Até ao momento, a Constituição de 1976 é a mais longa constituição portuguesa que alguma vez entrou em vigor, tendo mais de 32 000 palavras (na versão atual). Estando há mais de 40 anos em vigor e tendo recebido 7 revisões constitucionais (em 1982, 1989, 1992, 1997, 2001, 2004 e 2005), a Constituição de 1976 já sofreu mais revisões constitucionais do que a Carta Constitucional de 1826, a constituição portuguesa que mais tempo esteve em vigor: durante 72 anos (a qual, com cerca de 7000 palavras na versão original, recebeu somente 4 revisões).
Estrutura
A Constituição da República Portuguesa é constituída por um Preâmbulo e 296 artigos. Estes artigos encontram-se organizados em Princípios fundamentais e quatro Partes, para além das Disposições finais e transitórias. As Partes dividem-se ainda em Títulos, e estes subdividem-se, por vezes, em Capítulos.[1]
Preâmbulo
Princípios fundamentais
Parte I: Direitos e deveres fundamentais
Título I: Princípios gerais
Título II: Direitos, liberdades e garantias
Capítulo I: Direitos, liberdades e garantias pessoais
Capítulo II: Direitos, liberdades e garantias de participação política
Capítulo III: Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores
Título III: Direitos e deveres económicos, sociais e culturais
Capítulo I: Direitos e deveres económicos
Capítulo II: Direitos e deveres sociais
Capítulo III: Direitos e deveres culturais
Parte II: Organização económica
Título I: Princípios gerais
Título II: Planos
Título III: Políticas agrícola, comercial e industrial
A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país.
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte Constituição da República Portuguesa:
Princípios fundamentais
Os Princípios fundamentais correspondem aos primeiros 11 artigos (artigos 1.º a 11.º) da Constituição. Esta parte estabelece os princípios constitucionais (princípios fundamentais de ordem jurídico-política que definem o estado) que constituem a base fundamental da Constituição, sendo o substrato ideológico-político sobre o qual esta assenta. Assim sendo, os onze primeiros artigos da Constituição da República Portuguesa estabelecem os seguintes princípios constitucionais sobre os quais se baseiam a restante Constituição:
Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
A soberania reside no povo, o Estado subordina-se à Constituição, e a legalidade das leis e demais atos do Estado dependa da sua conformidade com a Constituição.
Cidadania portuguesa (Artigo 4.ª)
Para efeitos de cidadania portuguesa, são considerados "cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional".
O estatuto de Portugal como um estado unitário, que se rege pelos princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, com os repetivos estatutos político-administrativos e órgãos de governo próprios (regime autonómico insular), e da descentralização administrativa.
Relações internacionais (Artigo 7.º)
Os princípios basilares que guiam Portugal nas relações internacionais são: a independência nacional; o respeito pelos direitos do homem e pelos direitos dos povos; a igualdade entre os Estados; a solução pacífica dos conflitos internacionais; a não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados; a cooperação com todos os outros povos "para a emancipação e o progresso da humanidade"; a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração; e o direito dos povos à autodeterminação e independência. São ainda ressaltados os laços que unem Portugal aos países de língua portuguesa e aos países europeus, e a aceitação da jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais;
Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais;
Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa;
Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira;
Os símbolos nacionais são: a Bandeira Nacional adoptada pela República instaurada pela Revolução de 5 de Outubro de 1910 e A Portuguesa, o Hino Nacional. A língua oficial é o Português.
Parte I: Direitos e deveres fundamentais
A primeira parte da Constituição, composta por 68 artigos (Artigos 12.º a 79.º), define os direitos e deveres fundamentais dos cidadãos portugueses e dos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal. Para tal, gozam de força jurídica que os vinculam a todas as entidades públicas e privadas. A Parte I encontra-se, assim, dividida em três títulos.
Título I: Princípios gerais
Os 12 princípios gerais dos direitos e deveres fundamentais (Artigos 12.º a 23.º) são, resumidamente:
Artigo 12.º: Princípio da universalidade — "Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição."
Artigo 13.º: Princípio da igualdade — "Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei."
Artigo 14.º: Os Portugueses que se encontrem/residam no estrangeiro gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consagrados na Constituição portuguesa, desde que estes não sejam incompatíveis com a ausência do país.
Artigo 15.º: "Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português", excluindo os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.
Artigo 17.º: "O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga."
Artigo 18.º: Força jurídica — "Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas."
Artigo 19.º: Apenas, e só apenas, em estado de sítio ou de estado de emergência se podem suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias. Ainda assim o direito à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroactividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião, não podem ser afetados de forma alguma.
Artigo 20.º: Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva — Todos os cidadãos têm direito de acesso aos tribunais "para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos". Além de que também todos os cidadãos têm direito "à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade".
Artigo 21.º: Direito de resistência — "Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública".
Artigo 22.º: O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis por acções praticadas no exercício das suas funções que resultem na violação do direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
Artigo 23.º: "Os cidadãos podem apresentar queixas por acções ou omissões dos poderes públicos ao Provedor de Justiça". A atividade do Provedor de Justiça é independente de outros órgãos, contudo este não tem poder decisório, reencaminhando para os órgão competentes as recomendações necessárias para "prevenir e reparar injustiças".
Essa mesma Constituição, que entrou em vigor a 25 de abril de 1976, dotou a Assembleia da República de poderes de revisão constitucional (artigos 286.º a 291.º, actualmente os artigos 284.º a 289.º), sendo que estes poderes foram exercidos sete vezes[3][4][5]:
Revisão Constitucional de 1982 (1.ª Revisão Constitucional)
A Primeira Revisão Constitucional, que se traduziu na aprovação da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro,[6] após um logo processo de revisão do articulado inicial, que se havia iniciado em abril de 1981, procurou principalmente:
reduzir a carga ideológica da Constituição;
qualificar constitucionalmente a República Portuguesa como um Estado de Direito Democrático (n.º 2, do artigo 2.º: "A expressão «Estado democrático», constante do mesmo artigo, é substituída pela expressão «Estado de direito democrático».");
flexibilizar o sistema económico, através da diminuição da intervenção pública e dando espaço à iniciativa privada, afirmando assim a economia mista, e da diminuição da dimensão da planificação da economia, ainda que se mantenha o controlo estatal. Contudo, mantém-se as nacionalizações e a reforma agrária;
redefinir as estruturas do poder político, sendo extinto o Conselho da Revolução, que é substituído por dois novos órgãos: o Tribunal Constitucional (fiscalização da constitucionalidade das leis) e o Conselho de Estado (aconselhamento do Presidente da República);
limitar os poderes discricionários do Presidente da República em favor da Assembleia da República (n.º 2, do artigo 198.º: “O Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado.");
A revisão de 1982 foi aprovada a 12 de agosto de 1982 (II Legislatura/IX Governo - M. Soares). Os votos que se contabilizaram a favor pertenciam aos deputados do PSD, CDS, PS, PPM, da ASDI e da UEDS. O PCP e a UDP votaram contra, e registou-se uma abstenção de um deputado do MDP.
Revisão Constitucional de 1989 (2.ª Revisão Constitucional)
uma maior abertura do sistema económico e adaptação à economia de mercado, acabando inclusivamente com o princípio da irreversibilidade das nacionalizações (as reprivatizações podem ser feitas desde que reguladas por lei-quadro aprovada por maioria absoluta dos deputados);
a diminuição do peso da economia planificada pelo Estado;
Revisão Constitucional de 1992 (3.ª Revisão Constitucional)
Com os votos favoráveis do PSD e do PS, os votos contra do PCP, Os Verdes, CDS, e dois independentes, e a abstenção do deputado do PSN, foi aprovada, a 17 de novembro de 1992 (VI Legislatura/XII Governo - A. Cavaco Silva), a Terceira Revisão Constitucional. A Lei Constitucional n.º 1/92, de 25 de Novembro,[8] adaptou a Constituição nacional ao Tratado de Maastricht, assimilando a compatibilidade com o Direito Comunitário, através das seguintes medidas:
possibilidade de voto para as eleições europeias de cidadãos europeus a viver em Portugal;
Revisão Constitucional de 1997 (4.ª Revisão Constitucional)
A 3 de setembro de 1997 (VII Legislatura/XIII Governo - A. Guterres) foi aprovada a Quarta Revisão Constitucional. A Lei Constitucional n.º 1/92, de 20 de setembro,[9] contou com os votos a favor do PSD e PS, exceto Manuel Alegre que votou contra. CDS-PP, PCP, e Os Verdes votaram contra, e houve a abstenção de oito socialistas. Esta revisão possibilitou:
Revisão Constitucional de 2005 (7.ª Revisão Constitucional)
A 22 de junho de 2005 (X Legislatura/2.ª Sessão Legislativa/XVII Governo - J. Sócrates), o parlamento aprovou a Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12 de Agosto,[12] com os votos favoráveis do PS, PSD, CDS-PP e Bloco de Esquerda e a abstenção do PCP e Os Verdes. A Sétima Revisão Constitucional permitiu, através do aditamento de um novo artigo:
a realização de referendo sobre a aprovação de um futuro tratado que vise a construção e o aprofundamento da União Europeia.
Revisão Constitucional de 2010 (não concluída)
Os trabalhos preparatórios relativos à Oitava Revisão Constitucional,[13][14] iniciaram-se a 16 de setembro de 2010, com a entrega de uma proposta de alteração à Constituição pela bancada parlamentar do PSD, apesar de tal ir contra a vontade do PS. Contudo, este processo veio a caducar em 19 de junho de 2011, devido à demissão do ex-Primeiro-Ministro José Sócrates (XVIII Governo), o que resultou na dissolução da Assembleia da República (XI Legislatura/2.ª Sessão Legislativa), a 7 de abril de 2011, pelo antigo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.[15]
Principais características
Parlamento Unicameral
Ao invés do que sucedeu durante a maior parte do período constitucional português, o Parlamento é constituído apenas por uma câmara, a Assembleia da República.
Sistema político e eleições
O sistema político português baseia-se no princípio da soberania popular (a ideia aqui é a de que o poder político é legítimo através da vontade do povo). Este princípio de soberania concretiza-se através do sufrágio universal.
Aqui, com o princípio da representatividade, a massa popular elege o seu representante.
A Assembleia da República é eleita por uma legitimidade direta, ou seja, os deputados são eleitos diretamente. Já o Governo é através de uma legitimidade indireta, pois é formado indiretamente de acordo com o resultado das eleições para a Assembleia da República, onde vai encontrar a sua legitimidade (o Presidente da República convida para formar governo o partido que conseguiu eleger mais deputados, porém, não há nada que proíba o presidente de convidar outro partido para formar governo).
As eleições
Princípios essenciais:
O princípio da universalidade: todos têm o direito de votar e de serem eleitos, exceto certas circunstâncias, como não poder votar quem tem menos de 18 anos ou quem tem uma doença psiquiátrica, e nem pode ser eleito quem acabará por ter dois cargos ao mesmo tempo, ou por exemplo, não se pode ser Presidente da República antes dos 35 anos (Artigo 113.º).
O princípio de imediaticidade: a ideia de que o sufrágio tem que ser direto e imediato, ou seja, os votos têm que eleger diretamente os indivíduos que concorrem à eleição.
O princípio da liberdade de voto: podemos votar em quem quisermos, e não podemos ser coagidos física ou psicologicamente a votar em algum candidato. Votar é um dever cívico e não jurídico, ou seja, só vota quem quer, e não é penalizado quem não for votar (Artigo 49-2.º).
O princípio do voto secreto: o voto é secreto, e não pode haver nenhum tipo de coação para a revelação de quem vota em quem.
O princípio da igualdade de voto: todos os votos têm a mesma eficácia jurídica, têm que significar a mesma expressão numérica e devem ter materialmente o mesmo valor. Por exemplo: existe um certo número de deputados eleitos por cada distrito, e mesmo que um distrito tenha apenas 10 mil pessoas e outro tenha 1 milhão de pessoas, o distrito com menos pessoas pode precisar de mil votos para eleger um deputado (10 deputados no total) e, no distrito de 1 milhão, ser necessário 100 mil votos (10 deputados no total); os círculos eleitorais não podem ser mudados para beneficiar um partido.
O princípio da periodicidade: tem que haver eleições periódicas pois existe a proibição dos mandatos vitalícios, e embora não haja um limite de mandatos, em alguns cargos, pode haver uma limitação de mandatos sucessivos.
O princípio da unicidade: só é permitido votar uma vez, ninguém pode votar por outrem, e em casos estranhos, uma pessoa já falecida não pode votar.
Direito de petição à Assembleia da República
A Constituição da República Portuguesa consagra o direito a qualquer cidadão, apresentando de forma coletiva ou individual, de peticionar perante os órgãos de soberania ou quaisquer autoridades, que devem responder à mesma em prazo razoável.
Qualquer petição, para efeito de apresentação na Assembleia da República, basta ser assinada por um cidadão. Se reunir mais de mil assinaturas, é publicada em Diário da Assembleia da República e os peticionários ouvidos pelo Parlamento. As petições com mais de 4000 assinaturas são obrigatoriamente debatidas em sessão plenária da Assembleia da República.
Direito à saúde
Embora tenha havido alterações legislativas no sentido de tornar a saúde onerosa, a constituição na "alínea a) do n.º 2 do artigo 64.º" refere que a saúde deve ser universal e tendencialmente gratuita:
"2. O direito à proteção da saúde é realizado:
a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito".