Nasceu em 1526, provavelmente no primeiro trimestre do ano,[1] na diocese do Porto. Filho ilegítimo, foi legitimado aos 13 anos de idade por carta régia de D. João III,[10] datada de 22 de julho de 1539,[11] como Dom Inácio de Ataíde,[2] "para herdar sua fazenda (...) e poder suceder ao seu pai".[12] Foi educado na corte portuguesa e aos vinte anos de idade tornou-se administrador dos bens familiares. Mas, depois de ouvir as prédicas do padre jesuíta Francisco Estrada, decidiu renunciar a esses bens, nomeadamente o senhorio da honra e quinta de Barbosa, em Penafiel de Sousa, Entre Douro e Minho,[13] cabeça do morgadio criado por seu pai com bens dos Ataídes e dos Sousas.[11] Por esse motivo, os referidos bens vieram a ser herdados por seu meio irmão, D. Francisco de Ataíde e Azevedo,[11] tendo a posse da honra continuado nos descendentes deste até à extinção dos senhorios em 1834[14] e a da quinta até à atualidade.
Ingresso nos Jesuítas
Em 28 de dezembro de 1548 - depois de fazer um retiro e exercícios espirituais em Coimbra, seguindo a sugestão de um outro futuro mártir jesuíta, João de Madureira[15] - fez opção definitiva pela vida religiosa, ingressando na Companhia de Jesus. Como noviço usou o sobrenome Ataíde, que lhe advinha de quando era presumível herdeiro (por sua avó, D. Joana de Castro) da honra e quinta de Ataíde, no antigo julgado de Santa Cruz de Riba Tâmega, solar de origem dessa família. A partir de 1564, depois de renunciar totalmente à herança paterna, passou a assinar as suas cartas como Inácio de Azevedo.[1]
Em 1553 foi nomeado reitor do Colégio de Santo Antão, em Lisboa,[16] antes mesmo de concluir o curso de Teologia. A abertura solene das aulas desta instituição - a primeira escola pública gratuita de Portugal - teve lugar a 18 de outubro desse ano. No mesmo ano, em fevereiro, Azevedo já tinha tomado ordens sacras, em Braga.[17]
No ano de 1555, D. João III ofereceu aos Jesuítas a direção do Colégio das Artes de Coimbra e no início de 1556 Azevedo foi encarregado de "visitar" o Colégio pelo novo provincial de Portugal, o padre Miguel de Torres. Meses mais tarde, em outubro, após o falecimento de Santo Inácio de Loyola, o provincial de Portugal teve que viajar para Roma a fim de participar na eleição do novo Superior Geral da Ordem e indicou Inácio de Azevedo para, na sua ausência, ficar "em meu lugar com todos os meus poderes", ou seja, deixou este interinamente com o governo dos jesuítas portugueses. No início do ano seguinte, Azevedo regressou a Coimbra para exercer o cargo de reitor do Colégio das Artes até fevereiro de 1558.
Nesse mesmo ano, D. Inácio (que perdera o direito aos bens do morgadio instituído pelo seu pai, mas mantinha o direito à sua parte na legítima paterna, avaliada na avultada soma de 12 mil cruzados) concordou com o seu pai em renunciar ao seu direito a troco do pagamento, ainda em vida de seu pai, da quantia de 1500 cruzados no período de 3 anos, dos quais 600 vieram a ser aplicados no Colégio de Santo Antão[18] e 900 cruzados no Colégio Romano dos jesuítas. Não foi assim possível atender à pretensão inicial de S. Francisco de Borja de aplicar a totalidade dos 12 mil cruzados da legítima de D. Inácio ao financiamento do Colégio Romano, pois D. Manuel de Azevedo, apesar de já estar na avançada idade (para a época) de 74 anos, não concordou em renunciar a essa soma ainda em vida.[1]
Em 1564, Inácio de Azevedo deixou a reitoria do Colégio de São Paulo e dirigiu-se a Coimbra para fazer a profissão solene, tornando-se padre professo a 9 de abril desse ano,[1] na capela do Colégio de Coimbra.
Viagem ao Brasil como Visitador
Entretanto, com o falecimento do primeiro sucessor de Inácio de Loyola (Diego Laynez) em 19 de janeiro de 1565 e a eleição no mesmo ano do novo Geral da Companhia, Francisco de Borja, ia abrir-se uma nova época na atividade missionária dos jesuítas, com maior ênfase aos esforços de conversão ao cristianismo das populações indígenas da América do Sul. Borja conhecia bem Inácio de Azevedo e desde logo lhe prometeu[1] procurar satisfazer as aspirações missionárias que este de há muito vinha exprimindo. O provincial de Portugal, padre Leão Henriques, apoiou as pretensões de D. Inácio e assim, em 24 de fevereiro de 1566,[1]São Francisco de Borja assinou a "Patente" que nomeou Azevedo visitador do Brasil, por "confiar muito na sua integridade, prudência e conhecimento do Instituto". Borja conferiu a Azevedo amplos poderes sobre as pessoas e bens dos jesuítas do Brasil e sancionou de antemão todas as modificações e reformas que este julgasse convenientes no sentido de melhor execução dos objetivos da Companhia no Brasil.
Inácio de Azevedo partiu para o Brasil, acompanhado por cinco padres da Companhia, a 13 de maio desse ano, na frota de três naus que zarpou do Tejo sob o comando de Cristóvão de Barros e chegou a Salvador, depois de escalas na Madeira e em Cabo Verde, a 23 de agosto de 1566. Só iria regressar a Portugal no final de outubro de 1568.
Passou cerca de 3 meses em Salvador - na época, uma povoação com cerca de 200 casas - onde se inteirou da situação dos cerca de 30 jesuítas que viviam na cidade e em 5 aldeias próximas e em 19 de novembro escreveu a Francisco de Borja para o informar que seria necessário o envio de mais gente para o Brasil. Dias depois, partiu na frota de 6 embarcações armada pelo governador Mem de Sá para auxiliar os sitiadores portugueses no Rio de Janeiro no assalto final aos fortes franceses na Guanabara. Acompanhavam-no, entre outros, o bispo D. Pedro Leitão e os padres Luís da Grã e José de Anchieta. Durante a viagem rumo ao sul, a frota tocou em todas as capitanias do Brasil para aumentar o número de combatentes, sobretudo índios leais à coroa portuguesa, arregimentados em grande parte pelos padres jesuítas. Azevedo visitou assim Ilhéus, Porto Seguro e Espírito Santo, onde contatou os jesuítas lá presentes e os instruiu sobre a melhor forma de ordenar a sua vida e tarefas, no contexto do Brasil, de acordo com as constituições e regras da Ordem.
A frota chegou ao Rio de Janeiro em 18 de janeiro de 1567 e Azevedo assistiu aos ataques que expulsaram franceses e seus aliados indígenas do reduto de Uruçumirim e da ilha do governador, bem como às exéquias de Estácio de Sá, mortalmente ferido nessas batalhas. Em fevereiro já estava em São Vicente, onde passou 3 meses em consultas com o padre Manuel da Nóbrega. Concordaram ambos na necessidade de ser fundado um colégio no Rio de Janeiro, escrevendo nesse sentido a D. Sebastião, que logo no início de 1568 assinou a provisão real que determinava a criação desse colégio com "50 religiosos (...) providos à custa da minha fazenda". Azevedo ainda visitou Piratininga antes de regressar a Salvador em janeiro de 1568. Aí assistiu à conclusão dos trabalhos de edificação de uma das alas do Colégio dos Jesuítas da cidade, antes de embarcar com destino a Portugal - com a promessa de regressar ao Brasil não só com padres mas com mestres de artes e ofícios, pedreiros e carpinteiros - a 14 de agosto.
Regresso a Portugal e estadia em Roma
Inácio de Azevedo desembarcou no cais da Ribeira em 31 de outubro de 1568 e partiu de seguida para Almeirim, onde se encontrava a corte, a fim de agradecer a D. Sebastião a fundação do colégio do Rio de Janeiro e propor o seu plano para o futuro da missão dos Jesuítas no Brasil. Em março de 1569, partiu para Roma acompanhando o novo Embaixador português junto ao Papa Pio V, João Telo de Meneses. Era seu propósito obter do Papa a concessão de privilégios pontifícios com vista a facilitar a ação missionária no Brasil e também liberdade de ação para poder recrutar pessoal seleto, que ele formaria para futura ação na América do Sul. A missão foi coroada de sucesso e o Geral Francisco de Borja confirmou a nomeação de Azevedo para provincial do Brasil. A 4 de julho, correspondendo ao pedido de D. Inácio, Borja assinou uma carta em que exortava os provinciais da Espanha a auxiliarem a empresa do Brasil com gente escolhida de acordo com os critérios preconizados por Azevedo. Na última audiência que teve com o Pontífice, em finais de julho, acompanhado pelo Geral Borja, Azevedo recebeu de Pio V cartas para a família real portuguesa e dois breves para o bispo e o governador do Brasil, exortando-os a colaborar com a atividade missionária dos Jesuítas.
Azevedo partiu de Roma com destino a Gênova, onde tomou o navio para Barcelona e visitou de seguida várias cidades da Espanha, recrutando já pelo caminho padres e também alguns leigos dispostos a auxiliá-lo no Brasil. Não pôde dirigir-se logo a Lisboa devido à epidemia de peste que grassava na cidade. Dado o perigo de contágio, o rei e a corte abandonaram também a capital; Azevedo foi-lhes no encalço e foi recebido por D. Sebastião em Almeirim. Entregou-lhe as cartas do Papa e obteve do rei a promessa de que bancaria os custos da viagem para o Brasil de 20 das pessoas que viessem a acompanhar Azevedo. No final do ano, voltou a encontrar o rei em Évora; D. Sebastião frequentou nesse período aulas de Teologia na universidade dos Jesuítas na cidade e reforçou a sua anterior promessa, comprometendo-se a pagar a viagem de todos os missionários até o Brasil - o que, a 15 ducados por pessoa, significava uma soma total de até 4 mil ducados. D. Sebastião também decidiu que uma parte dos direitos da fazenda real sobre produtos importados do Brasil fosse aplicada em benefício da colônia.[1]
Na sua visita a Roma, Azevedo estivera envolvido na questão do casamento de D. Sebastião, sendo portador de mensagens secretas sobre o tema entre Lisboa e Roma.[20] Desfeito o projeto de casamento com Isabel de Áustria, o monarca português parecera aceitar a ideia de um enlace com Margarida de Valois, irmã de Carlos IX de França. Mas o projeto não avançava, pelo que o confessor do rei, o jesuíta Luís Gonçalves da Câmara, teve a ideia de usar o prestígio de Azevedo para reavivar o assunto, levando D. Inácio de novo à presença do rei para sugerir que este mandasse Azevedo a Roma em missão especial com vista a concluir as negociações matrimoniais. Porém, a decisão do monarca foi a de "que se adiasse o assunto",[1] o que liberou Azevedo para se dedicar em exclusivo aos preparativos da sua viagem para o Brasil.
Viagem final e martírio
No início de 1570, Inácio de Azevedo estava já na quinta do Vale do Rosal, perto de Almada, onde reuniu os noviços que o acompanhariam na viagem, com o propósito de lhes dar a necessária preparação - não só espiritual com também física - para as tarefas que iriam desempenhar no Brasil, num intenso trabalho que durou cerca de 5 meses.[21] Na lista dos seus acompanhantes estavam os nomes de 70 religiosos, 16 mestres seculares de artes e ofícios e outras cerca de 30 pessoas entre trabalhadores com família e pretendentes à vida religiosa, para um total superior a 100 indivíduos. Era assim a mais numerosa expedição de missionários até então constituída em Portugal, tendo por destino as suas conquistas ultramarinas.[15]
Partiu enfim para o Brasil a 5 de Junho de 1570, na frota de 7 naus e uma caravela comandada pelo novo governador , D. Luís Fernandes de Vasconcelos, nomeado para substituir Mem de Sá na Bahia. Inácio de Azevedo e mais 39 companheiros partiram a bordo do navio mercante Santiago, enquanto os demais companheiros seguiam em vasos de guerra. Na sua última carta a São Francisco de Borja, escrita 3 dias antes da partida, Azevedo dava-lhe conta da muita gente, "homens mulheres e órfãos", que o rei D. Sebastião estava enviando na frota, para povoar a terra do Brasil. Sete dias depois chegavam à ilha da Madeira, de onde a 30 de junho o capitão da Santiago decidiu partir isoladamente para a próxima escala, as ilhas Canárias, pois tinha urgência em lá descarregar e receber mercadorias e o governador nomeado não mostrava ter pressa para deixar a ilha da Madeira.
A viagem isolada para as Canárias era especialmente perigosa, estando o mar infestado de corsários franceses com embarcações muito mais rápidas do que a lenta nau portuguesa - e no dia 15 de julho de 1570, perto da ilha La Palma, a Santiago foi atacada por uma frota de 5 velas e 300 homens, comandada pelo corsário huguenoteJacques de Sores. Com apenas 30 combatentes a bordo, a nau portuguesa tinha escassas hipóteses de ganhar o combate; depois de trocas de artilharia, a Santiago foi abalroada e abordada por dezenas de corsários que a dominaram após combates corpo a corpo. Os huguenotes pouparam parte da tripulação mas massacraram os quarenta jesuítas chefiados por Inácio de Azevedo, lançando depois os corpos ao mar.
O seu legado
A morte do jesuíta e missionário Inácio de Azevedo e seus 39 companheiros às mãos de corsários calvinistas foi o mais numeroso martírio coletivo da era moderna[15] e teve grande e imediata repercussão numa Europa dilacerada por guerras de religião e onde se assistia ao rápido aumento das missões católicas nos continentes americano, asiático e africano.
Logo em 1571, no dia 7 de julho, Pio V honrou os quarenta mártires, referindo o seu "martírio voluntário" na breve Dum Indefese. Segundo a tradição, São Francisco de Borja encomendava-se diariamente aos quarenta mártires, dando assim início a um culto que levaria à sua beatificação por Pio XI em 1854, decorrendo entretanto os processos para a canonização.[15]
Se, no curto prazo, a perda humana e material do martírio constituiu um revés para os jesuítas no seu projeto de evangelização dos índios brasileiros, na prática a vontade de emulação dos "quarenta mártires do Brasil" rapidamente deu novo impulso e vitalidade ao movimento a favor das missões desenvolvidas por Inácio de Azevedo durante a sua vida. E, na Ásia, o seu irmão mais novo, D. Jerónimo de Azevedo, governador de Ceilão de 1594 a 1612, acabou como que prosseguindo a sua obra num outro continente, ao abrir as portas aos jesuítas e às suas missões, no território do atual Sri Lanka.[22]
Árvore Genealógica
16. Gonçalo Peres (Malafaia), Regedor da Casa do Cível e senhor de Belas
↑Costa, S. J., op. cit., p. 35, transcrição da carta régia de legitimação: "Dom Joham ... a todos quantos esta minha carta virem faço saber q Dom Inacio datayde filho de dom Manuell dazevedo e de Francisca dabreu ... eu .. o legytimo ... e faço o legytimo"
↑Leite, SJ, Serafim (Dezembro 1959). «O casamento do Rei D. Sebastião e a ida a Roma de Inácio de Azevedo, provincial do Brasil: carta inédita de S. Francisco de Borja.». Brotéria (Vol. LXIX n.º 6): 133 - 139|acessodata= requer |url= (ajuda)
↑Rodrigues, Francisco (1931). «História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal, Volume 01b — Jesuit Online Library». jesuitonlinelibrary.bc.edu. Porto: Apostolado da Imprensa - Empresa Editora. p. 479. Consultado em 24 de julho de 2023. ...o que tornou mais célebre aquele Vale de Rosal foi a estância que nele teve o numeroso esquadrão de missionários, comandado pelo ínclito Inácio de Azevedo.
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