Fraude do Enem de 2009

Alunos do Rio de Janeiro protestam após a fraude do ENEM.
(Gabriel de Paiva/Ag. O Globo)

A fraude do Enem de 2009 é como ficou conhecida a crise no Exame Nacional do Ensino Médio, teste feito no Brasil para todos os estudantes do nível secundário e conhecido pelo acrônimo Enem, com fins de seleção para várias universidades, bem como para avaliar o nível de qualidade das instituições educacionais desse nível, provocada pelo furto da prova na Plural Editora e Gráfica, que havia sido contratada para a impressão, e que provocou a anulação dos testes e sua intempestiva renovação, com descrédito para os órgãos do governo Lula responsáveis por sua realização: o Ministério da Educação e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A fraude e fragilidade no processo foram reveladas pelo jornal O Estado de S. Paulo (Estadão).

Histórico

Em 30 de setembro de 2009, a jornalista Renata Cafardo, então funcionária do "Estadão", recebeu um telefonema oferecendo a venda de uma prova do ENEM, que seria aplicado em menos de uma semana. Renata se encontrou com os desconhecidos que ofereciam a prova e folheou o documento, gravando o encontro em áudio. Pouco depois, entrou em contato com o Ministério da Educação para confirmar a veracidade das questões que conseguiu memorizar.[1][2]

No dia 1 de outubro, o Ministério da Educação anunciou a suspensão das provas do Enem, sob a suspeita de fraude, após haver sido contactada pela redação do jornal paulista, com informações sobre o conteúdo das questões a serem aplicadas no Exame.[3]

Num primeiro momento, o diretor do Inep, Reynaldo Fernandes, declarou que a suspensão ocorria por haver "99% de chance" de que o vazamento da prova ocorrera. Segundo o jornal, a redação havia sido procurada no dia 30 de setembro de 2009 oferecendo as cópias das duas provas do Exame. Já na manhã do dia 1º o Ministro Fernando Haddad foi à televisão anunciar o "adiamento das provas"[3]

Falha da segurança

O Inep havia contratado um consórcio chamado Conasel, formado pelas empresas Funrio, Cetro e Consultec. O furto das provas ocorreu nas dependências da gráfica contratada pelo consórcio, a Plural.[4]

O vazamento das provas, dois dias antes de sua realização em 3 de outubro, teve como consequência o adiamento do exame para os dias 5 e 6 de dezembro, o que afetou diretamente os cerca de 4.1 milhões de candidatos inscritos em 2009.[5][6] Ainda em outubro, a Polícia Federal concluiu o inquérito que investigava o furto. Foram indiciados Felipe Pradella, Marcelo Sena e Felipe Ribeiro, três funcionários da Cetro — uma das integrantes do Connasel, consórcio formado também pelas empresas Consultec e FunRio e responsável pela distribuição dos exames.[6] O trio tinha livre acesso à Plural, onde em setembro daquele ano se apossaram dos cadernos recém-impressos com a intenção de vendê-los a terceiros.[7]

A partir das investigações, foi descoberto que o manuseio impróprio das provas teria ocorrido devido à problemas de logística. Mudanças nos locais de prova em São Paulo fizeram com que a Connasel abrisse uma sala na Plural para a remontagem improvisada dos pacotes de impressos.[6] Seria nesse local, sem a segurança devidamente checada ou aprovada por técnicos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que os exames teriam sido obtidos ilegalmente.[8]

Segundo apurou a investigação da Polícia Federal a segurança na gráfica era "coisa de amador" e até para funcionários do Ministério foi algo "mambembe". Diante disto o governo procurou reforçar a segurança, na aplicação das novas provas nos dias 4 e 5 de dezembro.[9]

A investigação mostrou que o furto ocorrera na área reservada da gráfica, onde uma das empresas do consórcio, a Cetro, havia pedido de última hora para ali organizar as caixas contendo as provas, cuja distribuição estava atrasada. Ali, os funcionários Felipe Pradella, Felipe Ribeiro e Marcelo Sena furtaram, em dois dias, as duas provas do exame, sem que ninguém percebesse; Pradella declarou em seu depoimento que a segurança do Enem era "uma festa".[9]

O Ministério Público Federal indiciou os três acusados, além de um DJ e um empresário que teriam agido como intermediários na tentativa de venda da prova, pelos crimes de peculato (furto praticado por servidor público), corrupção passiva (exigir vantagem indevida) e violação de sigilo funcional. A Plural, no entanto, não constou como no processo.[10] A Justiça Federal aceitou as denúncias, rejeitando, porém, a acusação de peculato.[11]

Após a fraude, foi contratado, em regime de urgência (que permite a supressão de etapas licitatórias), o consórcio Cespe/Cesgranrio para aplicar o Exame neste ano.

As novas datas coincidiram com diversos exames de vestibular; algumas universidades que adotavam o Enem como forma de ingresso de novos alunos adiaram suas provas, enquanto outras simplesmente desistiram do exame.[9]

Havia 4 milhões e 100 mil alunos inscritos no Enem de 2009,[9] e a fraude provocou uma abstenção de 40% no comparecimento.[12]

Consequências

O diretor do Inep, Reynaldo Fernandes, foi demitido um mês após a realização das novas provas; voltou a lecionar na Universidade de São Paulo e, em maio de 2010, foi nomeado para um novo cargo no governo Lula, como membro do Conselho Nacional de Educação.[4]

As instituições de educação que formam o consórcio Cespe/Cesgranrio continuaram responsáveis pela realização do Enem de 2010.[4]

Em 2011, dois ex-diretores do INEP foram condenados ao pagamento de multa. Heliton Ribeiro Tavares foi condenado ao pagamento de R$ 5 mil e Dorivan Ferreira Gomes teve uma pena menor, de R$ 3 mil.[13]

Ver também

Referências

  1. Belém, Euler de França (11 de novembro de 2017). «Mais atenta que os colegas, a repórter Renata Cafardo descobriu e denunciou o roubo das provas do Enem». Jornal Opção. Consultado em 22 de maio de 2023 
  2. Cafardo, Renata (2017). O roubo do ENEM: A história por trás do vazamento da principal prova do país 1 ed. [S.l.]: Record 
  3. a b Redação Uol (1 de outubro de 2009). «MEC cancela Enem por suspeita de fraude e estuda remarcar prova em 45 dias». Uol Educação. Consultado em 10 de novembro de 2010 
  4. a b c Agência Brasil (1 de outubro de 2010). «"Foi chocante", lembra ex-presidente do Inep sobre roubo do Enem». Último Segundo IG. Consultado em 10 de novembro de 2010. Arquivado do original em 3 de março de 2016 
  5. «Gráfica nega que investigado por vazar Enem seja seu funcionário». Folha de S. Paulo. 4 de outubro de 2009. Consultado em 19 de dezembro de 2021 
  6. a b c "Consórcio mudou logística do Enem" - O Estado de S.Paulo
  7. "PF indicia mais dois e encerra inquérito sobre Enem" - O Estado de S.Paulo
  8. "Consórcio pediu emprestado o espaço onde Enem foi furtado, diz gráfica" - G1
  9. a b c d Laura Diniz, Renata Betti (14 de outubro de 2009). «Segunda chamada para o Enem». Revista Veja, Edição 2134, pág. 120. Consultado em 10 de novembro de 2010. Arquivado do original em 16 de dezembro de 2013 
  10. "Gráfica Plural afirma que preencheu requisitos de segurança para imprimir Enem" - O Globo
  11. "Justiça ouve testemunhas no caso Enem" - O Estado de S.Paulo
  12. Simone Iglesias (10 de novembro de 2010). «Lula diz que, se necessário, governo fará nova prova do Enem». Folha de S.Paulo. Consultado em 10 de novembro de 2010 
  13. Sobre Enem (20 de fevereiro de 2011). «Multa a ex-diretores do Inep pelo vazamento do Enem 2009». Sobre Enem. Consultado em 6 de julho de 2011 

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