A censura oficial a filmes, peças teatrais, discos de música, apresentações de grupos musicais, produções culturais, cartazes e espetáculos públicos em geral se dá destacadamente três anos após o golpe de 1964, com a Constituição outorgada de 1967, exercida pelo Ministério da Justiça (MJ) por meio do Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), setor do Departamento de Censura de Diversões Públicas (DCDP).[5] Livros e revistas passaram a ser examinados de maneira mais consistente pelo SCDP-DCDP a partir de 1970, data do Decreto-Lei n.1077/70 que regulamentou a censura a livros e revistas, durante o governo Médici (1969-1974), conhecido na historiografia nacional como "Anos de Chumbo" (1968-1972), quando a repressão do governo militar se acirrou.[5] No entanto, dados, registros e documentos do DCDP indicam que a censura a livros durante a ditadura militar teve atuação mais forte não nos chamados Anos de Chumbo, mas sim durante o governo Geisel (março de 1974 a março de 1979), justamente aquele que, apesar dos momentos de retrocesso, ficou conhecido por ter iniciado o processo de lenta e gradual abertura política.[6] Ou seja, paradoxalmente, quando a maioria dos jornais e revistas era liberada da presença da censura prévia nas redações, a censura a livros por parte do DCDP foi maior,[6] por uma série de razões, sobretudo de ordem de intolerância moral e sexual, e por outras hipóteses levantadas por diversos jornalistas, estudiosos e historiadores, que este verbete tratará adiante.
Assim, o fim da censura no Brasil ocorre de maneira gradual. Em 1985, Fernando Lyra, Ministro da Justiça do governo de José Sarney, embora preservando a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), anuncia publicamente o fim da censura política.[1] Seu sucessor no ministério, o senador Paulo Brossard, é quem começa a desmontar de fato a estrutura institucional da censura em 1987, ainda que se mantivessem estruturas censoras em casos muito raros e praticamente inócuos ligados à "moral" e à "pornografia".[1] Finalmente, a Constituição de 1988, que marca a redemocratização, extingue legalmente e de vez a censura no Brasil.[1]
Em maio de 1965, a prisão de Ênio Silveira provoca indignação pública nos meios politizados e cultos, fazendo com que cerca de mil pessoas ligadas ao universo da cultura assinassem um manifesto denunciatório e contrário à prisão.[5] O então presidente militar indireto Castelo Branco envia para Ernesto Geisel, então chefe de Gabinete Militar, a seguinte correspondência: "Por que a prisão do Ênio? Só para depor? A repercussão é contrária a nós [...]. Apreensão de livros. Nunca se fez isso no Brasil. Só de alguns (alguns!) livros imorais. Os resultados são os piores possíveis contra nós. É mesmo um terror cultural."[9][10]
É na Constituição outorgada de 1967 que se oficializa a centralização da censura como atividade do governo federal, em Brasília, ou seja, não mais subordinada apenas em determinadas regiões mais reacionárias e repressivas.[11] Assim, quando o Ato Institucional número 5 foi decreto em 196 as ações censórias já estavam centralizadas na capital federal.
Antes da decretação do AI-5, ocorrem no Rio de Janeiro duas grandes manifestações públicas contra as arbitrariedades e ilegitimidades do regime militar: a manifestação Cultura Contra Censura, em fevereiro de 1968, que reúne membros da classe teatral contra a proibição da encenação de oito peças,[14] e, meses mais tarde, a famosa, significativa e volumosa Passeata dos Cem Mil, em 26 de junho de 1968.[15]
Em 13 de dezembro de 1968, é editado o AI-5 por Costa e Silva, numa sexta-feira, em nome da "autêntica ordem democrática [...] (e) no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo".[11] Com ele, se tornou possível cassar mandatos, suspender direitos políticos e garantias individuais, o que criou as condições para a censura à divulgação da informação, à manifestação de opiniões e de liberdade de expressão e às produções culturais, jornalísticas, políticas e artísticas.[11] Inicia-se o período chamado na historiografia de "Anos de Chumbo".
A censura prévia para livros foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.1.077/70, cujos artigos 1º e 2º expõem o seguinte:
"Art. 1º Não serão toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes quaisquer que sejam os meios de comunicação;
"Art. 2º Caberá ao Ministério da Justiça, através do Departamento de Polícia Federal verificar, quando julgar necessário, antes da divulgação de livros e periódicos, a existência de matéria infringente da proibição enunciada no artigo anterior."[16]
Depois de anunciar o que deveria ser censurado, o decreto versa sobre as sanções:
"Art. 3º Verificada a existência de matéria ofensiva à moral e aos bons costumes, o Ministro da Justiça proibirá a divulgação da publicação e determinará a busca e a apreensão de todos os seus exemplares. [...]
"Art. 5º A distribuição, venda ou exposição de livros e periódicos que não hajam sido liberados ou que tenham sido proibidos, após a verificação prevista neste Decreto-lei, sujeita os infratores, independentemente da responsabilidade criminal."[16]
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