Os vazamentos de óleo no litoral norte de São Paulo possuem registros catalogados desde a década de 1970 e são recorrentes até os dias atuais. Seus impactos diretos abrangem principalmente os municípios litorâneos de São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba e Ubatuba, apesar de não se restringirem apenas a eles. Suas causas estão primariamente associadas com a movimentação de petróleo e derivados por meio de dutos que chegam até a cidade de São Sebastião e devido a grande operação de cargueiros no Terminal Almirante Barroso (Tebar), nesse mesmo município.[1]
O Tebar está localizado no Canal de São Sebastião. O Canal possui cerca de 25 km de comprimento, de 2 a 6 km de largura e profundidade de 20 a 25 metros na sua entrada e mais de 40 metros na parte centro, tornando-o adequado para cargueiros de até 300 mil toneladas. Neste local ocorreram diversos acidentes com liberação de óleo ao mar desde o início de sua operação em 1967. A circulação de corrente impulsionada pelo vento é intensa, chegando a média de 0,4 metros por segundo e dificultando a contenção de derramamentos de óleo e derivados, mesmo por meio de barreiras.[2]
Estudos estimam que entre o ano de 1974 e 1996, cerca de 84 praias foram afetadas pelos derramamentos de óleo na região do litoral norte paulista.[1] Outra análise histórica informa que entre os anos de 1974 e 2000 ocorreram cerca de 232 ocorrências de vazamento de óleo na região.[3]
Existem registros de pequenos vazamento ocorridos desde o ano 1955 no porto de São Sebastião, durante as atividades de transbordo de petróleo entre navios (conhecido como ship to ship). Tal atividade propicia que o óleo seja transferido para navios menores e que possuem condição adequada de calado para entrar no Porto de Santos.[4]
Este artigo apresenta um histórico dos principais vazamentos ocorridos na região.
Anos 1970
O primeiro grande acidente conhecido em relação a vazamento de óleo no litoral norte foi a colisão do navio petroleiro Takimyia Maru, o qual colidiu com uma rocha submersa no canal de São Sebastião em 1974, levando ao vazamento de mais de 6 mil m³ de óleo no mar.[4]
Após este evento, foi criado o CODEL (Comitê de de Defesa do Litoral Paulista), composto por dez instituições como a CETESB, Petrobras, Capitania dos Portos do Brasil, Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, entre outros. O intuito era de coordenar as ações de resposta e mitigação devido a derramamento de óleo no mar. As áreas atingidas pelo vazamento foram 8 praias e 1 ilha entre Ubatuba e sul do Estado do Rio de Janeiro.[4]
Anos 1980
Em novembro 1983, um acidente de navegação envolvendo as embarcações Carmópolis e a Arabean provocou o vazamento de cerca de 300 m³ de óleo que se espalharam do interior do canal de São Sebastião até as imediações de Ubatuba. Estima-se que a extensão da mancha principal atingiu até 8 km de comprimento, sem no entanto atingir nenhuma praia, em decorrência dos fortes ventos.[4]
Em 14 de outubro de 1983, um rompimento do oleoduto, chamado de OSBAT, que interliga a Refinaria Presidente Bernardes (RPBC) com o Tebar provocou vazamento de cerca de 2,5 mil m³ de óleo poluindo mangues, praias e costões do Canal de Bertioga, através do rio Iriri.[1] Este se configurou, até aquela data, como o maior derramamento já verificado no litoral do país, atingindo uma superfície de 100 km² de zona costeira ocupada por extensas áreas de manguezal. Áreas de Preservação Ambiental Permanente foram impactados pelo derramamento, de modo que ele originou o primeiro processo judicial brasileiro por danos ambientais.[5]
No dia 4 de junho de 1984, o transbordamento de um dique de contenção do Terminal Almirante Barroso, acidente denominado Tebar II pela Cetesb, provocou o derramamento de 5 m³ de petróleo no Córrego do Outeiro, o qual passa pelo centro de São Sebastião e desagua no mar. Ocorreu posteriormente um incêndio de grandes proporções que gerou pânico aos moradores, fuga da população e uma fatalidade por problemas cardíacos. No incêndio foram formadas labaredas de dez metros de altura e colunas de fumaça que percorreram todo o córrego. Estabelecimentos próximos do acidente foram esvaziados pelo medo do fogo se espalhar. As chamas foram combatidas pelos caminhões da brigada de Incêndio da Petrobras e caminhões-pipa da prefeitura da cidade e da Sabesp, uma vez que não havia unidade de Corpo de Bombeiros na região.[4][6]
Em março de 1985, a embarcação de nome Marina colidiu com o píer do terminal no Canal de São Sebastião, provocando vazamento de 2,5 mil m³ de óleo, afetando praias e costões.[1] As manchas de óleo se deslocaram do interior do canal de São Sebastião até imediações de Ubatuba, incluindo suas ilhas. As áreas atingidas pelo vazamento de óleo foram 25 praias e 2 ilhas do litoral norte, centros de pesquisa, áreas de fundeio e unidades de conservação. Os impactos socioeconômicos foram presentes na atividade de maricultura, estabelecimentos náuticos e comerciais.[4]
No mês de maio de 1988, um novo vazamento do oleoduto OSBAT, acidente denominado Tebar III pela Cetesb, provocou derramamento de cerca de mil m³ de óleo no mar em São Sebastião. Os impactos do vazamento chegaram a atingir 10 praias e uma ilha entre São Sebastião, Ilhabela e Ubatuba, além de provocar consequências para unidades de conservação, áreas de fundeio e impactos socioeconômicos para a pesca, estabelecimentos náuticos e comerciais.[4]
No dia 3 de fevereiro de 1989, ocorreu o primeiro acidente daquele ano no Tebar. Cerca de 150 m³ de óleo foram derramados durante operação de bombeamento com o petroleiro Japurá, quando o braço de carregamento arrebentou no píer do terminal. O petróleo vazado era do tipo shengli, proveniente da China. A mancha de óleo se dividiu em três partes devido aos fortes ventos, ficando concentrado entre a ponta de Ilhabela e o distrito de São Francisco da Praia. Foram instalados dois conjuntos de barreiras para impedir a passagem de óleo em direção à areia das praias e utilizado o equipamento Egmopol, que succiona o óleo da superfície do mar, pelas equipes da Petrobras, Capitania dos Portos e Cetesb durante a resposta à emergência.[7][8]
Em agosto de 1989, mais uma ruptura no oleoduto OSBAT, acidente denominado Tebar IV pela Cetesb, provocou vazamento de cerca de 350 m³ de óleo no mar em São Sebastião. O vazamento aconteceu próximo à região do Costão do Navio, entre as praias de Guaecá e Toque-Toque. Cerca de oito praias da cidade foram impactadas, assim como estabelecimentos comerciais e a atividade pesqueira da região. Os compostos aromáticos presentes no produto vazado foram percebidos de forma mais significativa na praia de Barequeçaba.[4] Os efeitos do vazamento foram identificados em amostras de água até três meses após o acidente e sete meses depois os sedimentos ainda se apresentavam contaminados com óleo nas praias de Cigarras e Barqueçaba, em São Sebastião, Indaiá (Caraguatatuba) e Ponta das Canas (Ilhabela).[9][4]
Anos 1990
No dia 26 de maio de 1991, cerca de 280 m³ de óleo vazaram após um acidente de navegação no Canal de São Sebastião envolvendo o navio grego Penelope,[10] atingindo 20 praias e uma ilha nas cidade de Ilhabela e São Sebastião. Foram evidenciadas também consequências para unidades de conservação, áreas de fundeio e impactos socioeconômicos para a pesca, estabelecimentos náuticos e comerciais. Após o evento, a Capitania dos Portos proibiu manobras de fundeio dos navios na área central do Canal de São Sebastião.[4] O óleo vazado era do tipo Bonito, com grau API próximo de 25,6 e classificado como leve.[9]
Já em 13 de agosto de 1991, um outro acidente envolvendo o navio grego Katina provocou a liberação de 60 m³ de óleo no mar, atingindo quatro praias em Ilhabela, unidades de conservação, áreas de fundeio e pesca. Após o acidente, os contratos envolvendo navios antigos foram suspensos pela Fronape/Petrobras.[4] O óleo vazado era do tipo Marlim, com grau API próximo de 19,6 e classificado como pesado. As atividades de limpeza se estenderam até o dia 23 de agosto daquele ano.[9]
Em maio de 1994, cerca de 2,7 milhões de litros vazam do oleoduto OSBAT, acidente nomeado Tebar V pela Cetesb, atingindo 35 praias (considerando também praias afetadas por óleo intemperizado na forma de pelotas e placas de piche) e 2 ilhas do litoral norte. Os impactos do acidente foram estendidos para áreas de pesca e estabelecimentos comerciais.[4] Cerca de 18 praias foram consideradas impróprias para banho, 14 em São Sebastião e 2 em Ilhabela, sendo que a praia mais impactada foi a de Barequeçaba, a qual recebeu mais de 600 m³ de todo o óleo vazado. O petróleo vazado era do tipo Sergipano Terra, óleo pesado de grau API próximo a 24,5.[9][11] O vazamento ocorreu nas imediações do Km 138 da Rodovia Rio-Santos e impactou também um córrego, a área do Parque Estadual Serra do Mar e a área de Proteção Especial do Costão do Navio. A Petrobras utilizou um produto canadense, chamado de Peat Sorb, para auxiliar a absorver o óleo derramado.[12] A estratégia utilizada pela CETESB para recuperação das áreas afetadas foi uma combinação de recolhimento manual criterioso, uso de absorventes naturais, bombeamento a vácuo, com o método de limpeza natural. Tal procedimento se mostrou eficiente na limpeza da praia de Barequeçaba, a qual foi recuperada esteticamente em uma semana, com danos adicionais pouco consideráveis em relação à comunidade biológica local.[11]
Em agosto de 1998, uma falha mecânica no casco do navio Maruim provocou a liberação de 15 m³ de óleo no mar. Ao todo 57 praias do litoral norte foram impactadas pelo acidente (considerando também praias afetadas por óleo intemperizado na forma de pelotas e placas de piche), assim como áreas de pescas e de fundeio. Além disso, existiram impactos para estabelecimentos comerciais na região.[4][10] Este foi considerado o maior desastre ambiental na cidade de Ilhabela que aconteceu na década de 1990. As prefeituras de Ilhabela e São Sebastião, além da Cetesb, aplicaram multas na faixa de R$ 834 mil para a Petrobras, operadora do Terminal Almirante Barroso onde o navio estava atracado.[13]
No dia 13 de abril de 1999, foi notado o vazamento de cerca de 4,5 m³ de óleo no mar em São Sebastião, proveniente do emissário submarino (ETE) ligado ao Tebar. A causa do acidente, denominado Tebar VI pela Cetesb, foi uma falha operacional em um flange do sistema, que provocou o retorno de óleo indevido pela linha do emissário submarino. O plano de resposta da emergência durou cinco dias e retirou cerca de 3 m³ de água oleosa do mar, além de 7,5 m³ de resíduos removidos de quatro praias de São Sebastião.[14]
Anos 2000
No dia 16 de março de 2000, ocorreu o vazamento de 7,5 m³ de óleo a partir do navio-tanque Mafra, no Terminal Almirante Barroso (Tebar) em São Sebastião. Nesta data, o acidente foi o pior observado no Terminal de petróleo desde o vazamento de 15 m³ pelo navio Maruim em 1998. A mancha de óleo atingiu cerca de 60 Km da costa de Ilhabela, atingindo 17 das suas 36 praias. A praia mais distante atingida pelo derramamento foi a de Bonete, no sul da ilha. O trabalho de limpeza, dificultado pela força dos ventos, envolveu mais de cem pessoas, sendo parte delas contratadas localmente nas áreas afetadas pela Petrobras. A Cetesb aplicou multa à empresa no valor de R$ 92 mil, sendo a 15ª já aplicada naquele momento ao Tebar desde o ano de 1994.[15]
Em novembro de 2000, o navio petroleiro Vergina II, procedente da Bacia de Campos, colidiu com o píer sul do Tebar durante manobra de atracação. No acidente, mais de 86 m³ de petróleo do tipo Albacora vazaram para o Canal de São Sebastião devido à ruptura de um dos tanques de carga do navio. Seis praias em São Sebastião e outras nove em Ilhabela foram impactadas pela liberação de óleo.[16] Após o acidente, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente aplicou pela primeira vez a lei de crimes ambientais e multou a Petrobras em R$7,1 milhões pelos danos causados. A Cetesb havia aplicado anteriormente uma multa de R$90 mil.[17]
Em junho de 2003, durante descarregamento de óleo do navio Nordic Marita no Tebar, uma abertura inadvertida das garras de conexão do terminal com a embarcação provocou a liberação de cerca de 25 m³ de petróleo no mar em São Sebastião. O evento aconteceu durante a transferência de petróleo do tipo Marlim-33. O plano de resposta à emergência durou por quatro dias, principalmente devido aos fortes ventos que dificultaram a contenção de óleo e sustentaram sua dispersão. No terceiro dia após o vazamento, uma lagoa costeira em Ubatuba foi atingida pela mancha de óleo.[18] O Ibama aplicou uma multa de R$500 mil à Transpetro, enquanto a Cetesb determinou multa de cerca de R$345 mil devido ao impactos do óleo nas praias e costões rochosos da região.[19][20] Em 2016, a empresa foi condenada pelo Superior Tribunal de Justiça a pagar R$ 300 mil pelos danos ambientais causados no acidente, incluindo danos morais coletivos, já que o vazamento impactou cerca de 120 Km do litoral norte paulista.[21]
No dia 18 de fevereiro de 2004, uma ruptura no oleoduto OSBAT próxima ao Morro do Outeiro (São Sebastião), provocou um vazamento de petróleo do tipo Marlim misturado com Roncador, o qual atingiu o rio Guaecá no mesmo município. Não se sabe ao certo o volume de óleo vazado, mas estima-se que foi superior a 260 m³.[9][22] A maior parte do óleo foi recuperado nas águas e margens do rio Guaecá, num trecho de quase oito Km, inclusive adentrando o Parque Estadual da Serra do Mar e afetando o bioma Mata Atlântica e matas ciliares. Após fortes chuvas, parte do óleo contido no rio transbordou pelas barreiras de contenção e atingiu o mar, na região da praia de Guaecá.[23] Por isso, esta praia foi considerada imprópria para banho pela Cetesb por diversos dias.[24] A operação de resposta a emergência envolveu esforços numerosos, contando com mais de 600 pessoas e atividades que duraram mais de um ano no total. A causa do acidente, identificada pela Transpetro (que opera o oleoduto), foi uma fenda longitudinal no duto. Nos primeiros dias após o acidente, centenas de animais foram encontrados mortos na região afetada pelo vazamento e, após um ano da sua ocorrência, ainda havia afloramento de óleo na calha do rio Guaecá. A Transpetro foi multada pelo município de São Sebastião em cerca de R$15 mil pelos danos causados no rio Guaecá, na praia de Guaecá e ecossistemas protegidos. Também, a CETESB determinou auto de infração no valor de cerca de R$125 mil, além de determinar a necessidade da empresa elaborar um relatório técnico trazendo informações sobre o evento acidental e as ações reparadoras tomadas.[22] Em 2017, o Ministério Público Federal entrou com ação civil pública pedindo que a Petrobras e a Transpetro paguem R$322,6 milhões como reparação pelos danos aos ecossistemas da região, além de determinar a elaboração de estudos detalhando as medidas de resposta tomadas e também pede que as empresas reestruturem seu plano de resposta a emergência.[25]
Anos 2010
Em 5 de abril de 2013, um vazamento de cerca de 3,5 m³ de óleo combustível marítimo (MF-320) ocorreu no sistema de oleoduto do Tebar a partir de escape inadvertido em uma válvula do sistema. Onze praias de São Sebastião e outras três em Caraguatatuba foram atingidas pela liberação do produto. Além disso, toneladas de peixes e mariscos morreram e praias da cidade de São Sebastião foram interditadas após o vazamento.[26] Por conta disso, a Transpetro foi multada em R$10 milhões pela Cetesb e mais R$50 mil pela prefeitura de São Sebastião. Foram utilizadas duas aeronaves, equipamentos de limpeza mecânica e mais de 300 pessoas para efetuar a limpeza do óleo derramado. Segundo a Transpetro, a causa do acidente foi relacionada a falhas no processo de inspeção de equipamentos no píer do Terminal, especificamente em uma tubulação que se encontrava em manutenção e não teve as verificações de seguranças necessárias para manter a condição segura do sistema.[27] Em 2016, o Ministério Público Federal e o Ministério Público de São Paulo entraram com uma ação civil pública contra a Petrobras e Transpetro pedindo indenizações de R$ 16 milhões para reparar danos materiais e coletivos, além de ressarcimento de pescadores e maricultores impactados pelo incidente.[28] Em maio de 2019, a Transpetro foi condenada pela 1ª Vara Federal de Caraguatatuba a pagar R$ 2 milhões, custear projetos ambientais, obras de recuperação das áreas degradadas e manutenção de espaço público. Três funcionários da empresa que tinham sido acusados inicialmente como responsáveis pelo acidente, tiveram sua pena extinta.[29]