Spinoza foi criado na comunidade luso-judaica em Amsterdã. Ele desenvolveu ideias altamente controversas a respeito da autenticidade da Bíblia Hebraica e da natureza do Divino. Autoridades religiosas judaicas emitiram um chérem (em hebraico: חרם) contra ele, levando-o a ser efetivamente expulso e repudiado pela sociedade judaica, aos 23 anos, inclusive por sua própria família. Seus livros foram posteriormente adicionados ao Índice de Livros Proibidos da Igreja Católica. Ele era frequentemente chamado de "ateu" por seus contemporâneos, embora em nenhuma parte de sua obra Espinoza argumente contra a existência de Deus.[23]
Spinoza viveu uma vida aparentemente simples como um polidor de lentes ópticas, colaborando com Christiaan Huygens nos "designs" de microscópios e lentes de telescópio. Ele recusou recompensas e homenagens ao longo de sua vida, incluindo posições de ensino de prestígio. Morreu aos 44 anos em 1677 de uma doença pulmonar, talvez tuberculose ou silicose exacerbada pela inalação de pó de vidro fino durante o polimento de lentes. Ele está enterrado no cemitério cristão de Nieuwe Kerk, em Haia.[24]
No seu magnum opus, a Ética, publicado postumamente, no mesmo ano de sua morte, Espinoza contrapôs-se ao dualismo mente-corpo de Descartes. A obra viria a tornar-se um dos marcos da filosofia ocidental. "Espinoza escreveu a última obra-prima latina indiscutível, na qual as concepções refinadas da filosofia medieval são finalmente voltadas contra si mesmas e totalmente destruídas".[25] Sobre ele, Hegel diria: "O fato é que Espinoza se tornou um ponto de teste na filosofia moderna, de modo que realmente pode-se dizer: "ou você é um espinozista ou nem mesmo é um filósofo".[26] Suas realizações filosóficas e caráter moral levaram Gilles Deleuze a nomeá-lo "o 'príncipe' dos filósofos".[27]
Um dos grandes filósofos racionalistas do século XVII, dentro da chamada Filosofia moderna, já em seu tempo apontou importantes reflexões sobre os modos de viver e os caminhos escolhidos pelos seres humanos. Esses, com seus desejos insaciáveis, seus pensamentos prepotentes e suas ausências de conexão com a natureza, estabeleceram relações que, por si mesmas, julgaram importantes para suas vidas na Terra, mas que não passam de ideias inadequadas e de uma experiência vagante; ou seja, experiência de vida que não é determinada pelo conhecimento.[28]
Prenomes
O filósofo recebeu dos pais, que eram judeus portuguesesrefugiados em Amsterdão, o nome de Bento de Espinosa.[29] Já Baruch é uma transliteração de ברוך, que era como seu nome aparecia nos textos em hebraico daquela época, tendo ele o mesmo significado do seu nome português, isto é, bento, benzido, bendito ou abençoado. Segundo Nadler, [30] seu mais respeitado biógrafo, na maioria dos documentos e registros contemporâneos aos anos de Espinosa dentro da comunidade judaica, o seu nome é quase sempre mencionado como Bento.[31] Espinosa adotou, contudo, a forma correspondente latina Benedictus para assinar as suas obras, tal como o fez em seu mais famoso trabalho, a Ethica, que foi escrito em 1656, logo depois de ele ter sofrido o chérem.[32][28]
Ganhou fama por suas posições opostas à superstição. A sua frase Deus sive natura ("Deus ou Natureza") expressa um conceito filosófico e não religioso.
O banimento (texto original, escrito em português)
“
Os Senhores do Mahamad [Conselho da Sinagoga] fazem saber a Vosmecês: como há dias que, tendo notícia das más opiniões e obras de Baruch de Spinoza, procuraram, por diferentes caminhos e promessas, retirá-lo de seus maus caminhos e, não podendo remediá-lo — antes pelo contrário, tendo cada dia maiores notícias das horrendas heresias que cometia e ensinava, e das monstruosas ações que praticava, tendo disto muitas testemunhas fidedignas que deporão e testemunharão tudo, em presença do dito Spinoza, coisas de que ele ficou convencido, tudo examinado em presença dos senhores Hahamim [conselheiros] —, deliberaram com seu parecer que o dito Spinoza seja heremizado [excluído] e afastado da nação de Israel como de fato o heremizaram com o Heremanátemaseguinte:
"Com a sentença dos Anjos e dos Santos, com o consentimento do Deus Bendito e com o consentimento de toda esta Congregação, diante destes santos Livros, nós heremizamos, expulsamos, amaldiçoamos e esconjuramos Baruch de Spinoza […] Maldito seja de dia e maldito seja de noite, maldito seja em seu deitar, maldito seja em seu levantar, maldito seja em seu sair, e maldito seja em seu entrar […] E que Adonai apague o seu nome de sob os céus, e que Adonai o afaste, para sua desgraça, de todas as tribos de Israel, com todas as maldições do firmamento escritas no Livro desta Lei. E vós, os dedicados a Adonai, que Deus vos conserve todos vivos. Advertindo que ninguém lhe pode falar, pela boca nem por escrito, nem conceder-lhe nenhum favor, nem debaixo do mesmo teto estar com ele, nem a uma distância de menos de quatro côvados, nem ler papel algum feito ou escrito por ele."
”
Conforme Will Durant, o chérem de Espinoza pelos judeus de Amsterdã (à semelhança do episódio que levou à retratação e posterior suicídio de Uriel da Costa, em 1647) seria um gesto de "gratidão" por parte dos judeus para com o povo neerlandês. Embora os pensamentos de Costa não fossem totalmente estranhos ao judaísmo, contradiziam os pilares do cristianismo. Portanto, os judeus, perseguidos por toda a Europa na época, especialmente pelos governos ibéricos e pelos governos luteranosalemães, e que haviam recebido abrigo, proteção e tolerância dos calvinistas dos Países Baixos, não poderiam abrigar, no seio de sua comunidade, um pensador cujas heresias contrariassem também o pensamento cristão.
Pós-chérem
Após o chérem, adotou o primeiro nome "Benedictus" (termo latino para "Bendito", isto é, uma tradução do seu nome original, Bento ou Benedito), assim atestando seu desvencilho da religião judaica.
Para sua subsistência, trabalhava com polimento de lentes durante os períodos em que viveu em casas de famílias em Outerdek (próximo a Amsterdã) e em Rijnsburg, tendo recusado várias oportunidades e recompensas durante sua vida, em prestigiosas posições de ensino. Em 1670, mudou-se para a cidade da Haia, e desenvolveu suas principais obras. Convidado a lecionar na Universidade de Heidelberg, recusou porque teria de acatar as normas ideológicas da universidade e seria impossível continuar com a sua obra de forma independente. Uma vez que as reações públicas ao seu Tratado Teológico-Político não lhe eram favoráveis, absteve-se de publicar seus trabalhos. A Ética foi publicada após sua morte, na Opera Postuma editada por seus amigos.
Morte
Morreu em um domingo, 21 de fevereiro de 1677, aos 44 anos, vitimado pela tuberculose. Morava então com a família Van den Spyck, em Haia. A família havia ido à igreja e o deixara com o amigo doutor Meyer. Ao voltarem, encontraram-no morto. Encontra-se sepultado no pátio da Nieuwe Kerk, em Haia, nos Países Baixos.[33]
Traços físicos
Conforme um dos seus primeiros biógrafos, Johannes Colerus (1647–1707), que o conheceu em Rijnsburg, Espinoza "era baixo, feições regulares, pele cor de oliva, cabelos pretos e crespos, sobrancelhas negras e bastas, denunciando claramente a ascendência de judeus sefardim (oriundos da Península Ibérica). No vestir, era muito descuidado, a ponto de quase se confundir com os cidadãos da mais baixa classe".[34]
O príncipe de Condé, na chefia do exército da França que invadira a Holanda, novamente o convidou a aceitar uma pensão do rei da França e ser apresentado a vários admiradores. Espinoza, desta vez, aceitou a honraria, mas se viu em dificuldades ao retornar a Haia, por causa dessa suposta "traição". Porém, logo o povo, ao perceber que se tratava de um filósofo, um inofensivo, acalmou-se.
Maldição sobre o passante que insultar essa suave cabeça pensativa. Será punido como todas as almas vulgares são punidas — pela sua própria vulgaridade e pela incapacidade de conceber o que é divino. Este homem, do seu pedestal de granito, apontará a todos o caminho da bem-aventurança por ele encontrado; e por todos os tempos o homem culto que por aqui passar dirá em seu coração: Foi quem teve a mais profunda visão de Deus.
Espinosa defendeu que Deus e Natureza eram dois nomes para a mesma realidade, [30] a saber, a única substância em que consiste o universo e do qual todas as entidades menores constituem modalidades ou modificações. Ele afirmou que Deus sive Natura ("Deus ou Natureza" em latim) era um ser de infinitos atributos, entre os quais a extensão (sob o conceito atual de matéria) e o pensamento eram apenas dois conhecidos por nós.
A sua visão da natureza da realidade, então, fez tratar os mundos físicos e mentais como dois mundos diferentes ou submundos paralelos que nem se sobrepõem nem interagem mas coexistem em uma coisa só que é a substância. Esta formulação é uma solução muitas vezes considerada um tipo de panteísmo e de monismo, e ainda de panenteísmo com influência cabalista,[35] como em sua divisão da Natura naturans e Natura naturata.[36] Espinosa era um racionalista e, por extensão, fundamentou seu sistema sobre o acompanhamento intelectual do Universo, como define ele em seu conceito de "Amor Intelectual de Deus".
Espinosa também propunha uma espécie de determinismo, segundo o qual absolutamente tudo o que acontece ocorre através da operação da necessidade, e nunca da teleologia. Para ele, até mesmo o comportamento humano seria totalmente determinado, sendo então a liberdade a nossa capacidade de saber que somos determinados e compreender por que agimos como agimos. Desse modo, a liberdade para Espinosa não é a possibilidade de dizer "não" àquilo que nos acontece, mas sim a possibilidade de dizer "sim" e compreender completamente porque as coisas deverão acontecer de determinada maneira.[37]
A filosofia de Espinosa tem muito em comum com o estoicismo, mas difere muito dos estoicos num aspecto importante: ele rejeitou fortemente a afirmação de que a razão pode dominar a emoção. Pelo contrário, defendeu que uma emoção pode ser ultrapassada apenas por uma emoção maior. A distinção crucial era, para ele, entre as emoções activas e passivas, sendo as primeiras aquelas que são compreendidas racionalmente e as outras as que não o são.
Substância
Para Espinoza, a substância não possui causa fora de si, ela é causa de si mesma, ou seja, uma causa sui. Ela é singular a ponto de não poder ser concebida por outra coisa que não ela mesma. Por ser causa de si, a substância é totalmente independente, livre de qualquer outra coisa, pois sua existência basta-se em si mesma. Ou seja, a substância, para que o entendimento possa formar seu conceito, não precisa do conceito de outra coisa. A substância é absolutamente infinita, pois se não o fosse, precisaria ser limitada por outra substância da mesma natureza.
Pela proposição VI da Parte I da Ética, ele afirma: "Uma substância não pode ser produzida por outra substância", portanto, não existe nada que limite a substância, sendo ela, então, infinita. Da mesma forma, a substância é indivisível, pois, do contrário, ao ser ela dividida, ou conservaria a natureza da substância primeira, ou não. Se conservasse, então uma substância formaria outra, o que é impossível de acordo com a proposição VI; se não conservasse, então a substância primeira perderia sua natureza, logo, deixaria de existir, o que é impossível pela proposição 7, a saber: "à natureza de uma substância, pertence o existir". Assim, a substância é indivisível.
Assim, sendo da natureza da substância absolutamente infinita existir e não podendo ser dividida, ela é única, ou seja, só há uma única substância absolutamente infinita ou Deus.
Apesar de ser denominado Deus, a substância de Espinoza é radicalmente diferente do Deus judaico-cristão, pois não tem vontade ou finalidade já que a substância não pode ser sem existir (se pudesse ser sem existir, haveria uma divisão e a substância seria limitada por outra, o que, para Espinoza, é absurdo, como foi explicado no parágrafo anterior). Consequentemente, o Deus de Espinoza não é alvo de preces e menos ainda exigiria uma nova religião.
Natureza humana
Baruch Espinoza viveu em um tempo onde recebeu diferentes influências, um tempo de transição, que marcava o início da modernidade. O filósofo teve que ser cauteloso na exposição de seu pensamento, porque muitos de seus colegas sofreram perseguição e foram até mortos. Para Espinoza, Deus e a natureza são uma coisa só, não havendo distinção entre eles. Essa concepção exclui ideias transcendentais e entra em choque com os que acreditam no direito divino para os reis, bem como com direitos naturais hereditários. Seu caráter naturalista exclui a ideia dualista de que haveria uma maneira natural de como as coisas deveriam ser. Muitos pensadores acreditavam que as coisas deveriam ser da maneira que são pela vontade de Deus: essa é uma diferença importante no pensamento de Espinoza.
O filósofo começa a expor seu pensamento acerca da natureza humana no livro Tratado Teológico-político. Nele, o autor explica como acredita que funcionam as economias dos Afetos e Desejos e de que maneira isso afeta como vivemos. No capítulo XVI/3, encontramos um exemplo: "O direito natural e cada homem definem-se, portanto, não pela razão sã, mas pelo desejo e pela potência". Ninguém, com efeito, está determinado a comportar-se conforme as regras e as leis da razão; ao contrário, todos nascem ignorantes de todas as coisas e a maior parte de suas vidas transcorre antes que possam conhecer a verdadeira regra da vida e adquirir o estado de virtude, mesmo que tenham sido bem educados. E eles não são menos obrigados a viver e a se conservar, nessa espera, pelo simples impulso do apetite, pois a natureza não lhes deu outra coisa, e recusou-lhes a potência atual de viver conforme a reta razão; logo, considerando submetido apenas ao império da natureza, tudo o que um indivíduo julgar como sendo-lhe útil, seja pela conduta da razão seja pela violência de suas paixões, é-lhe permitido desejar, em virtude desejar, em virtude de um soberano direito de natureza e tomar por qualquer via que seja, pela força, pela artimanha, por preces, enfim, pelo meio mais fácil que lhe pareça. Consequentemente, também ter por inimigo aquele que o quiser impedir de se satisfazer".[38]
Mais adiante, Espinoza vai argumentar que o uso da razão viria a partir de um exercício, mas que ainda estamos longe de chegar lá devido às paixões. O autor disserta: "Mas falta muito para que todos deixem-se facilmente se conduzir apenas pela razão; cada um se deixa levar por seu prazer e, mais amiúde, a avareza, a glória, a inveja, o ódio etc. ocupam a mente, de tal sorte que a razão não tem qualquer lugar".[39]
No ano de sua morte, Espinoza termina um outro livro, que seria uma continuação do anterior, dando sequência a seus pensamentos e sua teoria. No Tratado Político, título do novo livro, o filósofo também aborda, em diferentes momentos, a questão da natureza humana, bem como a força das paixões e os efeitos que elas produzem nos corpos. Logo no primeiro capítulo, o autor explica de que maneira ele tenta entender essas paixões e estudá-las, a fim de aplicá-las na sua teoria:
“
Quando, por conseguinte, apliquei o ânimo à política, não pretendi demonstrar com razões certas e indubitáveis, ou deduzir, da própria condição humana, algo que seja novo ou jamais ouvido, mas só aquilo que está mais de acordo com a prática. E, para investigar aquilo que respeita a esta ciência com a mesma liberdade de ânimo que é costume nas coisas matemáticas, procurei escrupulosamente não rir, não chorar nem detestar as ações humanas, mas entendê-las. Assim não encarei os afetos humanos, como são o amor, o ódio, a ira, a inveja, a glória, a misericórdia e as restantes comoções do ânimo, como vícios da natureza humana, mas como propriedades que lhe pertencem, tanto como o calor, o frio, a tempestade, o trovão e outros fenômenos do mesmo gênero que pertencem à natureza do ar, os quais, embora sejam incômodos, são contudo necessários e têm causas certas mediante as quais tentamos entender sua natureza.[40]
”
O autor expõe seu pensamento com clareza acerca da sua discordância com o pensamento comum da época. Explicando o porquê de não acreditar que as pessoas agem exclusivamente através da razão: "Depois, na medida em que cada coisa se esforça, tanto quanto esta em si, por conservar o seu ser, não podemos de forma alguma duvidar de que, se estivesse tanto em nosso poder vivermos segundo os preceitos da razão como conduzidos pelo desejo cego, todos se conduziriam pela razão e organizariam sabiamente a vida, o que não acontece minimamente, pois cada um é arrastado pelo seu prazer".[41] Para o filósofo, as pessoas não se submetem ao estado por uma análiseracional, mas por uma economia de seus desejos, sejam eles medo ou esperança. São as paixões que, em acordo com outras Paixões, encontram vontades comuns que permitem que as pessoas se agrupem em "estados" e, assim, se submetam de alguma maneira a algum sistema. Seja ele monárquico, aristocrático ou democrático. "Longe de ser fruto de uma ruptura com a natureza, o estado forma-se no âmbito dessa, mediante a dinâmica afetiva, ou passional, que associa ou põe em confronto os indivíduos". "Por isso também, a essência do político é impossível de se confundir com uma qualquer moldura racional de onde e no interior da qual as normas de conduta fossem deduzidas, de modo a imporem-se como condição necessária e legítima da paz e da estabilidade".[42]
Observamos que Espinoza defende uma espécie de sistema econômico de gerenciamento dos afetos, tanto por parte dos súditos, como do Soberano. Esse gerenciamento é subjetivo e acontece individualmente, com efeitos no coletivo. Cabe, aos súditos, sentirem sua Potência, a fim de preservar sua vida e maximizar sua liberdade, bem como ao soberano, de não impor sistema rígido demais que encurrale seus súditos a ponto de que esses se rebelem. O Estado mais "racional" é aquele que consegue entender as demandas da sua população e promover uma espécie de bem-estar. A paz imposta pelo medo, como ausência de guerra, é sempre temporária. O bem-estar de todos é o que ajuda a manter o Estado coeso. Esse sistema é precário e está sempre sujeito a avaliações e adequações para melhor atender a todos, defendendo, assim, até a manutenção do Estado pelo soberano. Espinoza entende o Estado como a potência da Multidão e define, no TP 2/17, os sistemas políticos que podem constituir esse Estado. O autor esclarece: "Detém-no absolutamente quem, por consenso comum, tem a incumbência da República, ou seja, de estatuir, interpretar e abolir direitos, fortificar as urbes, decidir sobre a guerra e a paz etc. E se essa incumbência pertencer a um conselho que é composto pela multidão comum, então o Estado chama-se Democracia; mas se for composto só por alguns eleitos, chama-se Aristocracia; e se, finalmente, a incumbência da República e, por conseguinte, o Estado, estiver nas mãos de um só, então chama-se Monarquia".[43] Com isso, podemos concluir o pensamento de Espinoza e entender como a Natureza age sobre as — e através das — potências de todos e como isso influencia o Estado e o sistema político.
Os afetos: o desejo, a alegria e a tristeza
Os corpos individualizam-se em razão do "movimento e do repouso", da "velocidade e lentidão" e não em função de alguma substância particular (escólio 1 da proposição 13 da parte 2 da Ética), e a identidade individual através do tempo e da mudança consiste na manutenção de uma determinada proporção de movimento e repouso das partes do corpo (proposição 13 da parte 2 da Ética). O corpo humano é um complexo de corpos individuais e é capaz de manter suas proporções de movimento e de repouso ao passar por uma ampla variedade de modificações impostas pelo movimento e repouso de outros corpos. Essas modificações são o que Espinoza chama de "afecções".[44]
Uma afecção que aumenta a capacidade do corpo de manter suas proporções características de movimento e repouso aumenta a "potência de agir" e tem, em paralelo, na mente, uma modificação que aumenta a "potência de pensar". A passagem de uma potência menor para uma maior é o "afeto de alegria" (definição dos afetos, parte 2 da Ética). Uma afecção que diminui a potência do corpo de manter as proporções de movimento e repouso diminui a potência de agir e tem, em paralelo, na mente, uma diminuição da potência de pensar. A passagem de uma potência maior para uma menor é o "afeto de tristeza". Já uma afecção que ultrapassa as proporções de movimento e repouso dos corpos que compõe o corpo humano destrói o corpo humano e a mente (morte).
Os indivíduos (mentes e corpos) esforçam-se em perseverar em sua existência tanto quanto podem (proposição 6 da parte 3 da Ética). Eles sempre se esforçam para ter alegria, isto é, um aumento de sua potência de agir e de pensar e eles sempre se opõem ao que lhes causa tristeza, ou seja, aquilo que diminui sua capacidade de manter as proporções de movimento e repouso características de seu corpo. O esforço por manter e aumentar a potência de agir do corpo e de pensar da mente é o que Espinoza chama de "desejo" (conatus).
Não é por julgarmos uma coisa boa que nos esforçamos por ela, que a queremos, que a apetecemos, que a desejamos, mas, ao contrário, é por nos esforçarmos por ela, por querê-la, por apetecê-la, por desejá-la, que a julgamos boa.
– Espinoza, Ética, parte 3, proposição 9 esc.
As afecções que são atribuídas à "ação" do corpo humano testemunham o aumento de sua potência de agir e de pensar e, por isso, o afeto de alegria sempre impulsiona a atividade. Em contraste, as afecções que diminuem a potência de agir e de pensar (provocando tristeza) testemunham sempre a passividade do corpo humano, são sempre passivas, são "paixões" (do gregopathos, "sofrer uma ação").
Para Espinoza, a ilusão dos homens de que suas ações resultam de uma livre decisão da mente é consequência de eles serem conscientes apenas de suas ações enquanto ignoram as causas pelas quais são determinados, o que faz com que suas ações sejam determinadas pelas "paixões". Isso é o que ele chama de "primeiro gênero de conhecimento", "imaginação" ou "ideias inadequadas" (a consciência de nossos afetos, e a inconsciência do que os determina). O "segundo gênero de conhecimento" são as "noções comuns" ou "ideias adequadas", que caracterizam-se pela consciência do que nos determina a agir. As ideias adequadas sempre são efeitos da alegria, acarretam alegria e impulsionam a atividade, enquanto a imaginação (ideias inadequadas) caracteriza-se pela passividade e pelo acaso de causar ou ser efeito da alegria ou da tristeza.
[…] uma criancinha acredita apetecer, livremente, o leite; um menino furioso, a vingança; e o intimidado, a fuga. Um homem embriagado também acredita que é pela livre decisão de sua mente que fala aquilo sobre o qual, mais tarde, já sóbrio, preferiria ter calado. Igualmente, o homem que diz loucuras, a mulher que fala demais, a criança e muitos outros do mesmo gênero acreditam que assim se expressam por uma livre decisão da mente, quando, na verdade, não são capazes de conter o impulso que os leva a falar. Assim, a própria experiência ensina, não menos claramente que a razão, que os homens se julgam livres apenas porque são conscientes de suas ações, mas desconhecem as causas pelas quais são determinados. Ensina também que as decisões da mente nada mais são do que os próprios apetites: elas variam, portanto, de acordo com a variável disposição do corpo. Assim, cada um regula tudo de acordo com o seu próprio afeto e, além disso, aqueles que são afligidos por afetos opostos não sabem o que querem, enquanto aqueles que não têm nenhum afeto são, pelo menor impulso, arrastados de um lado para outro. Sem dúvida, tudo isso mostra claramente que tanto a decisão da mente, quanto o apetite e a determinação do corpo são, por natureza, coisas simultâneas, ou melhor, são uma só e mesma coisa, que chamamos decisão quando considerada sob o atributo do pensamento e explicada por si mesma, e determinação, quando considerada sob o atributo da extensão e deduzida das leis do movimento e do repouso […]
– Espinoza, Ética, parte 3, proposição 2 esc.
A grande inovação da ética de Espinoza foi que, nela, a razão não se opõe aos afetos, pelo contrário, a própria razão é um afeto, um desejo de encontrar ou criar as oportunidades de alegria na vida e de evitar ou desfazer ao máximo as circunstâncias que causam tristeza, mas o próprio desejo-razão (do mesmo modo que os outros tipos de afetos) não depende da vontade livre, mas de afecções que fogem ao controle do indivíduo porque são modos da substância única infinita, que não tem finalidade nem providência. Em diversas obras (Tratado Político, Ética) diz ser nocivo (no sentido de diminuir a potência de agir e de pensar) ridicularizar ou reprovar alguém dominado pelas paixões, porque isso não depende da livre decisão da mente. O único modo de o homem que se guia pela razão ajudar aos outros é, nas palavras de Espinoza:
Não rir nem chorar, mas compreender.
– Espinoza, Tratado Político
A ética de Espinoza é a ética da alegria. Para ele, só a alegria é boa, unicamente a alegria nos leva ao amor (que ele define como a ideia de alegria associada a uma causa exterior) no cotidiano e na convivência com os outros, enquanto a tristeza sempre é má, intrinsecamente relacionada ao ódio (que ele define como a ideia de tristeza associada a uma causa exterior), a tristeza sempre é destrutiva para nós e para os outros.
O terceiro gênero de conhecimento - beatitude
Além dos dois gêneros citados anteriormente, Espinoza afirma ainda um terceiro, chamado beatitude. Esse conhecimento caracteriza-se por compreender, nas coisas singulares, o aspecto da eternidade (sub specie aeternitatis). Seria algo como ver as coisas singulares como inseparáveis dos modos da substância infinita e eterna (Deus), compreendendo que as coisas singulares são elas mesmas eternas, existindo fora do tempo. Esse é um dos conceitos de Espinoza mais controversos e discutidos.[45]
No Brasil, Bader Burihan Sawaia trouxe a influência de Espinoza para a Psicologia Sócio-Histórica, enfatizando, em bases materialistas-dialéticas, a importância da afetividade como categoria fundamental do psiquismo.[46]
Tratado Político(Tractatus Politicus), depois incluído na Ética; 1677.
Tratado sobre o Cálculo Algébrico do Arco-Íris, 1687.
Tratado sobre o Cálculo das Probabilidades, 1687.
Compêndio de Gramática da Língua Hebraica, inacabado.
Escritos em holandês:
Breve tratado de Deus, do homem e do seu bem-estar (Korte Verhandeling van Deus, de Mensch en deszelvs Welstand), esboço da Ética, 1660
b) Publicados:
Tratado sobre a Correção do Intelecto (De Intellectus Emendatione), também publicado na língua portuguesa com os títulos: Tratado para Emendar o Intelecto (Editora Unicamp), Tratado da Reforma da Inteligência (Editora Martin Fontes), Tratado da Reforma do Entendimento (Editora Escala), 1662.
Princípios da Filosofia de Descartes, publicado junto com seu apêndice Pensamentos Metafísicos. Espinosa revela seu afastamento cada vez maior em relação a várias teses de Descartes, embora pareça apenas servir-se do cartesianismo para refutar a escolástica, 1663.
Arthur O. Lovejoy, 1936. "Plenitude and Sufficient Reason in Leibniz and Spinoza" in his The Great Chain of Being. Harvard University Press: 144-82 (ISBN 0-674-36153-9). Reprinted in Frankfurt, H. G., ed., 1972. Leibniz: A Collection of Critical Essays. Anchor Books.
Pierre Macherey, 1977. Hegel ou Spinoza, Maspéro (2nd ed. La Découverte, 2004).
———, 1994-98. Introduction à l'Ethique de Spinoza. Paris: PUF.
Matheron, Alexandre, 1969. Individu et communauté chez Spinoza, Paris: Minuit.
Nadler, Steven, 1999. Spinoza: A Life. Cambridge Uni. Press. ISBN 0-521-55210-9 (Tr.: "Espinosa: vida e obra". Europa-America editora, 2003).
Antonio Negri, 1991. The Savage Anomaly: The Power of Spinoza's Metaphysics and Politics.
Tratado Político. Tradução, introdução e notas: Diogo Pires. Revisão da tradução de Homero Santiago. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. ISBN 978-85-7827-141-1.
Tratado Teológico-político. Organização J. Guinsburg, Newton Cunha, Roberto Romano. Tradução J. Guinsburg, Newton Cunha. 1 ed. São Paulo: Perspectiva, 2014.
Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
Victor Civita. Editor. Os Pensadores: Espinoza. São Paulo: Abril Cultural, 1983, 3a edição.
Inclui as seguintes obras: Pensamentos Metafísicos, Tratado da Correção do Intelecto, Ética, Tratado Político, Correspondência. Inclui também "Espinoza: Vida e Obra", de Marilena de Souza Chauí
Ética. Tradução: Grupo de Estudos Espinosanos. São Paulo: EDUSP, 2015.
Princípios da Filosofia Cartesiana e Pensamentos Metafísicos. Tradução: Homero Santiago e Luís César Oliva. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
Tratado da Emenda do Intelecto. Tradução: Cristiano Novaes de Rezende. Campinas: Editora da UNICAMP, 2015.
Breve Tratado. Tradução: Emanuel Ângelo R. Fragoro e Luís César Oliva. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
Para o francês
Oeuvres III: Éthique. Paris: GF-Flammarion, 1965. Tradução: Charles Appuhn.
Estudos introdutórios
Sobre a filosofia de Espinoza
Stuart Hampshire. 1951. London: Penguin Books, 1953, reimpressão.
Sobre a Ética
Charles Appuhn. "Notice sur l'Éthique". In: Spinoza, Oeuvres III: Éthique. Paris: GF-Flammarion, 1965.
Tópicos espinozanos
Subjetividade, intersubjetividade e individualidade
Alexandre Matheron. 1969. Individu et Communauté chez Spinoza. Paris: Les Editions de Minuit, 1988, V+647 páginas.
Nova edição da obra original à qual foi acrescida uma advertência na qual o autor diz que nada modifica no texto e remete aos seus outros trabalhos para maiores desenvolvimentos dos estudos espinozanos presentes no livro.
Alexandre Matheron. 1986. Anthropologie et Politique au 17e siècle. Vrin.
Liberdade
Robert Sleigh Jr., Vere Chappell e Michael Della Rocca. "Determinism and human freedom." In Daniel Garber e Michael Ayers, eds, The Cambridge history of seventeenth-century philosophy, volume II, capítulo 33. Cambridge, New York e Melbourne: Cambridge University Press, 1998, pp 1226-1236.
Sabedoria
Alexandre Matheron. 1971. Le Christ et le Salut des Ignorants chez Spinoza. Aubier-Montaigne.
Steenbakkers, Piet (2021), Garrett, Don, ed., Spinoza’s Life, ISBN978-1-107-09616-5, Cambridge Companions to Philosophy 2 ed. , Cambridge: Cambridge University Press, pp. 12–60, consultado em 25 de outubro de 2022
Jonathan Israel, em suas várias obras sobre o Iluminismo, tais como Israel, Jonathan (2001). Radical Enlightenment: Philosophy and the Making of Modernity, 1650–1750. [S.l.: s.n.] (in the index "Spinoza, Benedict (Baruch) de") e Israel, Jonathan (2011). Democratic Enlightenment: Philosophy, Revolution, and Human Rights 1750–1790. [S.l.: s.n.]
↑Citado no prefácio do tradutor de Expressionism in Philosophy: Spinoza (1990).
↑ abGomes, Claudia Lourenço; Torales-Campos, Marília Andrade (8 de julho de 2021). «Espinosa: o filósofo polidor de lentes e a educação ambiental». Linhas Críticas: e36943–e36943. ISSN1981-0431. doi:10.26512/lc27202136943|acessodata= requer |url= (ajuda)
↑Nadler, Steven M. (23 de abril de 2001). Spinoza: A Life (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press. p. 42
↑ abNadler, Steven (2022). Zalta, Edward N., ed. «Baruch Spinoza». Metaphysics Research Lab, Stanford University. Consultado em 1 de agosto de 2023
↑ESPINOZA, Baruch de. Tratado Teológico-político. Organização J. Guinsburg, Newton Cunha, Roberto Romano. Tradução J. Guinsburg, Newton Cunha. 1 ed. São Paulo: Perspectiva, 2014. Pg. 280.
↑ESPINOZA, Baruch de. Tratado Teológico-político. Organização J. Guinsburg, Newton Cunha, Roberto Romano. Tradução J. Guinsburg, Newton Cunha. 1 ed. São Paulo: Perspectiva, 2014. Pg. 283.
↑ESPINOZA, Baruch de. Tratado Político. Tradução, introdução e notas: Diogo Pires. Revisão da tradução de Homero Santiago. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. ISBN 978-85-7827-141-1. Pgs. 7-8.
↑ESPINOZA, Baruch de. Tratado Político. Tradução, introdução e notas: Diogo Pires. Revisão da tradução de Homero Santiago. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. ISBN 978-85-7827-141-1. Pg. 13.
↑ESPINOZA, Baruch de. Tratado Político. Tradução, introdução e notas: Diogo Pires. Revisão da tradução de Homero Santiago. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. ISBN 978-85-7827-141-1. Pg XXIII-XXIV.
↑ESPINOZA, Baruch de. Tratado Político. Tradução, introdução e notas: Diogo Pires. Revisão da tradução de Homero Santiago. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. ISBN 978-85-7827-141-1. Pg. 20.
Chauí, Marilena (2001) [1995]. Espinosa: uma filosofia da liberdade. São Paulo: Editora Moderna
Ives, David (2009). New Jerusalem; The Interrogation of Baruch de Spinoza at Talmud Torah Congregation: Amsterdam, July 27, 1656. New York: Dramatists Play Service. ISBN978-0-8222-2385-6)