Leonor da Fonseca Pimentel, conhecida em Itália como Eleonora de Fonseca Pimentel, (Roma, 13 de janeiro de 1752 - Nápoles, 20 de agosto de 1799) foi uma pedagoga, jornalista, tradutora, poetisa, bióloga e revolucionária jacobina de origem portuguesa, que ficou conhecida como "La Portoghesina di Napoli" ("A Portuguesa de Nápoles")
Foi uma das principais pioneiras do jornalismo político na Europa, ficando também na História por ter defendido os ideais liberais que conduziram à Revolução Jacobina de Nápoles (1797) e à instauração da República Napolitana (1799). Nesse mesmo ano, foi acusada de crime contra o Estado e enforcada na Praça do Mercado de Nápoles.
Apesar de viver longe das suas raízes, Leonor da Fonseca Pimentel, considerava-se "filha de Portugal", e sempre cultivou a língua portuguesa e as suas amizades mantendo correspondência com intelectuais portugueses, como D. Leonor de Almeida Portugal, Marquesa de Alorna [5], e outras figuras proeminentes no estrangeiro, como Voltaire[4].
Em 1771, após a morte de sua mãe, Leonor ficou noiva de Miguel Lopez, seu primo em primeiro grau, contudo cinco anos depois, o noivado foi rompido. Seu pai, Clemente da Fonseca Pimentel, arranjou-lhe então como novo pretendente o tenente do Exército Napolitano, Pasquale Tria de Solis, com o qual se casou em 1778, na igreja de Sant'Anna di Palazzo. Em Outubro desse mesmo ano, deu à luz um filho, de nome Francesco, contudo, a criança viria a falecer com apenas oito meses de idade. Em sua memória, Leonor escreveu cinco sonetos.[3] Vitima de maus tratos por parte do seu marido, perderia, nos seguinte anos, mais duas crianças durante a gravidez.
Seis anos depois, vendo a contínua progressão da violência doméstica sofrida pela sua filha, Clemente da Fonseca Pimentel levou o caso ao Tribunal de Nápoles, que tomou uma decisão favorável a seu favor e retirou a autoridade de Solis sobre Leonor, deixando-a regressar a casa de seus pais. Um ano depois, após a morte de seu pai, Leonor da Fonseca Pimentel encontrava-se sozinha e com dificuldades financeiras, levando-a a pedir uma pequena pensão de doze ducados por mês, numa audiência ao rei, o qual a garantiu pelos seus méritos literários e trabalho realizado na biblioteca do reino. Como forma de agradecimento ao rei Fernando IV de Bourbon, escreveu um soneto no qual enaltecia as suas qualidades como regente da comunidade de San Leucio. Começou então a escrever sonetos, cantatas e outras composições literárias para vários eventos e ocasiões, encomendados pelas mais altas figuras da corte napolitana, de modo a conseguir sustentar-se.[6]
Em 1780, tornou-se membro da Academia Real de Ciências e Belas Artes e participou nos salões literários e maçónicos das princesas Marianna Faraja de San Marzano e Giulia Carafa de Traetto di Minervino.
Período Revolucionário
Com a chegada da notícia dos desenvolvimentos da Revolução Francesa e, em particular, da morte de Marie Antoinette, o elo forte que existia entre Leonor e a rainha Maria Carolina é interrompido drasticamente. Sentindo-se traída pelos círculos mais próximos, que tinham trabalhado com ela por uma monarquia moderna e agora defendiam os ideais republicanos, a rainha considerava os jacobinos não só responsáveis pela morte da sua irmã, como também "personas non gratas" e um risco para a sua própria sobrevivência.[7]
Encontrando-se bastante desiludida com o actual regime monárquico e constatando as mudanças que ocorriam em França, através de cartas, notícias e relatos de conhecidos que haviam presenciado ou até participado na revolução, Leonor da Fonseca Pimentel torna-se apoiante do movimento Jacobino e adopta os seus ideais revolucionários e republicanos. Segundo a própria, os princípios da "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" deveriam ser divulgados, de forma a quebrar as barreiras conservadoras das classes sociais, e proporcionar uma melhoria nas condições de vida do povo, não só em França como além fronteiras, nomeadamente em Nápoles, onde residia. Durante este período, correspondeu e conviveu com diversas figuras proeminentes da época, tais como o almirante francês Latouche Tréville, [8] ou os políticos e revolucionários italianos Carlo Lauberg e Emmanuele De Deo, passando então a ser vigiada pelas autoridades locais.
Durante um jantar, a 6 de Dezembro de 1793, Emmanuele De Deo, com apenas 21 anos, fez um discurso onde ameaçou o rei Fernando IV, apontando uma faca à efígie real. Por este acto, foi aberta uma inquisição e em 9 de maio de 1794, De Deo foi encarcerado juntamente com outras pessoas consideradas suspeitas de pertencerem ao movimento Jacobino.[9] Consequentemente, Leonor da Fonseca Pimentel, foi adicionada à lista de "infractores do Estado" e, nos anos seguintes, foi submetida a constantes buscas domiciliares, retirada do subsídio mensal dado pelo rei e encarcerada em 1798, sem uma acusação formalmente feita ou direito a julgamento, quando encontraram na sua posse uma cópia da Encyclopédie, obra proibida no reino.
Poucos meses depois, em consequência da fuga do rei Fernando IV para a Sicília e da realização de um armistício assinado em Sparanise entre o representante do Reino e o exército francês, que se aproximava de Nápoles, Leonor da Fonseca Pimentel foi libertada pelos "Lazzaroni", um grupo de jovens das classes baixas de Nápoles, juntando-se de seguida aos seus colegas revolucionários que tentavam conquistar a fortaleza do Castel Sant'Elmo para abrirem as portas da cidade às tropas francesas lideradas pelo general Jean Étienne Championnet.
A 23 de janeiro de 1799, Leonor da Fonseca Pimentel participou na formação do Comité Central, recebendo em festa as tropas francesas em Nápoles.[10] Durante a cerimónia de declaração da República Napolitana, também chamada de República Partenopeia, Leonor declamou o poema "Inno alla Libertà" e a 2 de Fevereiro publicou o primeiro número do periódico quinzenal "Il Monitore Napolitano", que funcionou como o jornal oficial da República.[11] Como editora principal, nos seus artigos emergia uma atitude democrática e igualitária, que visava, sobretudo, difundir os ideais republicanos entre o povo e reivindicar direitos básicos como a instrução para todos, ou ainda artigos de crítica e denúncia sobre a família real, os Bourbons, onde os chamava de “tiranos infiéis e imbecis", denunciando também a conduta dos militares franceses em Nápoles quando estes abusavam do seu comando.[12] Ainda na sua primeira edição, Leonor homenageou o "silêncio virtuoso" e a "lealdade a seus companheiros" de Emmanuele De Deo, que havia sido condenado à morte em 1794.
Em junho de 1799, após vários meses de luta contra o movimento de contra-revolução, liderada pelo cardealFabrizio Ruffo e com o auxílio das tropas inglesas, russas e turcas, aliadas da família real, a Monarquia regressou novamente a Nápoles, sendo assinado um novo tratado de armistício entre o antigo regime monárquico e o governo republicano que se rendeu. Leonor é então novamente presa e levada para um dos navios ancorados no Golfo de Nápoles, onde os infractores do Estado eram mantidos enquanto aguardavam pelas suas sentenças.
Julgamento e Sentença
Inicialmente, o Conselho de Estado dos Bourbons tinha decidido poupar os insurgentesrepublicanos, reconhecendo aos "traidores" e a Leonor um contrato e uma sentença, com os quais o juiz e o condenado renunciaram ao julgamento e o segundo jurava, sob pena de morte, nunca mais regressar ao reino, vivendo o resto da sua vida em exílio. No entanto, três dias depois, o Conselho declarou que tinha cometido um erro, e Leonor foi levada para a prisão do vigário, onde ficou até 17 de Agosto, sendo então condenada à morte.[11] Dos mais de oito mil presos políticos, 99 foram condenados à morte, 500 receberam penas de prisão, sendo 222 deles condenados a prisão perpétua, 288 deportados e 67 exilados. Em textos mais recentes, deve-se a alteração da sentença à intervenção do Almirante Nelson, especulando-se ainda, se a mesma foi realizada a pedido da Rainha Maria Carolina, como vingança pessoal pelos panfletos e artigos escritos por Leonor e outros revolucionários, considerados antes próximos da corte real.[13]
Apelando às suas raízes nobres e ao costume da altura, Leonor da Fonseca Pimentel pediu ao juiz Vincenzo Speciale para morrer por decapitação, em vez de enforcamento, contudo este pedido foi-lhe recusado por ser de raízes portuguesas, e consequentemente, não ser considerada de "nobreza napolitana", tendo ainda perdido quaisquer títulos nobres ao se juntar à causa republicana.[14] Também lhe foi negado o cordão que seria amarrado à orla do seu manto, de modo a que este não se abrisse quando o seu corpo fosse pendurado na forca.[15]
O seu corpo permaneceu durante um dia inteiro pendurado na Praça do Mercado, sendo depois levado para a igreja de Santa Maria di Costantinopoli, durante uma intensa tempestade. Devido ao complexo clima político da cidade, nenhuma placa foi afixada no local onde foi sepultada, tentando-se apagar qualquer vestígio dos "traidores republicanos". Especula-se que o seu corpo tenha sido enterrado algures dentro do extinto complexo monástico de São Eligio, do qual a igreja fazia parte.
Homenagens
Em 1851, o seu nome figurou no livro de grande sucesso "Panteão dos Mártires da Liberdade" de Enrico Parmiani, ao lado de outras referências do pensamento político italiano e companheiros revolucionários de 1797.
Postumamente, foi afixada na fachada da casa onde nasceu, em Roma, uma placa comemorativa e de homenagem à escritora e revolucionária portuguesa.
Em Nápoles, o seu nome foi atribuído a uma escola do Ensino Primário, em homenagem à forma como defendeu o primado da educação.
Em Itália, em 1999, sobre o bicentenário da sua morte, foi realizada uma edição comemorativa de um selo postal de £.800 (€ 0.41), pelo desenhador G. Milite.
Desde 2015, é realizada a entrega do prémio jornalístico Fonseca Pimentel numa cerimónia organizada pela Câmara Municipal de Nápoles, o Instituto Italiano de Estudos Filosóficos e a associação cultural “Periferie del mondo – Periferia immaginaria”.[17]
Em dezembro de 2019, foi pintado um mural, baseado no poster do filme italiano "Il resto di niente", com Maria de Medeiros no papel principal, em homenagem a Leonor da Fonseca Pimentel, na fachada do antigo e abandonado mercado de Sant'Anna di Palazzo, localizado no Bairro Espanhol de Nápoles. Apesar do sucesso nas redes sociais, a obra realizada pela artista ítalo-espanhola Leticia Mandragora foi publicamente criticada pela Associação Nacional de Arquitectos e Engenheiros Italianos, visto tratar-se de um edifício considerado património, projectado pelo arquitecto Salvatore Bisogni, e constar duma lista de importantes obras arquitectónicas italianas da segunda metade do século XX.[18]
Algumas Obras Manuscritas e Impressas
Como modo de subsistência, sobretudo após a sua separação de Pasquale Tria de Solis e o falecimento do seu pai Clemence da Fonseca Pimentel, Leonor da Fonseca Pimentel começou a escrever breves sonetos, cantatas, elegias e odes para serem declamados durante eventos com altas figuras da nobreza italiana e estrangeira, geralmente escritos por encomenda. Posteriormente, durante a revolução napolitana escreveu artigos jornalísticos e de crítica social.
"The Volcano Lover: A Romance" (1992), romance histórico escrito por Susan Sontag[26]
"Eleonora and Joseph: Passion, Tragedy, and Revolution in the Age of Enlightenment" (2020), romance histórico escrito por Julieta Almeida Rodrigues[27]
"Donna Eleonora", tema de Eugenio Bennato, incluído no disco "Taranta Power" (1998)
"O riesto e' niente (Tammurriata per Donna Eleonora Pimentel Fonseca)", tema interpretado pelo Coro Vesuviano no álbum "It's a Girl.... Femmenesagerate!" (2017)
Bibliografia
Benedetto Croce , Eleonora de Fonseca Pimentel , Roma , Tipografia Nazionale, 1887
Maria Antonietta Macciocchi, Cara Eleonora , Milan , Rizzoli, 1993
Elena Urgnani, La Vicenda Letteraria e Politica di Eleonora de Fonseca Pimentel , Nápoles , La Città del Sole, 1998
Enzo Striano, Il resto di niente. Storia di Eleonora de Fonseca Pimentel e della rivoluzione napoletana del 1799 , Nápoles , Avagliano 1999; Milan , Rizzoli 2001, 2004
Teresa Santos - Sara Marques Pereira (ed.), Leonor da Fonseca Pimentel. A Portuguesa de Nápoles (1752-1799) , "Actas do colóquio realizado no bicentenário da morte de Leonor da Fonseca Pimentel", Lisboa , Horizonte, 2001
↑Carlo Botta (1831). Istoria d'Italia da 1789 al 1814. [S.l.]: Ed. Italia
↑Constance H.D. Giglioli (1903). Naples in 1799 an account of the Revolution of 1799 and of the rise and fall of the Parthenopean Republic. [S.l.]: Londra