Misticismo quântico é um conjunto de crenças metafísicas pseudocientíficas e práticas charlatãs[1] associadas.[2] Essas crenças tentam relacionar consciência, inteligência e visões de mundo místicas e religiosas com os princípios da mecânica quântica e suas interpretações.[3][4][5][6][7][8] O misticismo quântico é um exemplo de mau uso dos conceitos científicos por fazer interpretações distorcidas e equivocadas da mecânica quântica, por isso que é considerado por cientistas, filósofos e uma parte da sociedade como uma pseudociência.[9][10][11]
A mecânica quântica e suas diversas interpretações
O desenvolvimento da mecânica quântica ao longo do século XX fomentou muitos debates relacionados às diversas interpretações dos seus princípios,[12] como o da dualidade onda-corpúsculo e o efeito do observador. No meio acadêmico, interpretações vão das mais tradicionais, como a de Copenhagen, até aquelas que propõem múltiplos universos. Entretanto, surgiram paralelas ao meio interpretações de teor altamente esotérico, as quais tentavam unir campos como o da física o da espiritualidade através da mecânica quântica, que seriam posteriormente classificadas como "misticismo quântico".
A interpretação de Wigner
Em 1961, o físico Eugene Wigner propôs em seu artigo Remarks on the mind-body question ("Observações na questão mente-corpo") uma relação entre o observador consciente e fenômenos da mecânica quântica,[13][14] que se tornaria parte da Interpretação de von Neumann-Wigner. Embora fossem posteriormente servir de inspiração para outras mais esotéricas, as ideias de Wigner eram de caráter primordialmente filosófico, não sendo consideradas como "no mesmo espírito" que o misticismo daquelas que inspiraria.[15] Ao final da década de 1970, Wigner já havia reconsiderado sua posição, e rejeitava o papel da consciência na mecânica quântica.[16]
Apropriação pelo Movimento New Age (Nova Era)
Na década de 1970, a cultura New age ("Nova Era") começou a incorporar ideias da mecânica quântica, uma tendência que se iniciou com livros como os de Arthur Koestler, Lawrence LeShan, entre outros que propunham que a área poderia explicar fenômenos da parapsicologia.[14] Na mesma década, o Fundamental Fysiks Group ("Grupo de 'Fysika' Fundamental") emergiu como uma associação de físicos adeptos ao misticismo quântico e praticantes da parapsicologia, meditação transcendental e outras práticas místicas orientais. Inspirado em parte pela interpretação de Wigner, Fritjof Capra, um dos membros do grupo, escreveu o livro O Tao da Física, que popularizaria as místicas visões da Nova Era com relação à física quântica entre o público não-científico.[15] O Fundamental Fysiks Group é visto como um dos agentes responsáveis pela "enorme quantidade de balela pseudocientífica" envolvendo a mecânica quântica.[17]
Autoajuda, saúde e o misticismo quântico na atualidade
O misticismo quântico foi trazido à tona mais uma vez na atualidade através de obras literárias de autoajuda. Um dos exemplos mais proeminentes mundialmente é o livro O Segredo, escrito por Rhonda Byrne, um best-seller mundial cuja principal ideia é baseada na Lei da Atração, segundo a qual nossos pensamentos se manifestam na realidade: pensar positivo trará coisas positivas a nossa vida e vice-versa. A autora alude à física quântica[18] como um fundamento científico à Lei da Atração, mas não há, na realidade, quaisquer evidências científicas que apoiem a ideia e, consequentemente, pela sua comum mas falsa associação com conceitos científicos, a Lei da Atração é considerada uma pseudociência.
Outros famosos autores de livros de autoajuda que apelam ao misticismo quântico para dar crédito a suas ideias são o Amit Goswami e o Deepak Chopra.[19] O primeiro viria a criar cursos de "ativismo quântico"[20] nos quais propaga o misticismo relacionado à área. Já o segundo, em suas obras, propõe a "cura quântica", a qual ele afirma (erroneamente[21]) ser baseada nos mesmos conceitos que a mecânica quântica e que pode curar qualquer coisa doença, inclusive o câncer, e até mesmo o envelhecimento. Afirmações como essas, não incomuns na perigosa interseção entre as áreas do misticismo quântico e da saúde, geram críticas por parte de membros da comunidade científica, sobretudo médicos e físicos, mas também de céticos preocupados, a autores como eles.
No Brasil, essas críticas se estendem ao recente fenômeno do "coaching quântico",[19] um dos principais meios pelo qual o misticismo quântico se alastra hoje no país. Livros brasileiros de autoajuda como o DNA Milionário, escrito pela "coach quântica" Elainne Ourives, aluna de um dos cursos de Goswami, prometem ensinar como "reprogramar sua mente e código genético, e 'cocriar' sua realidade" através dos alegados ensinamentos da mecânica quântica.[22] A autora e os outros "coaches quânticos" são criticados não apenas por charlatanismo, mas porque, assim como os de Deepak Chopra, seus "ensinamentos" relacionados à saúde podem ser considerados perigosos e até criminosos. A atuação indevida de profissionais do coaching em outras áreas fora das suas competências, como psicologia,[23] causou uma repercussão nacional tamanha que a proposta de criminalizar a prática no país se tornou oficialmente uma sugestão legislativa após conseguir mais de 20 mil assinaturas no site e-cidadania.[24][25]
"Frequências vibracionais"
Um dos conceitos mais conhecidos atualmente baseados no misticismo quântico é o das "frequências vibracionais", inventado por David. R Hawkins, que relacionou sentimentos, comportamentos e "visões de vida" a "frequências" em seu livro Poder Vs. Força,[26] as quais mediu através de uma técnica pseudocientífica[27] chamada cinesiologia aplicada. Sentimentos positivos eram atribuídos por ele "frequências" e "níveis de consciência" mais altos e vice-versa. Embora Rhonda Byrne em O Segredo[28][29] e entusiastas da Lei da Atração associem as vagas "frequências vibracionais" de Hawkins e sua relação com os nossos sentimentos àquelas de partículas subatômicas para dar uma base científica às ideias, não há qualquer ligação entre os dois conceitos.
Misticismo quântico e a pandemia do SARS-CoV-2
O misticismo quântico deu base a medicamentos e tratamentos ineficazes contra o vírus,[30] justificou descaso com relação às medidas de segurança e menosprezou a gravidade dele durante a pandemia. Em 2020, duas mulheres estadunidenses afirmaram "não terem a frequência vibracional para contrair o vírus" e que, por isso, não precisavam de máscaras.[31] No Brasil, circularam textos em sites afirmando que o vírus "tem uma vibração de 5,5 Hz e morre acima de 25,5 Hz" e que "para seres humanos com vibrações mais altas, o vírus é uma gripe simples", o que não é verdade, não havendo qualquer relação entre as inexistentes "frequências vibracionais" e o vírus.[32]
Referências
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Bibliografia
Ligações externas