O Forte da Ponta da Bandeira, igualmente denominado como Forte do Pau da Bandeira, Forte de Nossa Senhora da Penha de França ou Forte do Registo, é um monumento militar na cidade de Lagos, na região do Algarve, em Portugal. Situa-se à entrada da barra de Lagos, num local que foi de grande importância para a defesa marítima de Lagos.[1] Foi construído no século XVII, como um dos principais componentes de um sistema de fortificações marítimas para defender a cidade, então sede do governo militar do Algarve.[2] Sofreu graves danos pelo Sismo de 1755, mas foi reparado pouco depois.[3] Foi alvo de obras de restauro no século XIX, e nas décadas de 1950 e 1960 foi profundamente modificado pelo Estado Novo, transformando-se num centro náutico.[4] Foi transferido para a Câmara Municipal de Lagos na década de 1970, passando a ter funções culturais.[4] No seu interior é de especial interesse uma pequena capela dedicada a Santa Bárbara, totalmente forrada com azulejos seiscentistas.[1] Está classificado como Imóvel de Interesse Público desde 2002.[5] É considerada uma das estruturas militares seiscentistas em melhores condições de conservação no Algarve.[6]
Descrição
O forte situa-se no Cais da Solaria, junto ao oceano e à Ribeira de Bensafrim,[7] local que era de grande importância estratégica, uma vez que se situava junto às muralhas, mas com acesso privilegiado à baía.[1] Desta forma, podia proteger tanto o acesso aos cais como os lados Sudeste e nascente das muralhas, e permitia o cruzamento de fogo com os baluartes da Porta da Vila e do Castelo dos Governadores.[2] Complementaria também a artilharia do castelo, que não era considerada muito eficaz contra as embarcações inimigas.[8] Fazia parte do sistema de defesa costeiro de Lagos, que incluía igualmente as fortificações da Meia Praia, Almádena, Zavial, Porto de Mós, Pinhão, Ponta da Piedade e Vera Cruz da Figueira.[9]
Na altura da sua construção, o Forte da Ponta da Bandeira era considerado como um dos mais avançados no Algarve.[1] Foi planeado no âmbito da guerra da artilharia, apresentando uma planta de forma quadrangular regular, com volumes baixos e paredes de grande espessura nos lados virados para o oceano.[1] Foi construído em alvenaria.[8] O acesso ao terraço superior é feito através de uma rampa.[1] O edifício é parcialmente rodeado por um fosso, tendo só uma entrada, numa das paredes cegas, que é acedida através de uma ponte levadiça.[1] Por cima da entrada possui uma pedra de armas, e uma lápide a informar que a construção foi iniciada pelo Conde de Sarzedas e concluída pelo Marquês de Niza.[4] Em cada um dos quatro ângulos tem uma guarita de forma cilíndrica, com cúpulas lobuladas, de inspiração orientalista, emulando as presentes na Torre de Belém, em Lisboa.[8] Estas guaritas foram inseridas durante as obras de restauro em meados do século XX,[8] uma vez que os originais não foram reconstruídos na sequência das obras após o Sismo de 1755.[10] No interior existiam originalmente aquartelamentos para a guarnição e a palamenta,[8] que após a conversão do forte num espaço cultural, foram ocupados por várias salas para exposições e um restaurante.[1] Destaca-se igualmente uma capela dedicada a Santa Bárbara, de pequenas dimensões, só com uma nave e sem capela-mor, totalmente forrada de azulejos seiscentistas.[1][8]
O Forte da Ponta da Bandeira é considerado como uma das principais e melhor conservadas fortificações do século XVII na região do Algarve,[2] sendo considerado como um dos símbolos de Lagos.[8] É um poucos exemplares sobreviventes da antiga rede de fortificações que protegiam a cidade, encontrando-se ainda em bom estado e quase inalterada, ao contrário das restantes estruturas.[1] Foi classificado como Imóvel de Interesse Público pelo Decreto 5/2002, de 19 de Fevereiro.[5]
História
Antecedentes e construção
Nos finais do século XVI, durante o Domínio espanhol de Portugal, a região do Algarve era considerada de grande importância, tendo-se verificado a instalação de uma rede de fortificações costeiras.[11] Porém, esta situação mudou na centúria seguinte, com o início da guerra da independência, quando se deu uma maior atenção às fronteiras terrestres, enquanto que a costa algarvia passou a ser de importância periférica, tendo apenas sido introduzidos alguns pequenos fortes, conhecidos como baterias, que tinham funções mais ligadas à vigilância e defesa restrita.[11] Esta situação resultou igualmente das más condições em que se encontravam as frotas militares espanholas, e devido à assinatura do acordo de paz com a Holanda.[11]
Após o final da Guerra da Restauração, voltou a dar-se uma maior importância às defesas costeiras do Algarve, uma vez que a região passou a ser frequentemente atacada por piratas e corsários.[1] Desta forma, ponderou-se a instalação de uma rede de fortificações para defender a cidade de Lagos, que era nessa altura a sede do governo militar do Algarve.[1] Uma destas estruturas foi o Forte da Ponta da Bandeira, que começou a ser construído em 1679 ou 1683, por ordem do Conde de Sarzedas, Governador do Reino do Algarve, e Luís Lopo da Silveira, Capitão General da mesma região, tendo sido concluído em 1690, já sob a orientação do Marquês de Nisa D. Francisco Luís Baltasar António da Gama.[4] Segundo os documentos da época, o seu director das obras foi o capitão de engenharia Inácio Pereira, não tendo ficado registado o nome do arquitecto.[1] A capela terá sido construída desde logo com o forte, uma vez que os azulejos no seu interior também datam do século XVII.[1] Era nessa altura considerado como um dos mais avançados na região do Algarve, sendo o reflexo de várias décadas do desenvolvimento da arquitectura militar portuguesa, que levaram a uma profunda modificação em todos os sistemas defensivos marítimos no país, que se iniciou a partir da segunda metade do século XVII, e só terminou durante o século seguinte.[2] Com efeito, a fortaleza apresenta uma forma muito simples, sendo apenas um quadrado com um terraço elevado virado para o oceano, com várias canhoneiras, exemplificando a mudança nas políticas militares após a Guerra da Restauração, em que se reduziu o interesse em grandes fortalezas costeiras, preferindo-se em vez disso a instalação de várias pequenas fortificações.[11] A resistência da sua construção e a sua localização estratégica fez com que tivesse permanecido relativamente intacta, enquanto que as restantes fortificações foram muito modificadas ou destruídas ao longo dos anos.[1]
Séculos XVIII e XIX
O Forte da Ponta da Bandeira foi muito danificado pelo Sismo de 1755, mas um documento de 1758 relata que já tinha sido reparado.[3] Nos programas de reconstrução após o sismo deu-se prioridade às estruturas de defesa, de forma a proteger as populações, como relatou o documento de 1758: «acha-se esta cidade no estado mais deplorável, que imaginar se pode não só por ser a que padeceu neste Reino o maior estrago, e por se achar exposta a qualquer invasão de inimigos que com facilidade se pode fazer na meia Praia por ter de longitude uma légua toda descoberta e sem defesa.».[3] Em 1769, foi emitido um ofício sobre o estado geral em que se encontrava o forte, relatando que tinha sofrido danos devido à força das águas do oceano.[4]
Um alvará de 1805 do príncipe regente ordenou que o forte ficasse dependente da Praça Forte de Lagos.[4] Nesta centúria a estrutura já estava a mostrar sinais de decadência, pelo que em 1826 foi alvo de obras de restauro por parte do Ministério da Guerra, que no entanto apenas incidiram sobre as muralhas.[4] Em 1828, o forte albergou quarenta presos políticos, que foram depois levados para as prisões de Lagos e de Faro.[4] Num artigo do jornal O Panorama de 5 de Novembro de 1842 sobre a cidade de Lagos, é relatado que a fortaleza da Ponta da Bandeira funcionava igualmente como registo, e que tanto esta como a da Meia-Praia eram incapazes de defender eficazmente a baía, por não terem a guarnição e artilharia adequadas.[12] Em 1849, foi elaborada a relação dos trabalhos e o correspondente orçamento, para a instalação de um equipamento de suspensão para a ponte levadiça, documentos executados pelo major do Corpo de engenheiros, José da Silva Carvalho, e pelo capitão comandante interino do Material de Artilharia, Alexandre José de Barros.[4] Em Dezembro de 1883, o jornal O Liberal alertou para as avançadas condições de degradação em que se encontravam os alicerces da fortaleza, devido aos efeitos das ondas, tendo criticado a falta de obras de reparação, ainda mais que era então o único forte armado na cidade.[13]
Séculos XX e XXI
No século XX, o forte foi alvo de várias campanhas de obras, que levaram a grandes alterações na sua estrutura.[1] Uma das maiores intervenções foi iniciada em 1956, quando foi instalado um Centro Náutico da Mocidade Portuguesa, tendo sido reforçada a estrutura e profundamente modificado o interior, de forma a permitir a instalação de salas de ensino, arrecadações e outras funções.[1] O programa incluiu, entre outras obras, trabalhos de conservação na capela, eliminação de duas aberturas e obras de reparação da muralha, remoção de várias paredes no interior, construção de instalações sanitárias, fornecimento de electricidade, instalação de um monta-cargas para barcos no terraço, reconstrução dos pavimentos nos espaços interiores e exteriores e a construção de quatro guaritas em cantaria, uma em cada cunhal.[4] Foram criadas novas salas no interior, incluindo lavabos, arrecadações para material náutico, e uma sala de instrução e outra de estar.[4] As obras continuaram no ano seguinte, tendo sido feitos vários acabamentos e pavimentos, e continuada a instalação das redes de esgotos e fornecimento de água e electricidade.[4] Em 1960, foi instalado um pavimento de lajedo de pedra no pátio, aplicada cantaria nos muros, construído o fosso e a ponte levadiça, e montado um farolim na doca anexa ao forte.[4] Em 1970 foram executadas várias obras de manutenção, incluindo reconstrução de rebocos, substituição dos equipamentos sanitários e pintura de portas e da ponte levadiça, e no ano seguinte continuaram os trabalhos de reparação, tanto no interior como nas muralhas.[4]
Nos finais da década de 1970, o forte foi vendido pelo Ministério do Exército à Câmara Municipal de Lagos, que sediou no seu interior o Centro de Estudos Marítimos e Arqueológicos de Lagos.[4] Posteriormente, várias salas foram aproveitadas para exposições temporárias,[1] e para um pólo museológico relativo aos Descobrimentos Portugueses,[2] e em 1994 foi instalado um restaurante.[4] Em 1996[4] e de 2002 a 2003[7] foram feitas novas obras de remodelação, tendo a intervenção de 1996 incluído a substituição de uma gárgula em pedra.[4] Na cobertura do forte foi organizada uma exposição permanente de escultura, com as obras do artista lacobrigense José Maria Pereira.[2] Em 19 de Fevereiro de 2002, o Forte da Ponta da Bandeira foi classificado como Imóvel de Interesse Público.[5] Em 30 de Maio de 2019, o Dia do Consulado Alemão em Lagos foi celebrado no Forte da Ponte da Bandeira.[14] Nos anos que antecederam a Pandemia de Covid-19, chegou a ser o segundo monumento mais visitado em Lagos, com cerca de quarenta mil visitantes por ano.[6]
Em Outubro de 2022, o Museu Municipal de Lagos estava a planear o desenvolvimento do Forte da Ponta da Bandeira do ponto de vista museológico, tendo a coordenadora geral do museu, Elena Móran, expicado que o monumento «hoje não passa de um miradouro e, no entanto, podia explicar a história das fortificações costeiras e da economia ligada ao mar».[15] Em 2022 foi encerrado ao público.[6] Num artigo publicado em 21 de Junho de 2023 no jornal Correio de Lagos, o engenheiro Carlos Medina Ribeiro criticou a forma como a fortaleza se encontrava encerrada ao público, e alertou para a existência de graves problemas de conservação, principalmente na muralha voltada para o oceano e no pontão que lhe ficava adossado, que estavam a ameaçar ruína.[16] Entrevistada pela SIC Notícias em Janeiro de 2024, a arqueóloga Elena Morán explicou que «O forte está muito exposto a toda a erosão do vento e do mar e requer de manutenções continuadas. Essas obras de manutenção aconteceram pela última vez entre 2002 e 2003 exatamente em todo o piso superior».[6] Acrescentou que «o que está previsto é requalificar este edifício para o adaptar a um núcleo museológico do museu de Lagos que terá como tema "Lagos e o mar" e que nos vai permitir abordar vários aspetos para além da praça de guerra de Lagos e da importância da defesa da costa na jurisdição desta praça, que abrangia desde Aljezur até Portimão. E nomeadamente, todo o uso das armações de pesca, das pescas artesanais e, mais recentemente, das indústrias conserveiras».[6] Segundo a agência noticiosa, a Câmara Municipal de Lagos estava a planear a elaboração de um estudo para analisar o monumento e os seus problemas estruturais, programa que estava inserido no Plano Regional de Intervenções Prioritárias do Algarve.[6]
↑ abcPORTUGAL. Decreto n.º 5/2002, de 19 de Fevereiro. Ministério da Cultura, Publicado no Diário do Governo n.º 42, Série I-B, de 19 de Fevereiro de 2002].
↑RIBEIRO, Carlos Medina (21 de Junho de 2023). «Luminárias lacobrigenses». Correio de Lagos. Ano XXXII (390). Lagos. p. 34
Bibliografia
COUTINHO, Valdemar (2008). Lagos e o Mar Através dos Tempos. Lagos: Câmara Municipal de Lagos. 95 páginas
FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana (2005). Arquitectura no Algarve(PDF). Dos Primórdios à Actualidade, Uma Leitura de Síntese. Faro: Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve. 155 páginas. ISBN972-643-138-7. Consultado em 25 de Outubro de 2019