A saúde das mulheres difere da do homem em muitas maneiras. Ela constitui-se como um exemplo de saúde da população, onde a saúde é definida pela Organização Mundial da Saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Muitas vezes tratada simplesmente como saúde reprodutiva das mulheres, muitos grupos defendem uma definição mais ampla referente à saúde geral das mulheres. Essas diferenças são ainda mais acentuadas nos países em desenvolvimento, onde as mulheres, cuja saúde inclui os seus riscos e experiências, estão ainda mais desfavorecidas.
Embora as mulheres nos países industrializados tenham reduzido a diferença de género na esperança média de vida e agora vivam mais do que os homens, em muitas áreas da saúde elas sofrem com doenças mais precoces, graves e com resultados piores. O género continua a ser um importante factor determinante a nível social da saúde, uma vez que a saúde das mulheres é influenciada não apenas pela sua biologia, mas também por condições como pobreza, emprego e responsabilidades familiares. As mulheres têm estado em desvantagem em muitos aspectos, como em termos de poder social e económico, o que restringe o seu acesso às necessidades da vida, incluindo assistência médica, e quanto maior o nível de desvantagem, como nos países em desenvolvimento, maior o impacto adverso sobre a sua saúde.
Embora as taxas das principais causas de morte, doenças cardiovasculares, cancro e doenças pulmonares sejam semelhantes em mulheres e homens, as mulheres têm experiências diferentes. O cancro do pulmão superou todos os outros tipos de cancro como a principal causa de morte por cancro em mulheres, seguido pelo cancro da mama, colorretal, ovário, uterino e cervical. Embora fumar seja a principal causa de cancro do pulmão, entre as mulheres não fumadoras o risco de desenvolver cancro é três vezes maior do que entre os homens. Apesar disso, o cancro da mama continua a ser o cancro mais comum em mulheres de países desenvolvidos e é uma das doenças crónicas mais importantes das mulheres, enquanto o cancro do colo do útero continua a ser um dos cancros mais comuns em países em desenvolvimento, associado ao vírus do papiloma humano (VPH), uma infeção sexualmente transmissível. A vacina contra o VPH, juntamente com o rastreio, oferece a promessa de controlar essas doenças. Outros problemas de saúde importantes para as mulheres incluem doenças cardiovasculares, depressão, demência, osteoporose e anemia. Um grande entrave para o avanço da saúde das mulheres tem sido a sua sub-representação em estudos de pesquisa, uma desigualdade que tem vindo a ser abordada na Europa, nos Estados Unidos e noutras nações ocidentais pelo estabelecimento de centros de excelência de pesquisa em saúde das mulheres e ensaios clínicos em grande escala, como a Women's Health Initiative.
Definições e âmbito
A experiência das mulheres em relação à saúde e à doença difere da dos homens, devido às condições biológicas, sociais e comportamentais únicas. As diferenças biológicas variam de fenótipos à biologia celular e manifestam riscos únicos para o desenvolvimento de problemas de saúde.[1] A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade".[2] A saúde das mulheres é um exemplo de saúde da população, a saúde de uma parte específica da população.[3]
A saúde das mulheres foi descrita como "uma colcha de retalhos com vários buracos".[4] Embora muitas das questões em torno da saúde das mulheres estejam relacionadas com a saúde reprodutiva, incluindo saúde materna - infantil, saúde genital e da mama, e saúde endócrina (hormonal), incluindo menstruação, controlo da natalidade e menopausa, uma compreensão mais ampla da saúde das mulheres foi instada a incluir todos os aspectos da saúde das mulheres.[5] A OMS considera que uma ênfase indevida na saúde reprodutiva tem sido uma grande barreira para garantir o acesso a cuidados de saúde de boa qualidade para todas as mulheres.[1] Condições que afectam homens e mulheres, como doenças cardiovasculares e osteoporose, também se manifestam de forma diferente nas mulheres.[6] Os problemas de saúde das mulheres também incluem situações médicas em que as mulheres enfrentam problemas directamente não relacionados com a sua biologia, como acesso diferenciado por género a tratamento médico e outros factores socioeconómicos.[6] A saúde das mulheres é uma preocupação particular devido à discriminação generalizada contra as mulheres em todo o mundo, deixando-as em desvantagem.[1]
Vários defensores da saúde e da pesquisa médica, como a Society for Women's Health Research dos Estados Unidos, apoiam essa definição mais ampla, em vez de meramente questões específicas da anatomia feminina humana para incluir áreas onde existem diferenças a nível do sexo biológico entre as mulheres e os homens. As mulheres também precisam mais de cuidados de saúde e de ter mais acesso ao sistema de saúde do que os homens. Embora parte disso seja devido às necessidades de saúde reprodutiva e sexual, eles também têm problemas crónicos de saúde não reprodutiva, como doenças cardiovasculares, cancros, doenças mentais, diabetes e osteoporose.[7] Outra perspectiva importante é perceber que eventos ao longo de todo o ciclo de vida (ou curso de vida), desde o período intrauterino até ao envelhecimento, afectam o crescimento, o desenvolvimento e a saúde das mulheres. A perspectiva do curso de vida é uma das principais estratégias da Organização Mundial da Saúde.[8][9][10]
Perspectiva global
As diferenças de género na susceptibilidade e nos sintomas da doença e na resposta ao tratamento em muitas áreas da saúde são particularmente verdadeiras quando vistas de uma perspectiva global.[11][12] Muitas das informações disponíveis vêm de países desenvolvidos, mas existem diferenças marcantes entre países desenvolvidos e em desenvolvimento em termos de papéis e saúde das mulheres.[13] O ponto de vista global é definido como a "área de estudo, pesquisa e prática que prioriza a melhoria da saúde e o alcance da igualdade na saúde para todas as pessoas em todo o mundo".[14][15][16] Em 2015, a Organização Mundial da Saúde identificou os dez principais problemas na saúde das mulheres como cancro, saúde reprodutiva, saúde materna, vírus da imunodeficiência humana (VIH), infecções sexualmente transmissíveis, violência, saúde mental, doenças não transmissíveis, juventude e envelhecimento.[17]
Esperança média de vida
A esperança média de vida das mulheres é maior do que a dos homens, e elas apresentam menores taxas de mortalidade ao longo da vida, independentemente da raça e da região geográfica. Porém, historicamente, as mulheres apresentaram taxas de mortalidade mais altas, principalmente devido a mortes maternas (morte no parto). Nos países industrializados, especialmente nos mais avançados, a diferença de género diminuiu e foi revertida após a revolução industrial.[6] Apesar destas diferenças, em muitas áreas da saúde, as mulheres apresentam doenças mais precoces e graves e apresentam piores resultados.[18]
Apesar dessas diferenças, as principais causas de morte nos Estados Unidos são notavelmente semelhantes para homens e mulheres, lideradas por doenças cardíacas, que correspondem sensivelmente a um quarto de todas as mortes, seguidas por cancro, doenças respiratórias e acidentes vasculares cerebrais. Embora as mulheres tenham uma incidência menor de morte por lesões não intencionais e suicídio, elas têm uma incidência maior de demência (Gronowski e Schindler, Tabela I).[6][19]
As principais diferenças na expectativa de vida das mulheres entre países desenvolvidos e em desenvolvimento estão nos anos férteis. Se uma mulher sobreviver a este período, as diferenças entre as duas regiões tornam-se menos marcantes, uma vez que mais tarde na vida as doenças não transmissíveis (DNT) tornam-se as principais causas de morte em mulheres de todo o mundo, sendo as mortes cardiovasculares responsáveis por 45% das mortes em mulheres mais velhas, seguidas de cancro (15%) e doenças respiratórias (10%). Isto cria encargos adicionais para os recursos dos países em desenvolvimento. Mudanças no estilo de vida, incluindo dietas, actividades físicas e factores culturais que favorecem o tamanho corporal das mulheres, estão a contribuir para um problema crescente de obesidade e diabetes entre as mulheres nesses países e aumentando os riscos de doenças cardiovasculares e outras DNT.[11][20]
As mulheres socialmente marginalizadas têm uma maior probabilidade de morrer mais jovens do que as mulheres que não o são.[21] Mulheres com transtornos de abuso de substâncias, sem habitação, prostitutas e/ou presas têm vidas significativamente mais curtas do que as outras mulheres.[21] Em qualquer idade, as mulheres nesses grupos estigmatizados e sobrepostos têm aproximadamente 10 a 13 vezes mais probabilidade de falecer do que as mulheres típicas da mesma idade.[21]
Factores sociais e culturais
A saúde das mulheres posiciona-se dentro de um conjunto mais amplo de conhecimento citado, entre outros, pela Organização Mundial da Saúde, que atribui importância ao género como determinante social da saúde.[22] Embora a saúde das mulheres seja afectada pela sua biologia, ela também é afectada pelas suas condições sociais, como pobreza, emprego e responsabilidades familiares, e esses aspectos não devem ser postos de parte.[23][24]
As mulheres têm sido tradicionalmente prejudicadas em termos de status económico, social e de poder, o que por sua vez reduz o seu acesso a uma série de necessidades, incluindo cuidados de saúde. Apesar das melhorias que têm vindo a acontecer nas nações ocidentais, as mulheres continuam em desvantagem em relação aos homens.[6] A diferença de género na saúde é ainda mais aguda nos países em desenvolvimento, onde as mulheres são relativamente mais desfavorecidas. Além da desigualdade de género, continuam a ocorrer processos específicos exclusivamente associados à mulher, o que por sua vez cria desafios tanto na prevenção quanto nos cuidados de saúde.[18]
Mesmo depois de conseguir acesso aos cuidados de saúde, as mulheres continuaram a ser discriminadas,[25] um processo que Iris Young chamou de "exclusão interna", em oposição à "exclusão externa", as ditas barreiras de acesso. Essa invisibilidade efectivamente mascarou e continua a mascarar as queixas de grupos já prejudicados pela desigualdade, aprofundando ainda mais a injustiça.[26]
As diferenças comportamentais também desempenham um papel no tema, em que as mulheres apresentam menor risco, incluindo consumir menos tabaco, álcool e drogas, reduzindo o risco de mortalidade por doenças associadas, incluindo cancro do pulmão, tuberculose e cirrose. Outros factores de risco que são mais baixos para as mulheres incluem acidentes rodoviários. As diferenças ocupacionais expuseram as mulheres a menos acidentes de trabalho, embora isso tenha vindo a mudar, assim como o risco de ferimentos ou morte na guerra. No geral, essas lesões contribuíram para 3,5% das mortes em mulheres, em comparação com as 6,2% nos Estados Unidos durante o ano de 2009. As taxas de suicídio também são menores nas mulheres.[27][28]
A visão social da saúde, combinada com o reconhecimento de que o género é um determinante social da saúde, tem vindo a aumentar a informação e a prestação de serviços de saúde às mulheres em países por todo o mundo. Os serviços de saúde das mulheres, como o Leichhardt Women's Community Health Centre, que foi estabelecido em 1974[29] e foi o primeiro centro de saúde das mulheres estabelecido na Austrália, é um exemplo de abordagem da saúde das mulheres para a prestação de serviços.[30]
A saúde das mulheres é uma questão que tem sido abordada por muitas feministas, especialmente no que diz respeito à saúde reprodutiva, e o movimento internacional de mulheres foi responsável por grande parte da adopção de agendas para melhorar a saúde das mulheres.[31]
Factores biológicos
Mulheres e homens diferem na sua composição cromossómica, produtos de genes de proteínas, impressão genómica, expressão de genes, vias de sinalização e ambiente hormonal. Tudo isso requer cautela ao extrapolar informações derivadas de biomarcadores de um sexo para o outro.[6] As mulheres são particularmente vulneráveis nos dois extremos da vida. Mulheres jovens e adolescentes correm risco de DST, gravidez e aborto inseguro, enquanto mulheres mais velhas geralmente têm poucos recursos, estão em desvantagem em relação aos homens, e também correm o risco de demência e abuso, aos quais geralmente acrescem os problemas de saúde.[17]
Saúde reprodutiva e sexual
As mulheres vivenciam muitos problemas de saúde únicos, relacionados à reprodução e à sexualidade, e estes são responsáveis por um terço de todos os problemas de saúde pelos quais as mulheres podem passar durante os seus anos reprodutivos (dos 15 aos 44 anos), dos quais o sexo inseguro é um importante factor de risco, especialmente nos países em desenvolvimento.[17] A saúde reprodutiva inclui uma ampla gama de questões, incluindo a saúde e função das estruturas e sistemas envolvidos na reprodução, gravidez, parto e educação infantil, incluindo cuidados pré-natais e perinatais.[32][33] A saúde global das mulheres tem um foco muito maior na saúde reprodutiva do que aquilo que acontece nos países desenvolvidos, mas também em doenças infecciosas, como malária na gravidez e doenças não transmissíveis. Muitos dos problemas que as mulheres e meninas enfrentam em regiões de poucos recursos são relativamente desconhecidos nos países desenvolvidos, como a mutilação genital feminina, e ainda não têm acesso aos recursos diagnósticos e clínicos adequados.[11]
Saúde materna
A gravidez apresenta riscos substanciais à saúde, mesmo em países desenvolvidos, mesmo apesar dos avanços na ciência e na prática obstétrica.[34] A mortalidade materna continua a ser um grande problema na saúde global e é considerada um evento sentinela no julgamento da qualidade dos sistemas de saúde.[35] A gravidez na adolescência representa um problema particular, seja intencional ou não, e seja dentro do casamento ou união ou não. A gravidez resulta em grandes mudanças na vida da jovem, em termos físicos, emocionais, sociais e económicos, e prejudica a sua transição para a idade adulta. A gravidez na adolescência, na maioria das vezes, decorre da falta de opções da jovem mulher, e em vários casos de abuso. O casamento infantil é um grande contribuinte em todo o mundo, uma vez que 90% dos nascimentos de meninas dos 15 aos 19 anos ocorrem dentro do casamento.[36]
Morte materna
Em 2013, cerca de 289 mil mulheres (cerca de 800 por dia) no mundo morreram devido a causas relacionadas com a gravidez, com grandes diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.[11][37] A mortalidade materna nas nações ocidentais tem caído constantemente e é objecto de relatórios e análises anuais.[38] Ainda assim, por exemplo, entre 1987 e 2011 a mortalidade materna nos Estados Unidos aumentou de 7,2 para 17,8 mortes por 100 mil nascidos vivos, o que se reflecte na Taxa de Mortalidade Materna.[38] Já em Portugal, o acréscimo de mortes maternas registado por 100 mil nascimentos, passou de 10,4 em 2017 para 19,5 em 2018. Um valor semelhante ao de 1980.[39] Para o Serviço Nacional de Saúde, o valor é influenciado por vários factores, entre eles a idade das mulheres na gravidez; uma vez que a idade média em que a mulher portuguesa engravida pela primeira vez tem aumentado, este tem vindo a tornar-se um factor de preocupação. Entre 2014 e 2017, quase 60% das mortes maternas ocorreu em mulheres com mais de 35 anos, enquanto que apenas 30% das mães de todos os nados vivos estavam nesse grupo etário.[40] No Brasil, a taxa de mortes maternas era de 64 por cada 100 mil nados vivos em 2019. Muito inferior aos 140 por 100 mil que o país detinha na década de 1990, mas ainda longe da meta definida pela Organização das Nações Unidas no Pacto do Milénio, que é de 35 mortes por cada 100 mil. O Brasil deveria ter atingido esta marca em 2015, mas houve uma renegociação e o prazo foi prorrogado até 2030.[41] Em contraste, taxas de até 1.000 mortes por 100 mil nascimentos são relatadas no resto do mundo,[11] com as taxas mais altas na África subsariana e no sul da Ásia, que respondem por 86% dessas mortes.[42][37] Essas mortes raramente são investigadas, mas a Organização Mundial da Saúde considera que 99% dessas mortes, a maioria das quais ocorre dentro de 24 horas após o parto, são evitáveis se houver infraestrutura, formação de profissionais e instalações adequadas.[43][37] Nesses países com poucos recursos, a saúde materna é ainda mais corroída pela pobreza e pelos factores económicos adversos que afectam as estradas, instalações de saúde, equipamentos e provisões, além de pessoal qualificado limitado. Outros problemas incluem atitudes culturais em relação à sexualidade, contracepção, casamento infantil, parto em casa e a capacidade de reconhecer emergências médicas. As causas directas dessas mortes maternas são hemorragia, eclampsia, trabalho de parto distócico, sepse e aborto. Além disso, a malária e a SIDA complicam a gravidez. No período entre 2003-2009, a hemorragia foi a principal causa de morte, respondendo por 27% das mortes nos países em desenvolvimento e 16% nos países desenvolvidos.[44][45]
A saúde não reprodutiva continua a ser um importante factor de previsão da saúde materna. Nos Estados Unidos, as principais causas de morte materna são as doenças cardiovasculares (15% das mortes), doenças endócrinas, respiratórias e gastrointestinais, infecções, hemorragias e doenças hipertensivas da gravidez (Gronowski e Schindler, Tabela II).[6]
Em 2000, as Nações Unidas criaram o Objectivo de Desenvolvimento do Milénio (ODM) 5[46] para melhorar a saúde materna.[47] A meta 5A buscou reduzir a mortalidade materna em três quartos de 1990 a 2015, usando dois indicadores, 5.1 o rácio de mortalidade materna (RMM) e 5.2 a proporção de partos assistidos por pessoal de saúde qualificado (médico, enfermeira ou parteira). Os primeiros relatórios indicaram que o ODM 5 fez o menor progresso de todos os ODM.[48][49] Até à data-alvo de 2015, o RMM havia diminuído apenas 45%, de 380 para 210, a maioria dos quais ocorreram após 2000. No entanto, essa melhoria ocorreu em todas as regiões, mas os RMM mais altos continuaram a apresentar-se em África e na Ásia, embora o sul da Ásia tenha testemunhado a maior queda, de 530 para 190 (64%). O menor declínio foi observado nos países desenvolvidos, de 26 para 16 (37%). Em termos de partos assistidos, essa proporção aumentou globalmente de 59 para 71%. Embora os números sejam semelhantes para as regiões desenvolvidas e em desenvolvimento, houve grandes variações nas últimas, de 52% no sul da Ásia a 100% no Leste Asiático. Os riscos de morrer durante a gravidez nos países em desenvolvimento continuam quatorze vezes mais altos do que nos países desenvolvidos, mas na África subsariana, onde o RMM é mais alto, o risco é 175 vezes maior.[42] Ao estabelecer as metas dos ODM, o parto assistido qualificado foi considerado uma estratégia-chave, mas também um indicador de acesso a cuidados e reflecte de perto as taxas de mortalidade. Também há diferenças marcantes dentro das regiões, com uma taxa 31% menor nas áreas rurais dos países em desenvolvimento (56 vs. 87%), não havendo diferença no Leste Asiático, e 52% na África Central (32 vs. 84%).[37] Com a conclusão da campanha dos ODM em 2015, novas metas encontram-se a ser definidas para 2030 no âmbito da campanha dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.[50][51] A saúde materna é colocada sob a Meta 3, Saúde, com a meta de reduzir a taxa de mortalidade materna global para menos de 70.[52] Entre as ferramentas que estão a ser desenvolvidas para ir de encontro a essas metas está a Lista de Verificação para Parto Seguro da OMS.[53]
As melhorias na saúde materna, além da assistência profissional no parto, exigirão cuidados pré-natais de rotina, cuidados obstétricos de emergência básicos, incluindo a disponibilidade de antibióticos, ocitócicos, anticonvulsivos, a capacidade de remover manualmente uma placenta retida, realizar partos instrumentados e cuidados pós-parto.[11] Estudos indicam que os programas mais eficazes são aqueles com foco na educação do paciente e da comunidade, cuidados pré-natais, obstetrícia de emergência (incluindo acesso a cesarianas) e transporte.[44] Tal como acontece com a saúde das mulheres em geral, as soluções para a saúde materna requerem uma visão ampla abrangendo muitos dos outros objectivos dos ODM, como pobreza e situação social, e dado que a maioria das mortes ocorre no período intraparto imediato, foi recomendado que os cuidados durante o parto sejam uma estratégia central. [42] Novas directrizes sobre cuidados pré-natais foram publicadas pela OMS em novembro de 2016.[54]
Complicações da gravidez
Além da morte que ocorre na gravidez e no parto, a gravidez pode resultar em muitos problemas de saúde não fatais, incluindo fístulas obstétricas, gravidez ectópica, trabalho de parto prematuro, diabetes gestacional, hiperêmese gravídica e estados hipertensivos, incluindo pré-eclampsia e anemia.[34] Globalmente, as complicações da gravidez superam amplamente as mortes maternas, com cerca de 9,5 milhões de casos de complicações relacionadas com a gravidez e 1,4 milhões de quase-acidentes (sobrevivência de complicações graves com risco de vida). As complicações relacionadas com a gravidez podem ser físicas, mentais, económicas e sociais. Estima-se que entre 10 a 20 milhões de mulheres desenvolvam algum tipo de deficiência física ou mental a cada ano, resultante de complicações da gravidez ou cuidados inadequados.[42] Consequentemente, as agências internacionais desenvolveram padrões para os cuidados obstétricos.[55]
Fístula obstétrica
Dos eventos quase fatais, as fístulas obstétricas (FO), incluindo as fístulas vesicovaginais e retovaginais, permanecem uma das mais sérias e trágicas. Embora a cirurgia correctiva seja possível, muitas vezes não está disponível e a FO é considerada completamente evitável. Se reparada, as gravidezes subsequentes exigirão cesariana.[56] Embora incomum em países desenvolvidos, estima-se que até 100.000 casos ocorram todos os anos no mundo, e que cerca de 2 milhões de mulheres vivem actualmente com essa condição, com a maior incidência ocorrendo na África e em partes da Ásia.[42][56][57] A fístula obstétrica resulta de trabalho de parto distócico prolongado sem intervenção, quando a pressão contínua do feto no canal restringe o fornecimento de sangue aos tecidos circundantes, com eventual morte fetal, necrose e expulsão. Os órgãos pélvicos danificados desenvolvem então uma conexão (fístula) permitindo que a urina ou fezes, ou ambos, sejam descarregados pela vagina com incontinência urinária e fecal associada, estenose vaginal, danos nos nervos e infertilidade. Graves consequências sociais e mentais também podem ocorrer. Além da falta de acesso a cuidados, as causas incluem idade jovem e desnutrição.[11][58][56] O Fundo de População das Nações Unidas fez da prevenção da FO uma prioridade e é a agência líder na Campanha para Acabar com a Fístula, que emite relatórios anuais,[59] e as Nações Unidas ainda marcam o dia 23 de Maio como o Dia Internacional pelo Fim da Fístula Obstétrica todos os anos.[60] A prevenção inclui desencorajar a gravidez na adolescência e o casamento infantil, nutrição adequada e acesso a cuidados especializados, incluindo cesariana.[11]
Saúde sexual
Contracepção
A capacidade de determinar se e quando engravidar é vital para a autonomia e bem-estar de uma mulher, e a contracepção pode proteger meninas e mulheres jovens dos riscos da gravidez precoce e mulheres mais velhas dos riscos de gravidez indesejada. O acesso adequado à contracepção pode limitar a gravidez múltipla, reduzir a necessidade de abortos potencialmente inseguros e reduzir a mortalidade e morbidade materna e infantil. Algumas formas de contracepção de barreira, como preservativos, também reduzem o risco de doenças sexualmente transmissíveis e de infecção por VIH. O acesso à contracepção permite que as mulheres façam escolhas informadas sobre a sua saúde reprodutiva e sexual, aumenta o empoderamento e melhora as escolhas na educação, carreira e participação na vida pública. A nível social, o acesso à contracepção é um factor chave no controlo do crescimento populacional, com impacto resultante na economia, no meio ambiente e no desenvolvimento regional.[61][62] Consequentemente, as Nações Unidas consideram o acesso à contracepção um direito humano que é fundamental para a igualdade de género e para o empoderamento das mulheres, salvando vidas e reduzindo a pobreza;[63] a par, o controlo da natalidade foi considerado entre as 10 grandes conquistas da saúde pública do século 20.[64]
Para optimizar o controle das mulheres sobre a gravidez, é essencial que os conselhos e meios contraceptivos culturalmente apropriados estejam disponíveis de maneira ampla, fácil e económica para qualquer pessoa sexualmente activa, incluindo adolescentes. Em muitas partes do mundo, o acesso aos serviços de contracepção e planeamento familiar é muito difícil ou inexistente e, mesmo em países desenvolvidos, as tradições culturais e religiosas podem criar barreiras ao acesso. O uso relatado de contraceptivos adequados por mulheres aumentou apenas ligeiramente entre 1990 e 2014, com considerável variabilidade regional. Embora o uso global esteja em torno de 55%, pode ser tão baixo quanto 25% em África. Em todo o mundo, 222 milhões de mulheres não têm ou têm acesso limitado à contracepção. É necessário algum cuidado na interpretação dos dados disponíveis, uma vez que a prevalência de contraceptivos é muitas vezes definida como "a percentagem de mulheres que actualmente usam qualquer método de contracepção entre todas as mulheres em idade reprodutiva (ou seja, aquelas com idade entre 15 e 49 anos, a menos que indicado de outra forma) que são casadas ou em união. O grupo “em união” inclui mulheres que vivem com seu parceiro na mesma casa e que não são casadas de acordo com as leis ou costumes de casamento de um país."[65] Esta definição é mais adequada para o conceito mais restritivo de planeamento familiar, mas omite as necessidades contraceptivas de todas as outras mulheres e meninas que são ou têm probabilidade de ser sexualmente activas, estão em risco de gravidez e não são casadas ou não estão "em união".[37][66][61][62]
Três alvos relacionados com o ODM5 foram a taxa de natalidade de adolescentes, prevalência de contraceptivos e necessidade não atendida de planeamento familiar (onde prevalência + necessidade não atendida = necessidade total), monitorizados pela Divisão de População do Departamento de Assuntos Económicos e Sociais da ONU.[67] O uso de contraceptivos fazia parte do Objectivo 5B (acesso universal à saúde reprodutiva), conforme o Indicador 5.3.[68] A avaliação do ODM5 em 2015 mostrou que o uso entre casais aumentou em todo o mundo de 55% para 64%, com um dos maiores aumentos na África Subsariana (13 a 28%). O corolário, necessidade não atendida, diminuiu ligeiramente em todo o mundo (15 a 12%).[37] Em 2015, essas metas passaram a fazer parte do ODS5 (igualdade de género e empoderamento) sob a Meta 5.6: Garantir o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e aos direitos reprodutivos, onde o Indicador 5.6.1 é a proporção de mulheres com idades entre 15-49 anos que fazem as suas próprias decisões informadas sobre relações sexuais, uso de contraceptivos e cuidados de saúde reprodutiva (p. 31).[69]
Continuam a existir barreiras significativas no acesso à contracepção para muitas mulheres em regiões em desenvolvimento e desenvolvidas. Isso inclui barreiras legislativas, administrativas, culturais, religiosas e económicas, além daquelas relacionadas com o acesso e à qualidade dos serviços de saúde. Grande parte da atenção focou-se na prevenção da gravidez na adolescência. O Overseas Development Institute (ODI) identificou uma série de barreiras principais, tanto do lado da oferta quanto da demanda, incluindo valores sócio-culturais, pressão de membros da família e barreiras cognitivas (falta de conhecimento), que precisam de ser resolvidas.[70][71] Mesmo em regiões desenvolvidas muitas mulheres, particularmente aquelas em desvantagem, podem enfrentar dificuldades substanciais de acesso que podem ser financeiras e geográficas, mas também podem enfrentar discriminação religiosa e política.[72] Muitas mulheres também montaram campanhas contra formas potencialmente perigosas de contracepção, como dispositivos intrauterinos (DIU) defeituosos, particularmente o Escudo Dalkon.[73]
Aborto
O aborto é a interrupção intencional da gravidez, em comparação com a interrupção espontânea (aborto espontâneo). O aborto está intimamente ligado à contracepção em termos de controlo e regulamentação das mulheres sobre a sua reprodução, e muitas vezes está sujeito a restrições culturais, religiosas, legislativas e económicas semelhantes. Onde o acesso à contracepção é limitado, as mulheres recorrem ao aborto. Consequentemente, as taxas de aborto podem ser usadas para estimar as necessidades não atendidas de contracepção.[74] No entanto, os procedimentos disponíveis representaram um grande risco para as mulheres ao longo da história, e ainda o fazem no mundo em desenvolvimento, ou onde as restrições legais forçam as mulheres a procurar instalações clandestinas.[75][74] O acesso ao aborto legal e seguro representa uma carga indevida para os grupos socioeconómicos mais baixos e em jurisdições que criam barreiras significativas.[76]
Globalmente, houve 87 milhões de gestações indesejadas em 2005 sendo que, destas, 46 milhões recorreram ao aborto; das que recorreram, 18 milhões foram consideradas inseguras, resultando em 68.000 mortes. A maioria dessas mortes ocorreu no mundo em desenvolvimento. As Nações Unidas consideram isso evitável através do acesso ao aborto seguro e atenção pós-aborto.[44] Em Portugal o aborto foi legalizado em 2007. Nos anos seguintes, registou-se um aumento do número de abortos, com mais de 20 mil abortos em cada ano. Desde 2012, a tendência deu a volta e o número tem vindo a cair. Em 2017, foram realizadas 15 492 interrupções, com a descida mais pronunciada a acontecer na faixa etária de mulheres entre os 15 e os 19 anos, enquanto a maior subida aconteceu nas mulheres mais velhas, entre os 45 e os 49 anos, com mais 146% de abortos registados.[77][78]
No Brasil o aborto é ilegal, mas não é punível pela lei em algumas situações. Estas três situações são: preservar a vida ou a saúde de uma mulher; em casos de violação; e se o feto for anencefálico.[79][80] Por causa da proibição do aborto no Brasil, há a presença de clínicas clandestinas que realizam o procedimento.[81] Elas geralmente encontram-se em situação precária e não têm médicos e outros profissionais de saúde habilitados a fazerem um procedimento seguro.[81] Há divergências com várias outras fontes não governamentais quanto ao número real de procedimentos ilegais realizados. A estimativa do Instituto Guttmacher sobre abortos ilegais é a mais usada nas últimas décadas no Brasil, é feita pela chamada metodologia AGI e projeta cerca de 800.000 abortos clandestinos por ano. Outra pesquisa amplamente citada é a Pesquisa Nacional do Aborto 2016 (PNA 2016),[82] coordenada pela ativista pró-escolha e investigadora Débora Diniz. No PNA de 2016, estima-se que 503.000 abortos clandestinos por ano para o Brasil. Uma das críticas mostra que uma das referências metodológicas do PNA 2016, admite que pode ter sido inserida, na estimativa dos abortos do PNA 2016, abortos espontâneos juntamente com abortos clandestinos e isso pode inflacionar a estimativa.[83] Outra pesquisa académica publicada numa revista internacional sobre o aborto traz dados ainda mais discrepantes, indicando que haveria apenas 48.000 abortos clandestinos por ano no Brasil. No debate académico, a controvérsia mantém-se e a polarização do debate mantém-se, com grandes discrepâncias entre cada estimativa. Em 2017, um obstetra disse, como consta de um relatório de debate no Senado,[84] que o número de abortos ilegais no Brasil não ultrapassaria os 100.000 casos por ano. No mesmo debate, estes dados foram contrariados por outro médico, que citou os dados da investigação do Instituto Guttmacher, falando de cerca de 800.000 abortos.[85]
Enquanto as taxas de aborto têm decaído nos países desenvolvidos, o mesmo não acontece nos países em desenvolvimento. Entre 2010–2014, houve 35 abortos por 1000 mulheres com idades entre 15–44, um total de 56 milhões de abortos por ano.[44] As Nações Unidas prepararam recomendações para que os profissionais de saúde forneçam possibilidades de realização de abortos e cuidados pós-aborto mais acessíveis e seguros. Uma parte inerente da atenção pós-aborto envolve o fornecimento de anti-contraceptivos adequados.[86]
Doenças como a clamídia e a gonorreia também são causas importantes de doença inflamatória pélvica (DIP) e infertilidade subsequente. Outra consequência importante de algumas ISTs, como herpes genital e sífilis, é o aumento em três vezes do risco de contrair o VIH e também pode influenciar a progressão da transmissão.[88] Em todo o mundo, as mulheres e as meninas correm um maior risco de VIH. As ISTs, por sua vez, estão associadas à actividade sexual insegura que muitas vezes não é consensual.[87]
Mutilação genital feminina
A mutilação genital feminina (MGF) é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como "todos os procedimentos que envolvem a remoção parcial ou total da genitália feminina externa ou outras lesões nos órgãos genitais femininos por motivos não médicos". Algumas vezes é chamada de circuncisão feminina, embora esse termo seja enganoso porque implica que é análogo à circuncisão do prepúcio do pénis.[89] Consequentemente, o termo mutilação foi adoptado para enfatizar a gravidade do ato e o seu lugar como uma violação dos direitos humanos das mulheres. Posteriormente, o termo corte foi avançado para evitar ofender a sensibilidade cultural que interferiria no diálogo para a mudança. Para reconhecer esses pontos de vista, algumas agências usam o mutilação/corte genital feminino composto (MGF/C).[89]
Este problema afectou mais de 200 milhões de mulheres e meninas que estão vivas actualmente. A prática está concentrada em cerca de 30 países da África, Médio Oriente e Ásia.[90] A MGF afecta muitas religiões, nacionalidades e classes socioeconómicas e é altamente controverso. Os principais argumentos apresentados para justificar a MGF são higiene, fertilidade, preservação da castidade, um importante rito de passagem, possibilidade de casamento e maior prazer sexual dos parceiros masculinos.[11] A quantidade de tecido removido varia consideravelmente, levando a OMS e outros organismos a classificara a MGF em quatro tipos. Estes variam desde a remoção parcial ou total do clitóris com ou sem o prepúcio (clitoridectomia) no Tipo I, à remoção adicional dos pequenos lábios, com ou sem excisão dos grandes lábios (Tipo II) ao estreitamento do orifício vaginal (introitus) com a criação de um selo de cobertura por sutura do tecido labial remanescente sobre a uretra e introitus, com ou sem excisão do clitóris (infibulação). Nesse tipo, uma pequena abertura é criada para permitir que a urina e o sangue menstrual sejam liberados. O tipo 4 envolve todos os outros procedimentos, geralmente alterações relativamente pequenas, como o piercing.[91]
Embora defendido por aquelas culturas nas quais constitui uma tradição, a MGF é contestada por muitas organizações médicas e culturais sob o argumento de que é desnecessária e prejudicial. Os efeitos a curto prazo para a saúde podem incluir hemorragia, infecção, sepse e até mesmo resultar em morte, enquanto os efeitos a longo prazo incluem dispareunia, dismenorreia, vaginite e infecção do trato urinário.[92] Além disso, a MGF causa complicações durante a gravidez, o trabalho de parto e o parto. A reversão (desfibulação) por pessoal qualificado pode ser necessária para abrir o tecido cicatrizado.[93] Entre aqueles que se opõem à prática estão grupos de base locais e organizações nacionais e internacionais, incluindo a OMS, UNICEF,[94] UNFPA[95] e Amnistia Internacional.[96] Esforços legislativos para banir a MGF raramente tiveram sucesso e a abordagem preferida é a educação, a capacitação e o fornecimento de informações sobre os efeitos adversos à saúde, bem como os aspectos dos direitos humanos.[11]
Apesar de estar a haver progresso, as meninas de 14 anos ou menos representam 44 milhões das que foram mutiladas e, em algumas regiões, 50% de todas as meninas com 11 anos ou menos foram mutiladas.[97] A extinção da MGF foi considerada uma das metas necessárias para atingir as metas dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio,[96] enquanto as Nações Unidas declararam que acabar com a MGF é uma meta dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável; o dia 6 de fevereiro é também conhecido como o Dia Internacional do Tolerância Zero para a Mutilação Genital Feminina, concentrando-se em 17 países africanos e nas 5 milhões de meninas entre 15 e 19 anos que, de outra forma, seriam mutiladas até 2030.[97][98]
Infertilidade
Nos Estados Unidos, a infertilidade afecta 1,5 milhões de casais.[99][100] Em Portugal, este problema afecta 15% dos casais em idade reprodutiva.[101] Muitos casais procuram tecnologia de reprodução assistida (TRA) devido a infertilidade.[102] Já no Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o problema afeta 278.000 casais, representando 15% do total. Um casal com uma vida sexual ativa, que não usa métodos contraceptivos, tem uma hipótese em cinco de conceber todos os meses, o que representa 20%. Significa que oito em cada 10 casais terão um filho dentro de um ano. Os restantes 20% dos casais têm algum tipo de dificuldade em engravidar naturalmente e 10% terão de recorrer a tratamentos de reprodução assistida.[103]
Nos EUA, em 2010, foram realizados 147.260 procedimentos de fertilização in vitro (FIV), resultando em 47.090 nascimentos vivos.[104] Em 2013, esses números aumentaram para 160.521 e 53.252.[105] No entanto, cerca de metade das gestações de fertilização in vitro resultam em partos múltiplos, que por sua vez estão associados a um aumento na morbidade e mortalidade da mãe e do bebé. As causas incluem aumento da pressão arterial materna, nascimento prematuro e baixo peso ao nascer. Além disso, cada vez mais mulheres esperam cada vez mais tempo para engravidar e para ter acesso ao TRA.[105] Do outro lado do Atlântico, em Portugal, cerca de 3% do número total de nascimentos ocorridos acontece graças à procriação medicamente assistida.[101]
Casamento infantil
O casamento infantil (incluindo união ou coabitação)[106] é definido como o casamento com menos de dezoito anos e é um costume antigo. Em 2010, estimava-se que 67 milhões de mulheres, então na casa dos vinte anos, se casaram antes dos dezoito anos, e que 150 milhões passariam por isto na próxima década, o equivalente a 15 milhões por ano. Este número aumentou para 70 milhões em 2012. Nos países em desenvolvimento, um terço das meninas são casadas menores de idade e 1:9 antes dos 15 anos.[107] Em Portugal, durante o ano de 2018, foram registados 113 casamentos infantis, um número que em quatro anos duplicou.[108][109] Em 2019, a UNICEF Portugal declarou que, globalmente, uma em cada cinco mulheres casaram antes de completarem o seu 18º aniversário.[110] A prática é mais comum no Sul da Ásia (48% das mulheres), África (42%) e América Latina e Caribe (29%). A prevalência mais alta é na África Ocidental e Subsariana. A percentagem de meninas casadas antes dos 18 anos chega a 75% em países como o Níger (Nour, Tabela I).[11][107] A maioria dos casamentos infantis envolve meninas. Por exemplo, no Mali, a proporção de meninas para meninos é de 72:1, enquanto em países como os Estados Unidos a proporção é de 8:1. O casamento pode ocorrer logo no nascimento, com a menina sendo enviada para a casa do marido já aos sete anos.[11] Em Portugal, a idade mínima para contrair casamento é 16 anos, mediante uma autorização dos progenitores ou tutores. Na União Europeia, ainda há quatro países que permitem o casamento antes dos 18 anos.[110]
O Brasil, por outro lado, é o quarto país do mundo com maior número de casos, e o primeiro na América Latina, segundo um inquérito do Banco Mundial divulgado em 2015. Esta realidade afeta mais de 554.000 mulheres com idades compreendidas entre os 10 e os 17 anos no Brasil – mais de 65.000 delas com idades compreendidas entre os 10 e os 14 anos, segundo um estudo do Banco Mundial.[111] Em 2019, porém, o Congresso Nacional deu um pequeno passo para mudar esta realidade. O Senado Federal aprovou uma lei que altera o Código Civil para não permitir, em nenhuma circunstância, o casamento de menores de 16 anos.[112] É importante lembrar que mesmo que a legislação brasileira autorize o casamento entre indivíduos com idade igual ou superior a 16 anos, mas que ainda não atingiram a idade da maioria, é necessária autorização dos pais ou Justiça para a conclusão do ato.[112]
Existem vários factores culturais que reforçam esta prática. Eles incluem o futuro financeiro da criança, o seu dote, laços sociais e status social, prevenção de sexo antes do casamento, gravidez extraconjugal e DSTs. Os argumentos contrários incluem a interrupção da educação e a perda de perspectivas de emprego e, portanto, do status económico, bem como a perda da infância normal e do seu amadurecimento emocional e isolamento social. O casamento infantil coloca a jovem num relacionamento em que ela está num grande desequilíbrio de poder e perpetua a desigualdade de género, o que contribuiu para a prática em primeiro lugar.[113][114] Também no caso de menores, existem as questões de direitos humanos, actividade sexual não consensual e casamento forçado; um relatório conjunto de 2016 da OMS e da União Interparlamentar coloca os dois conceitos juntos como Casamento Antecipado e Forçado da Criança (CEFM), assim como o Girl Summit de 2014.[115] Além disso, as gravidezes prováveis numa idade jovem estão associadas a maiores riscos médicos para a mãe e o filho, gravidezes múltiplas e menos acesso a cuidados,[116][11][113] estando a gravidez entre as principais causas de morte de meninas entre os 15 e 19 anos. Meninas menores de idade casadas também têm maior probabilidade de serem vítimas de violência doméstica.[107]
Insta todos os Estados a promulgar, fazer cumprir e apoiar as leis e políticas destinadas a prevenir e acabar com o casamento precoce, forçado e infantil e proteger aqueles em risco, e garantir que o casamento seja celebrado apenas com o consentimento informado, livre e total dos futuros cônjuges
”
— ONU
, 5 de setembro de 2014.
Entre as organizações não governamentais (ONGs) que trabalham para acabar com o casamento infantil contam-se a Girls not Brides,[126]Young Women's Christian Association (YWCA), o Centro Internacional de Pesquisa sobre Mulheres (ICRW)[127] e Human Rights Watch (HRW).[128] Embora não esteja explicitamente incluído nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio originais, uma pressão considerável foi aplicada para incluir o fim do casamento infantil nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável sucessores, adoptados em setembro de 2015,[125] onde terminar esta prática até 2030 é uma meta do ODS 5 Igualdade de Género.[129] Embora haja algum progresso na redução do casamento infantil, especialmente para meninas com menos de 15 anos, as perspectivas são assustadoras.[130] O indicador para esta alegação será a percentagem de mulheres com idade entre 20 e 24 anos que se casaram ou estiveram em união antes dos dezoito anos. Os esforços para acabar com o casamento infantil incluem legislação e garantia de aplicação da mesma, juntamente com o empoderamento de mulheres e meninas.[107][113][115][114]
Ciclo menstrual
Os ciclos menstruais das mulheres, o ciclo aproximadamente mensal de mudanças no sistema reprodutivo, podem representar desafios significativos para as mulheres nos seus anos reprodutivos (do início da adolescência até cerca dos 50 anos de idade). Estes incluem as alterações fisiológicas que podem afectar a saúde física e mental, sintomas de ovulação e descamação regular do revestimento interno do útero (endométrio) acompanhada por sangramento vaginal (menstruação). O início da menstruação pode ser alarmante para meninas não preparadas para o acontecimento e ser confundida com uma doença. A menstruação pode representar uma carga indevida para as mulheres em termos da sua capacidade de participar em actividades e acesso a produtos para a menstruação, como absorventes internos (tampões) e absorventes externos. Isto atinge particularmente os grupos socioeconómicos mais pobres, onde pode representar um fardo financeiro, e nos países em desenvolvimento, onde a menstruação pode ser um obstáculo à educação de uma menina.[131]
Igualmente desafiador para as mulheres são as mudanças fisiológicas e emocionais associadas à cessação da menstruação (menopausa). Embora normalmente ocorra gradualmente no final da quinta década de vida, marcada por sangramento irregular, a cessação da ovulação e menstruação é acompanhada por mudanças marcantes na actividade hormonal, tanto pelo próprio ovário (estrogénio e progesterona) quanto pela glândula pituitária (hormona folículo-estimulante ou FSH e hormona luteinizante ou LH). Essas alterações hormonais podem estar associadas a sensações sistémicas, como ondas de calor, e alterações locais no trato reprodutivo, como redução das secreções vaginais e lubrificação. Embora a menopausa possa trazer alívio dos sintomas da menstruação e do medo da gravidez, ela também pode ser acompanhada por mudanças emocionais e psicológicas associadas ao simbolismo da perda de fertilidade, um lembrete do envelhecimento e possível perda de desejo. Embora a menopausa geralmente ocorra naturalmente como um processo fisiológico, ela pode ocorrer mais cedo (menopausa prematura) como resultado de uma doença ou de intervenção médica ou cirúrgica. Quando a menopausa ocorre prematuramente, as consequências adversas podem ser mais graves.[132][133]
Mulheres e homens têm experiências diferentes das mesmas doenças, especialmente doenças cardiovasculares, cancro, depressão e demência,[137] e são mais propensas a infecções do trato urinário do que os homens.[1]
Doença cardiovascular
A doença cardiovascular é a principal causa de morte (30%) entre as mulheres nos Estados Unidos, e a principal causa de doença crónica entre elas, afectando quase 40% (Gronowski e Schindler, Tabelas I e IV).[6][7][137] Segundo a Fundação Portuguesa de Cardiologia, as doenças cardiovasculares fazem em Portugal, anualmente, mais de 20 mil vítimas entre as mulheres.[138] No Brasil, as doenças cardiovasculares representam as principais causas de morte. De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 300 mil indivíduos por ano sofrem de enfarte agudo do miocárdio (AMI), com morte em 30% destes casos. Estima-se que até 2040 haverá um aumento de até 250% destes eventos no país.[139] Entre as mulheres, as doenças cardiovasculares são responsáveis por 30% das mortes, ultrapassando o número de cancros ginecológicos, como os cancros da mama e do ovário.[140]
O início de doenças cardiovasculares ocorre mais tarde nas mulheres do que nos homens. Por exemplo, a incidência de AVC em mulheres com menos de 80 anos é menor do que nos homens, mas maior naquelas com mais de 80 anos. De modo geral, o risco de AVC ao longo da vida nas mulheres é superior ao dos homens.[27][28] O risco de doenças cardiovasculares entre pessoas com diabetes e fumadores também é maior em mulheres do que em homens.[6] Muitos aspectos da doença cardiovascular variam entre mulheres e homens, incluindo factores de risco, prevalência, fisiologia, sintomas, resposta à intervenção e resultado.[137]
Cancro
Mulheres e homens têm um risco aproximadamente semelhante de morrer de cancro, que é responsável por cerca de um quarto de todas as mortes e é a segunda principal causa de morte. No entanto, a incidência relativa de diferentes tipos de cancro varia entre mulheres e homens. Nos Estados Unidos, os três tipos mais comuns de cancro em mulheres em 2012 foram cancro do pulmão, mama e colorretal. Além disso, outros cancros importantes em mulheres, em ordem de importância, são ovariano, uterino (incluindo cancro endometrial e cervical (Gronowski e Schindler, Tabela III).[6][141] Números semelhantes foram relatados em 2016.[142] Enquanto as taxas de mortalidade aumentaram rapidamente durante o século XX, o aumento foi menor e mais tarde nas mulheres devido às diferenças nas taxas de tabagismo. Mais recentemente, as taxas de mortalidade por cancro começaram a diminuir à medida que o uso do tabaco se tornou menos comum. Entre 1991 e 2012, a taxa de mortalidade nas mulheres diminuiu 19% (menos do que nos homens). No início do século XX, a morte por cancro uterino (corpo uterino e colo do útero) era a principal causa de morte por cancro em mulheres, que apresentavam uma mortalidade por cancro mais alta do que os homens. Mais tarde, as mortes por cancro uterino diminuíram, principalmente devido às taxas de mortalidade mais baixas por cancro do colo do útero após a disponibilidade do teste de triagem Papanicolau (Pap). Isso resultou numa redução geral das mortes por cancro em mulheres entre as décadas de 1940 e 1970, quando as taxas crescentes de cancro de pulmão levaram a um aumento geral. Na década de 1950, o declínio do cancro uterino deixou o cancro de mama como a principal causa de morte por cancro, até que foi superado pelo cancro de pulmão na década de 1980. Todos os três cancros (pulmão, mama, útero) estão agora a diminuir nas taxas de mortalidade por cancro (Siegel et al. Figura 8),[142] mas mais mulheres morrem de cancro de pulmão a cada ano do que de mama, ovário e uterino combinados. No geral, cerca de 20% das pessoas com cancro de pulmão nunca fumaram, mas entre as mulheres não fumadoras o risco de desenvolver cancro de pulmão é três vezes maior do que entre os homens que nunca fumaram.[137]
Além da mortalidade, o cancro é uma causa de mortalidade considerável em mulheres. As mulheres têm uma probabilidade menor de serem diagnosticadas com cancro ao longo da vida (38% vs 45% para os homens), mas são mais propensas a serem diagnosticadas com cancro numa idade mais precoce.[7]
Cancro da mama
O cancro da mama é o segundo tipo de cancro mais comum no mundo e o mais comum entre as mulheres. Também está entre as dez doenças crónicas mais comuns em mulheres e contribui substancialmente para a perda de qualidade de vida (Gronowski e Schindler, Tabela IV).[6] Globalmente, é responsável por 25% de todos os cancros. Em 2016, o cancro da mama é o cancro mais comum diagnosticado entre mulheres em países desenvolvidos e em desenvolvimento, respondendo por quase 30% de todos os casos, e mundialmente é responsável por um milhão e meio de casos e mais de meio milhão de mortes, sendo a quinta causa de morte mais comum por cancro em geral e a segunda em regiões desenvolvidas. A variação geográfica na incidência é o oposto do cancro do colo do útero, sendo mais alta na América do Norte e mais baixa na África Oriental e Central, mas as taxas de mortalidade são relativamente constantes, resultando numa grande variação na mortalidade de casos, variando de 25% em regiões desenvolvidas a 37% nas regiões em desenvolvimento e 62% das mortes a ocorrer nos países em desenvolvimento.[17][143] Segundo a Direcção-Geral de Saúde, o cancro da cama é a segunda causa de morte no género feminino em Portugal, sendo que a probabilidade indica que uma em oito mulheres tem esta doença.[144] Contudo, as mulheres portuguesas têm uma das maiores taxas de sobrevivência ao cancro da mama, cerca de 85% aos cinco anos.[145] No Brasil, o cancro de mama é o tipo de cancro mais comum entre as mulheres, seguido pelos cancros do colo do útero, cólon e reto, pulmão e estômago. Apesar de não ser o cancro com maior mortalidade, o cancro da mama é uma das causas mais comuns de mortes por cancro em mulheres devido à grande quantidade de casos.[146] Em 2003, São Paulo teve a maior quantidade de novos casos diagnosticados, com 94 por cada 100 000 habitantes, seguida pelo Distrito Federal com 86,1/100 000 e Porto Alegre com 66,5/100 000.[147] Um dos motivos possíveis para esse elevado número de casos nas capitais é o elevado consumo de álcool e tabaco e a maior exposição a estimulantes hormonais femininos e a pesticidas nos alimentos.[148]
Globalmente, o cancro do colo do útero é o quarto tipo de cancro mais comum entre as mulheres, particularmente aquelas de nível socioeconómico mais baixo. As mulheres neste grupo têm acesso reduzido aos cuidados de saúde, altas taxas de casamento infantil e forçado, paridade, poligamia e exposição a DSTs através de múltiplos contactos sexuais de parceiros masculinos. Todos esses factores as colocam em maior risco.[11] Nos países em desenvolvimento, o cancro do colo do útero é responsável por 12% dos casos de cancro entre as mulheres e é a segunda principal causa de morte, onde cerca de 85% da carga global de mais de 500.000 casos e 250.000 mortes por esta doença ocorreram em 2012. A maior incidência ocorre na África Oriental, onde, juntamente com a África Central, o cancro do colo do útero é o cancro mais comum em mulheres. A taxa de letalidade de 52% também é maior nos países em desenvolvimento do que nos desenvolvidos (43%), e a taxa de mortalidade varia 18 vezes entre as regiões do mundo.[149][17][143]
O cancro do colo do útero está associado ao vírus do papiloma humano (VPH), que também tem estado implicado em cancros da vulva, vagina, ânus e orofaringe. Quase 300 milhões de mulheres em todo o mundo foram infectadas com VPH, uma das infecções sexualmente transmissíveis mais comuns, e 5% dos 13 milhões de novos casos de cancro no mundo foram atribuídos ao VPH.[150][88] Em Portugal, estima-se que todos os anos mil mulheres sejam diagnosticadas com cancro do colo do útero.[151] No Brasil, com exceção do cancro da pele não-melanoma, o cancro do colo do útero é o terceiro tumor maligno mais frequente na população feminina (por trás do cancro da mama e colorretal), e a quarta causa de morte das mulheres por cancro no país, com um total de 6.526 mortes em 2018.[152] Em 2020, estimou-se que houve 16.590 novos casos de cancro do colo do útero no Brasil.[152]
Em países desenvolvidos, o rastreio do cancro do colo do útero com o teste de Papanicolau identificou alterações pré-cancerosas no colo do útero, pelo menos nas mulheres com acesso a cuidados de saúde. Além disso, um programa de vacina contra o VPH está disponível em 45 países. Os programas de rastreio e prevenção têm disponibilidade limitada nos países em desenvolvimento, embora programas baratos de baixa tecnologia estejam a ser desenvolvidos,[153] mas o acesso ao tratamento também é limitado.[149] Se aplicada globalmente, a vacinação contra o VPH com cobertura de 70% poderia salvar a vida de 4 milhões de mulheres com cancro do colo do útero, uma vez que a maioria dos casos ocorre em países em desenvolvimento.[6]
Cancro do ovário
Em contraste, o cancro do ovário, a principal causa de mortes por cancro de órgãos reprodutivos e a quinta causa mais comum de mortes por cancro em mulheres nos Estados Unidos, carece de um programa de rastreio eficaz e é predominantemente uma doença de mulheres em países industrializados. Por ser amplamente assintomático nos estágios iniciais, mais de 50% das mulheres têm cancro em estágio III ou superior (disseminação além dos ovários) no momento em que são diagnosticadas, com um consequente prognóstico negativo.[142][6] Em 2018 surgiram, em Portugal, 574 novos casos de cancro do ovário, e no mesmo ano verificaram-se 412 mortes devido a esta doença.[154] Também em 2018, verificaram-se 3.984 mortes por cancro de ovário no Brasil.[155]
Saúde Mental
Quase 25% das mulheres terão problemas de saúde mental ao longo da vida.[156] As mulheres correm maior risco do que os homens de apresentar ansiedade, depressão e queixas psicossomáticas.[17] Globalmente, a depressão constitui a principal carga de doenças. Nos Estados Unidos, as mulheres têm depressão duas vezes mais que os homens. Os custos económicos da depressão em mulheres americanas são estimados em 20 biliões de dólares a cada ano. Os riscos de depressão em mulheres têm sido associados a mudanças no ambiente hormonal que as mulheres experimentam, incluindo puberdade, menstruação, gravidez, parto e menopausa.[137] As mulheres também metabolizam medicamentos usados para tratar a depressão de forma diferente dos homens.[137][157]As taxas de suicídio são menores em mulheres do que em homens (<1% vs. 2,4%),[27][28] mas são a principal causa de morte em mulheres com menos de 60 anos.[17] No Reino Unido, a Women's Mental Health Taskforce foi formada com o objectivo de abordar diferenças nas experiências e necessidades de saúde mental entre mulheres e homens.[158]
Demência
A prevalência da doença de Alzheimer nos Estados Unidos é estimada em 5,1 milhões e, destes, dois terços são mulheres. A nível global, as mulheres constituem entre dois terços e três quartos das pessoas com demência. O risco de demência duplica a cada 5 anos depois dos 65 anos, sendo a idade o maior fator de risco. Além disso, as mulheres têm muito mais probabilidade de serem as principais cuidadoras de familiares adultos com depressão, de modo a que suportam os riscos e os encargos dessa doença. Parte dessa diferença pode ser devido à esperança de vida, mas a mudança do estado hormonal ao longo da vida também pode desempenhar um papel importante, assim como as diferenças na expressão genética. Há estudos que salientam a influência das alterações hormonais no metabolismo cerebral depois da menopausa, nomeadamente a perda de estrogénio, cujos défices podem levar à demência.[137][159] Mortes devido à demência são maiores em mulheres do que em homens (4,5% das mortes vs. 2,0%).[6]
Saúde óssea
A osteoporose ocupa o sexto lugar entre as doenças crónicas das mulheres nos Estados Unidos, com uma prevalência geral de 18%, e uma taxa muito maior envolvendo o fémur, o pescoço ou a coluna lombar entre as mulheres (16%) do que os homens (4%), acima da idade de 50 (Gronowski e Schindler, Tabela IV).[6][7][160] A osteoporose é um factor de risco para haver fractura óssea e cerca de 20% dos idosos que sofrem uma fractura do quadril morrem no espaço de um ano.[6][161] A diferença de género é em grande parte o resultado da redução dos níveis de estrogênio em mulheres após a menopausa. A terapia de reposição hormonal (TRH) demonstrou reduzir esse risco em 25-30%,[162] e foi uma razão comum para prescrevê-la durante as décadas de 1980 e 1990. No entanto, o estudo da Women's Health Initiative (WHI) demonstrou que os riscos da TRH superavam os benefícios[163] o que, desde então, levou a um declínio no uso da TRH.[164]
Anemia
A anemia é um grande problema de saúde global para as mulheres.[165] As mulheres são mais afectadas que os homens, em que até 30% das mulheres apresentam anemia e, destas, 42% são afectadas durante a gravidez. A anemia está associada a uma série de resultados adversos à saúde, incluindo um resultado negativo na gravidez e na função cognitiva prejudicada (concentração e atenção diminuídas).[166] A principal causa da anemia é a deficiência de ferro. Nos Estados Unidos, a anemia por deficiência de ferro (ADF) em mulheres afecta 37% das mulheres grávidas, mas globalmente a prevalência chega a 80%. A ADF começa na adolescência, com a perda excessiva de sangue menstrual, agravada pela maior demanda de ferro no crescimento e ingestão alimentar abaixo do ideal. Na mulher adulta, a gravidez leva a uma maior depleção de ferro.[6]
Violência
As mulheres vivenciam violênciaestrutural e pessoal de maneira diferente dos homens. As Nações Unidas definiram violência contra as mulheres como:[167]
“
qualquer ato de violência de género que resulte, ou possa resultar, em dano físico, sexual, mental ou sofrimento às mulheres, incluindo ameaças de tais actos, coerção ou privação arbitrária de liberdade, ocorrendo em público ou em privado.
”
— Nações Unidas, Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres
, 1993.
A violência contra as mulheres pode assumir várias formas, incluindo físicas, sexuais, emocionais e psicológicas, e pode ocorrer ao longo da vida. A violência estrutural pode estar embutida na legislação ou na política, ou ser misoginia sistemática por parte de organizações contra grupos de mulheres. Os perpetradores de violência pessoal incluem actores estatais, estranhos, conhecidos, parentes e parceiros íntimos e manifesta-se num espectro de discriminação, através de assédio, agressão sexual, violação e dano físico a assassinato (feminicídio). Também pode incluir práticas culturais, como a mutilação genital feminina.[168][169]
A violência não fatal contra as mulheres tem graves implicações para a sua saúde física, mental e reprodutiva, e é vista não apenas como eventos isolados, mas como um padrão sistemático de comportamento que não só viola os seus direitos mas também limita o seu papel na sociedade e requer uma abordagem sistemática.[170]
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 35% das mulheres no mundo sofreram violência física ou sexual ao longo da vida e que a situação mais comum é a violência pelo parceiro íntimo. 30% das mulheres em relacionamentos relatam tal experiência, e 38% dos assassinatos de mulheres são levados a cabo por parceiros íntimos. Esses números podem chegar a 70% em algumas regiões.[171] Os factores de risco incluem baixo desempenho educacional, experiência de violência por parte dos pais, abuso na infância, desigualdade de género e atitudes culturais que permitem que a violência seja considerada mais aceitável.[172]
A violência foi declarada uma prioridade de saúde global pela OMS na sua assembleia em 1996, com base na Declaração das Nações Unidas sobre a eliminação da violência contra as mulheres (1993)[167] e nas recomendações da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994) e da Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim, 1995)[173] Seguiu-se o seu Relatório Mundial sobre Violência e Saúde de 2002, que foca a violência sexual e o parceiro íntimo.[174] Enquanto isso, a ONU as incorporou num plano de acção quando a sua Assembleia Geral aprovou a Declaração do Milénio em setembro de 2000, que resolveu inter alia "combater todas as formas de violência contra as mulheres e implementar a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres".[175] Um dos Objectivos do Milénio (ODM 3) é a promoção da igualdade de género e o empoderamento das mulheres,[176] que busca eliminar todas as formas de violência contra as mulheres, bem como implementar a CEDAW.[121] Isto reconheceu que eliminar a violência, incluindo a discriminação, era um pré-requisito para alcançar todas as outras metas de melhoria da saúde das mulheres. No entanto, foi posteriormente criticado por não incluir a violência como um alvo explícito, o "alvo perdido".[177][98] Na avaliação do ODM 3, a violência permaneceu uma grande barreira para atingir os objectivos.[31][37] Nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável sucessores, que também listam explicitamente as questões relacionadas à discriminação, casamento infantil e mutilação genital, uma meta é listada como "Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas do sector público e privado" até 2030.[129][178][171]
A ONU Mulheres acredita que a violência contra as mulheres "está enraizada na discriminação com base no género e nas normas sociais e nos estereótipos de género que perpetuam essa violência", e defendem a passagem do apoio às vítimas à prevenção, abordando as causas estruturais e profundas. A ONU Mulheres recomenda programas que começam cedo na vida e são direccionados a ambos os sexos para promover o respeito e a igualdade, uma área muitas vezes esquecida nas políticas públicas. Esta estratégia, que envolve uma ampla mudança educacional e cultural, também envolve a implementação das recomendações da 57ª sessão da Comissão das Nações Unidas sobre o Status das mulheres[179] (2013).[180][181][182] Para esse fim, o Dia Internacional das Meninas da ONU de 2014 foi dedicado a acabar com o ciclo de violência.[183] Em 2016, a Assembleia Mundial da Saúde também adoptou um plano de acção para combater a violência contra a mulher, em âmbito global.[184]
Mulheres na pesquisa sobre saúde
Mudanças na forma como a ética em pesquisa era visualizada na início dos Julgamentos de Nuremberga (1946), levaram a uma atmosfera de proteccionismo de grupos considerados vulneráveis que muitas vezes era legislada ou regulamentada. Isso resultou na relativa sub-representação das mulheres nos ensaios clínicos. A posição das mulheres na pesquisa foi ainda mais comprometida em 1977, quando em resposta às tragédias resultantes da talidomida e do dietilestilbestrol (DES), a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos proibiu mulheres em idade fértil de participarem em ensaios em estágio clínico inicial. Na prática, essa proibição foi frequentemente aplicada de forma ampla para excluir grande parte das mulheres.[185][186] Mulheres, pelo menos aquelas em idade fértil, também foram consideradas sujeitos de pesquisa inadequados devido aos seus níveis hormonais flutuantes durante o ciclo menstrual. No entanto, a pesquisa demonstrou diferenças biológicas significativas entre os sexos nas taxas de susceptibilidade, sintomas e resposta ao tratamento em muitas áreas importantes da saúde, incluindo doenças cardíacas e alguns tipos de cancro. Essas exclusões representam uma ameaça à aplicação da medicina baseada em evidências às mulheres e comprometem os cuidados oferecidos a mulheres e homens.[6][187]
O foco crescente nos direitos das mulheres nos Estados Unidos durante a década de 1980 chamou a atenção para o facto de que muitos medicamentos prescritos para mulheres nunca haviam sido testados em mulheres com potencial para engravidar e que havia uma relativa escassez de pesquisas básicas sobre a saúde das mulheres. Em resposta a isto, os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) criaram o Escritório de Pesquisa sobre Saúde das mulheres (ORWH)[188] em 1990 para lidar com essas desigualdades. Em 1993, o National Institutes of Health Revitalization Act reverteu oficialmente a política dos EUA, exigindo que os ensaios clínicos de fase III financiados pelo NIH incluíssem mulheres.[137] Isso resultou num aumento no número de mulheres recrutadas para estudos de pesquisa. A próxima fase foi o financiamento específico de estudos epidemiológicos em grande escala e ensaios clínicos com foco na saúde das mulheres, como a Women's Health Initiative (1991), o maior estudo de prevenção de doenças realizado nos Estados Unidos. O seu papel era estudar as principais causas de morte, incapacidade e fragilidade em mulheres idosas.[189] Apesar desse progresso aparente, as mulheres continuam sub-representadas. Em 2006, as mulheres representaram menos de 25% dos ensaios clínicos publicados em 2004,[190] Um estudo de acompanhamento pelos mesmos autores cinco anos depois encontrou poucas evidências de melhoria.[191] Outro estudo encontrou entre 10–47% das mulheres em ensaios clínicos de doenças cardíacas, apesar da prevalência de doenças cardíacas em mulheres.[192] O cancro do pulmão é a principal causa de morte por cancro entre as mulheres, mas embora o número de mulheres inscritas em estudos de cancro do pulmão esteja a aumentar, elas têm muito menos probabilidade de serem inscritas do que os homens.[137]
Um dos desafios na avaliação do progresso nessa área é o número de estudos clínicos que não relatam o género dos indivíduos ou não têm poder estatístico para detectar diferenças de género.[190][193] Esses ainda eram problemas em 2014, ainda agravados pelo facto de que a maioria dos estudos com animais também excluem as fêmeas ou não levam em consideração as diferenças de género; por exemplo, apesar da maior incidência de depressão entre as mulheres, menos de metade dos estudos com animais usam fêmeas.[137] Consequentemente, uma série de agências de financiamento e revistas científicas têm pedido aos pesquisadores que abordem explicitamente questões de sexo e género nas suas pesquisas.[194][195]
Uma questão relacionada é a inclusão de mulheres grávidas em estudos clínicos. Visto que outras doenças podem coexistir com a gravidez, são necessárias informações sobre a resposta e a eficácia das intervenções durante a gravidez, mas as questões éticas relativas ao feto tornam isto mais complexo. Este preconceito de género é parcialmente compensado pelo início de estudos epidemiológicos de mulheres em grande escala, como o Nurse's Health Study (1976),[196]Women's Health Initiative[197] e Black Women's Health Study.[198][6]
As mulheres também foram alvo de abusos em pesquisas sobre cuidados de saúde, como a situação revelada no inquérito Cartwright na Nova Zelândia (1988), no qual uma pesquisa por duas jornalistas feministas[199] revelou que mulheres com anormalidades cervicais não estavam a receber tratamento, como parte de uma experiência. As mulheres não foram informadas das anormalidades e várias morreram mais tarde.[200]
Internacionalmente, muitas agências das Nações Unidas, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA)[205] e UNICEF[206] mantêm programas específicos sobre a saúde das mulheres ou saúde materna, sexual e reprodutiva.[1][207] Além disso, as metas globais das Nações Unidas tratam de muitas questões relacionadas com a saúde das mulheres, tanto directa quanto indirectamente. Estes incluem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio de 2000 (ODM)[175][46] e o seu sucessor, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável adotados em setembro de 2015, [50] após o relatório sobre o progresso em direção aos ODM (Relatório dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio 2015).[208][37] Por exemplo, os oito objetivos dos ODM, erradicar a pobreza extrema e a fome, alcançar a educação primária universal, promover a igualdade de género e empoderar as mulheres, reduzir as taxas de mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, combater o HIV, a malária e outras doenças, garantindo sustentabilidade ambiental e desenvolvimento de uma parceria global para o desenvolvimento, todos impactam na saúde das mulheres,[46][11] como fazem todos os dezessete objetivos dos ODS,[50] além do ODS 5 específico: Alcançar a igualdade de género e empoderar todas as mulheres e meninas.[129][209]
Metas e desafios
A pesquisa é uma prioridade em termos de melhoria da saúde das mulheres. As necessidades de pesquisa incluem doenças exclusivas das mulheres, mais graves nas mulheres e aquelas que diferem em factores de risco entre mulheres e homens. O equilíbrio de género em estudos de pesquisa precisa de ser equilibrado de forma adequada para permitir uma análise que detectará as interações entre género e outros factores.[6] Gronowski e Schindler sugerem que as revistas científicas tornem a documentação de género uma exigência ao relatar os resultados dos estudos com animais, e que as agências de financiamento exigem justificativa dos investigadores para qualquer desigualdade de género nas suas propostas de financiamento, dando preferência àquelas que são inclusivas. Eles também sugerem que deveria fazer parte do papel das organizações de saúde encorajar as mulheres a inscreverem-se em pesquisas clínicas. No entanto, houve progresso em termos de estudos de grande escala, como o WHI e, em 2006, a Society for Women's Health Research fundou a Organização para o Estudo das Diferenças de Sexo e o jornal Biology of Sex Differences para aprofundar o estudo das diferenças de sexo.[6]
Os resultados da pesquisa podem levar algum tempo antes de serem implementados rotineiramente na prática clínica. A medicina clínica precisa de incorporar as informações já disponíveis nos estudos de pesquisa sobre as diferentes maneiras pelas quais as doenças afectam mulheres e homens. Muitos valores laboratoriais "normais" não foram adequadamente estabelecidos para a população feminina separadamente, e da mesma forma os critérios "normais" para crescimento e desenvolvimento. A dosagem dos medicamentos deve levar em consideração as diferenças de género no metabolismo dos medicamentos.[6]
Globalmente, o acesso das mulheres aos cuidados de saúde continua a ser um desafio, tanto nos países em desenvolvimento como nos desenvolvidos. Nos Estados Unidos, antes da Lei de Assistência Médica Acessível entrar em vigor, 25% das mulheres em idade reprodutiva não tinham seguro saúde.[210] Na ausência de seguro adequado, as mulheres tendem a evitar etapas importantes para o autocuidado, como exame físico de rotina, exames de rastreamento e prevenção, e cuidado pré-natal. A situação é agravada pelo facto de que as mulheres que vivem abaixo da linha da pobreza correm maior risco de gravidez não planeada, parto não planeado e aborto. Soma-se à carga financeira deste grupo o baixo desempenho educacional, a falta de transporte, horários de trabalho inflexíveis e a dificuldade de obter creches, todos os quais funcionam para criar barreiras ao acesso aos cuidados de saúde. Esses problemas são muito piores nos países em desenvolvimento. Menos de 50% dos partos nestes países são assistidos por profissionais de saúde (por exemplo, parteiras, enfermeiras, médicos), o que é responsável por taxas mais altas de morte materna, até 1: 1.000 nados-vivos. Isto apesar dos padrões de definição da OMS, como um mínimo de quatro consultas pré-natais.[211] A falta de profissionais de saúde, instalações e recursos, como formulários, contribuem para altos níveis de mortalidade entre as mulheres por doenças evitáveis, como fístulas obstétricas, doenças sexualmente transmissíveis e cancro do colo do útero.[6]
Esses desafios estão incluídos nas metas do Office of Research on Women's Health, dos Estados Unidos, assim como a meta de facilitar o acesso das mulheres às carreiras em biomedicina. O ORWH acredita que uma das melhores maneiras de fazer avançar a pesquisa em saúde das mulheres é aumentar a proporção de mulheres envolvidas em saúde e pesquisa em saúde, bem como assumir a liderança no governo, centros de ensino superior e no setor privado.[189] Essa meta reconhece o tecto de vidro que as mulheres enfrentam nas carreiras científicas e na obtenção de recursos de subsídios a salários e espaço de laboratório.[212] A Fundação Nacional da Ciência nos Estados Unidos afirma que as mulheres ganham apenas metade dos doutorados concedidos em ciência e engenharia, preenchem apenas 21% dos cargos de professor em tempo integral em ciências e 5% daqueles em engenharia, enquanto ganham apenas 82 % da remuneração que os seus colegas do sexo masculino ganham. Esses números são ainda menores na Europa.[212]
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