A Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva (PNASA) foi instituída no Brasil pela Portaria MS nº 2.073, de 2004[1] visando a promoção de ações de saúde auditiva no Sistema Único de Saúde (SUS). A PNASA dispõe sobre a organização hierárquica e regionalizada de uma rede de atenção integral (diagnóstico, reabilitação, promoção e proteção) em saúde auditiva e, também, sobre a oferta de terapia fonoaudiológica.[2][1][3][4]
Em 2011, com o objetivo de promover por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações, o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência, foi publicado o Decreto nº 7.612 de 17 de novembro de 2011, que instituiu o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Plano Viver sem Limites, e a Portaria nº 793 de 24 de abril de 2012 que institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do SUS.[5]
Essa portaria é constituída por três componentes: atenção básica, média complexidade e alta complexidade. A atenção básica tem como objetivo realizar ações de caráter individual ou coletivo, voltadas para a promoção da saúde auditiva, da prevenção e da identificação precoce dos problemas auditivos, bem como ações informativas, educativas e de orientação familiar. A média complexidade está direcionada na realização da triagem e monitoramento da audição, da atenção diagnóstica e da terapêutica especializada, garantidas a partir do processo de referência e contra referência do paciente portador de deficiência auditiva, excluindo o diagnóstico e a protetização de crianças até três anos de idade, pacientes com afecções associadas e perdas auditivas unilaterais, ações, para cujo desempenho neste nível de atenção será criado o Serviço de Atenção à Saúde Auditiva na Média Complexidade. E na alta complexidade, realiza o diagnóstico e terapia especializada, sendo garantidas a partir do processo de referência e contra-referência do paciente portador de deficiência auditiva, ações, para cujo desempenho neste nível de atenção será criado o Serviço de Atenção à Saúde Auditiva na Alta Complexidade.[6]
Precedentes
A formulação da Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva (PNASA) tem como precedentes a elevada prevalência de perda auditiva na população.[7][1][3] No mundo, estima-se que cerca de 278 milhões de indivíduos apresentem perda auditiva de grau moderado ou profundo,[8] enquanto no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2013, 1,1% da população apresentava grau significativo de perda auditiva (deficiência auditiva).[7]
A criação da PNASA também decorre do quadro de transição demográfica e epidemiológica vistos no Brasil e no mundo, com destaque para o acelerado envelhecimento populacional, o aumento da expectativa de vida e o aumento da incidência de doenças crônicas e neurodegenerativas, que podem atuar como fatores de risco para a perda auditiva, como no caso da presbiacusia.[9][10][11]
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que até 2050 mais de 900 milhões de pessoas, cerca de 1 em cada 10, apresentará perda auditiva incapacitante, podendo gerar um impacto de 750 bilhões de dólares por ano.[12] Assim, a formulação de uma política pública com o objetivo de garantir o acesso à saúde auditiva foi considerada relevante ao permitir a triagem, tratamento e reabilitação precoce em saúde auditiva, dado que metade de todos os casos de perda auditiva pode ser evitado por medidas de saúde pública.[4][13][12][14][15]
Implementação
Anteriormente à PNASA, foi estabelecida, em 2000, a primeira Portaria (SAS/MS nº 432, publicada em 14 de novembro de 2000) referente à assistência em saúde auditiva, em específico sobre adaptação de aparelhos de amplificação sonora individual e do acompanhamento de indivíduos deficientes auditivos.
De acordo com levantamento realizado por meio do SIA/SUS (DATASUS) em 2004 apenas 16% dos serviços credenciados seguiam os procedimentos exigidos pela Portaria relativos à saúde auditiva, tendo como base a tabela SIA/SUS.[16] Sendo que desse total de serviços, apenas 25% apresentavam registro de ao menos um tipo de procedimento (diagnóstico, terapia ou concessão de AASI), mas sem proporcionar atendimento integral e centrado no paciente.[17]
Assim, a PNASA foi implementada tendo como foco a promoção integral da atenção à saúde auditiva no âmbito do SUS e em concordância com relatórios estáticos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e com a evidência do crescente aumento do risco de exposição à perda auditiva.[18][19][20][21]
A implementação e controle de sistemas de regulação e avaliação continuada aos usuários com perda auditiva garantem a universalidade do acesso, a equidade, a integralidade e o controle social, entre outros princípios do SUS, sendo indicativos e significativos na formação da rede nacional e regional.[5].
Neste sentido, a Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina, por meio da Área Técnica da Saúde da Pessoa com Deficiência (ATPCD), da Superintendência de Serviços Especializados e Regulação, elaborou as Diretrizes de Atenção à Saúde Auditiva na Rede de Cuidados à Pessoa Com Deficiência em Santa Catarina. Estas Diretrizes são instrumento norteador para a execução, monitoramento e avaliação das ações do Programa de Saúde Auditiva do SUS em Santa Catarina.[5][22]
De acordo com as Diretrizes, existem critérios de indicação de AASI (Aparelho de Amplificação Sonora Individual), estes critérios são divididos da seguinte forma:
1. Classe I, quando há consenso quanto à indicação do AASI:
- Adultos com perda auditiva bilateral permanente que apresentem, no melhor ouvido, média dos limiares tonais nas frequências de 500, 1000 e 2000 Hz ou de 500, 1000 e 2000 e 4.000 Hz, superior a 40 dB NA; e
- Crianças (até 15 anos incompletos) com perda auditiva bilateral permanente que apresentem, no melhor ouvido, média dos limiares tonais nas frequências de 500, 1000 e 2000 Hz ou 500, 1000 e 2000 e 4.000 Hz, superior a 30 dBNA;
2. Classe II, quando há controvérsia quanto à indicação do AASI, devendo ter avaliação da necessidade:
- Crianças com perdas auditivas mínimas;
- Indivíduos com perdas unilaterais;
- Indivíduos com perdas flutuantes;
- Indivíduos adultos com perda auditiva profunda bilateral pré-lingual, não oralizados;
- Indivíduos com alterações neurais ou retrococleares; e
- Indivíduos com perda auditiva limitada a frequência acima de 3000Hz.
3. Classe III, quando há consenso quanto à contraindicação de AASI:
- Indivíduos com intolerância a amplificação devido a desconforto intenso;[5]
Resultados
Com a implementação da PNASA, ações específicas foram definidas e coordenadas no âmbito das Secretarias Estaduais de Saúde (Portaria SAS/MS nº 587, de 2004),[23] além também do estabelecimento de critérios para o funcionamento e realização de procedimentos em saúde auditiva no SUS (Portaria SAS/MS nº 589, de 2004).[24] Entre as propostas desenvolvidas a partir da PNASA destaca-se a organização de uma linha de cuidados, visando ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação no contexto da atenção básica e especializada.[2] A política também preconizou a importância da determinação e condicionamento das etiologias relacionadas as perdas auditivas e de situações que potencializem a deficiência auditiva.[1]
De acordo com um estudo avaliativo da cobertura de serviços especializados em saúde auditiva, entre os anos de 2004 e 2011, com dados levantados por meio do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).[25] Como resultado o estudo evidenciou um aumento de 113% na cobertura dos serviços e 61% na quantidade de procedimentos diagnósticos realizados em todo o Brasil.[25] O estudo destacou também um aumento superior na região Norte, de 78%, no número de procedimentos, maior que outras regiões e proporcionalmente menor que à região Sudeste.[25]
No caso específico dos indivíduos acometidos por deficiência auditiva, a PNASA em conjunto com a Política Nacional da Saúde da Pessoa com Deficiência e as diretrizes do SUS, que garantem a equidade de acesso, integralidade e universalidade nas ações da saúde auditiva,[2] no ano de 2010 foi publicado um levantamento que buscou mensurar o conhecimento da população sobre as políticas públicas voltadas para saúde auditiva.
Os participantes apresentaram prevalência de 4,9% e 3,1% de deficiência auditiva em 2003 e 2008, respectivamente, antes e após a implementação da política.[26] Segundo a pesquisa, realizada no município de São Paulo, cerca de 38,4% dos entrevistados referiram ter conhecimento ou serem atendidos pela política em função de quadros de perda auditiva em 2003, frente a 22,3% no ano de 2010.[26]
Dessa maneira, a pesquisa evidenciou que uma parcela reduzida da população tem conhecimento ou é assistida pela PNASA, logo a conclusão do estudo foi que existe a necessidade de melhoras na avaliação e efetividade das políticas voltadas para a saúde auditiva, de forma a garantir maior equidade e universalidade de acesso aos serviços de saúde especializados.[25][26]
Referências
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