Curto e Amâncio Alpoim. Tinham então, no Porto, o jornal República Social e em Lisboa O Protesto. Quanto aos anarquistas, saliente-se que o movimento desencadeou-se em Portugal a partir do movimento grevista de 1872. Em 1887 publicou-se em Lisboa uma declaração de princípios comunista-anarquista, enquanto surgiu no Porto A Revolução Social. Em 1892, A Revolta. Em 1894 A Propaganda, O Rebelde, O Trabalhador. Em 1895, a Obra. Com a lei antianarquista de 13 de Fevereiro de 1896, houve um certo refluxo, mas em 1904 surgiram os jornais O Gráfico em Lisboa e A Vida no Porto. Em 1908, A Greve onde se destacou Alexandre Vieira.
↑Realizado em Setembro de 1872, foi o 5.º congresso da AIT e marcou a ruptura entre anarquistas, que o consideraram nulo, e marxistas.
↑Antero Quental, autor do folheto O que é a Internacional, publicado em 1871, estava nos Açores desde 1873, por morte do pai.
↑As primeiras associações operárias surgem em Portugal após a Revolução Liberal de 1820 e a Guerra Civil Portuguesa terem levado em 1834 à abolição das corporações das artes e ofícios. Sem carácter reivindicativo ou político, destinavam-se essencialmente à organização de mecanismos de socorros mútuos e de ensino popular.
Fernando Piteira Santos, "Antero de Quental : as suas ideias políticas, a acção revolucionária, a intervenção cívica". In: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 123/124, Jan. 1992, p. 63-82.