Abu Iacube Iúçufe I ibne Abde Almumine (em árabe: أَبُو يَعقُوب يُوسُف بن عبد المؤمن; romaniz.: Abū Ia'qūb Iūsuf ibn 'Abd al-Mū'min; m. 29 de julho de 1184), melhor conhecido somente como Abu Iacube Iúçufe ou Iúçufe I,[1][2][3] foi califa almóada, governando de 1163 a 1184. Era filho de Abde Almumine (r. 1147–1163). Desde 1155, atuou como governador de Sevilha, no Alandalus, de onde resistiu, em 1159, a um ataque do rebelde Maomé ibne Mardanis. Em 1163, talvez por um golpe de seu irmão Abu Hafes Omar, sucedeu o pai como califa em oposição ao herdeiro presuntivo e seu meio-irmão Maomé. Sua ascensão, contudo, não foi totalmente aceita, e vários notáveis e seus familiares opuseram-se a isso.
No tempo de sua ascensão, levantes se espalharam pelo Magrebe Ocidental contra sua autoridade, cujas origens são variadamente apresentadas nas fontes. Independente da origem, ela foi grave o suficiente para Iúçufe conduzir campanha com seus irmãos Omar e Otomão entre 1165 e 1166. Em março de 1168, após debelar a revolta, Iúçufe começou a utilizar o título califal de miramolim, uma vez que até então só era reconhecido como emir. Na década de 1170, entre 1171 e 1176, conduziu várias campanhas no Alandalus com intuito de fortalecer a posição almóada no país diante da investida de rebeldes e os Estados cristãos do norte. Na década de 1180, fez novas campanhas no Alandalus e foi gravemente ferido no Cerco de Santarém de 1184, falecendo em Sevilha pouco depois.
Iúçufe nasceu em 1138 e era filho do califa Abde Almumine (r. 1147–1163) e Zainabe, filha de Muça Aldarir.[4] Segundo as fontes, era alto, cabelos escuros, pele pálida e rubicunda e grandes olhos.[5] Em 1155, aos 16 anos, foi nomeado governador de Sevilha por seu pai, ofício que ocupou até 1163.[6] À época, concluiu sua formação ali e, por isso, seria tido como o mais culto dos califas almóadas.[7] Em 1159, resistiu ao ataque de ibne Mardanis, que se rebelou contra o Califado Almóada em Múrcia e Valência.[8] Em 1163, Granada foi ameaçada por uma revolta antialmóada conduzida pelos habitantes judeus e apoiada por Hemochico, cunhado de ibne Mardanis. Abde Almamune enviou um exército sob controle nominal de Iúçufe e que matou os judeus de Granada sem misericórdia.[9]
Em 1163, sucedeu o pai em vez de seu meio-irmão Maomé, que era herdeiro presuntivo desde 1155.[10] A ascensão podia ser golpe orquestrado por seu irmão Abu Hafes Omar, que era vizir desde 1160. Às crônicas, Abde Almamune mudou de ideia no leito de morte ao desgostar a atitude de Maomé na peregrinação a Tinmel no inverno anterior, quando Maomé cavalgou bêbado e vomitando diante de seu pai e outros almóadas. A justificativa, porém, pode ser post facto.[11] De início, Iúçufe se limitou a utilizar o título de emir,[12] só assumindo o título califal de miramolim em março de 1168.[13]
Para Amira K. Bennison, Omar optou por apoiar Iúçufe em vez de persuadir Abde Almamune a proclamá-lo califa para evitar suspeitas de usurpação, ao mesmo tempo que, dada a dependência de seu irmão, continuaria controlando os assuntos do Estado como já o fazia desde o tempo de seu pai; o cronista ibne Saíbe Sale, por exemplo, apresentou Iúçufe constantemente deferindo ao julgamento de Omar e descreveu o último como o "príncipe mais exaltado" (alçaíde alalá).[14] Os demais saídes de dividiram, com alguns apoiando o sucessor sem hesitação, enquanto outros se recusaram. Alboácem Ali alegou que seu pai faleceu de desgosto e rancor pelo ocorrido, enquanto Maomé Abedalá, o governador de Bugia, na Ifríquia, ignorou os chamados para jurar lealdade e morreu em 1165 quando finalmente viajou rumo a Marraquexe, a capital almóada. Abuçaíde Otomão, o mais relevante saíde do Alandalus e irmão de Iúçufe, permaneceu em Córdova e se recusou a reconhecê-lo. Omar conduziu grande exército para Ceuta na primavera de 1165, obrigando Otomão a mobilizar suas forças e seus aliados andalusinos em Gibraltar. O encontro, embora descrito pelas fontes como marcado por festividades e recitação de poesia, foi marcado pela tensão entre os irmãos e Otomão foi obrigado a ir para Marraquexe reconhecer o califa, recebendo permissão de ir embora apenas dois meses depois.[4]
Segundo O. Saidi, essa crise sucessória pode ter sido a causa dos levantes que eclodiram no norte do Magrebe Ocidental (atual Marrocos) entre os gomaras, opondo Ceuta e Alcácer Quibir, e que se espalharam pelos vizinhos sanhajas e aurabas e terminaram com a eleição de um líder, que cunhou moedas. [15] Segundo o mesmo autor, a partir al-Anis al-Mutrib bi Rawd al-Kirtas, se depreende que a agitação iniciou porque o novo califa licenciou o exército recrutado por Abde Almumine à expedição ao Alandalus. Por fim, segundo uma correspondência oficial, a revolta tem uma explicação religiosa, tendo sido conduzida por certo Saba ibne Managuifade e durando 2 anos. Saidi vê a terceira explicação como mais plausível e considera que a resistência maliquita em Ceuta, liderada pelo cádi Iade, pode conferir certa verossimilhança à explicação.[16]
Entre 1165 e 1169, Omar controlou os assuntos militares e políticos, viajando pelo império e conduzindo campanhas militares, enquanto Iúçufe ficou em Marraquexe.[4] Entretanto, devido a inadiável questão rebelde, Iúçufe fez campanha em pessoa ao lado de Omar e Otomão entre 1166 e 1167, e segundo ibne Alatir, a vitória califal foi obtida às custas de um massacre. Ele também confiou o governo de Ceuta a um de seus irmãos, com a missão de vigiar Rife,[17] e aproveitou o momento para garantir sua emancipação política. Ainda em 1166-1167, tomou controle de sua correspondência e em 1168 adotou o título de miramolim e enviou cartas para outros príncipe muminidas em posto para instruí-los a renovar seu juramento de fidelidade e reconhecer seu novo título califal.[18]
Já em 1165, Omar e Otomão venceram ibne Mardanis e seus mercenários cristãos em nome do califa, mas foram incapazes de tomar a capital rebelde que ainda resistiu alguns anos. Coetaneamente, no Reino de Portugal, Geraldo Sem Pavor, capitão do rei Afonso I (r. 1112–1185), apossou-se de várias localidades e depois empreendeu, junto do rei, o assédio de Badalhouce, salva pela intervenção do rei Fernando II (r. 1157–1188), aliados dos almóadas.[17] Anos depois, após o outono de 1169, por 14 meses, Iúçufe foi acometido por uma doença, com seus médicos, inclusive ibne Tufail, receitando-o todo tipo de comidas e bebidas para recuperá-lo. No inverno de 1170-1171, reuniu um grande exército com a intenção de invadir o Alandalus. Para Bennison, os principais objetivos da campanha eram mostrar o califa aos súditos e espalhar o custo da manutenção do exército e seu séquito através de seus domínios.[19]
Se fixou em Sevilha em 1171, convertendo-a na capital do império, e até 1176 conduziu algumas campanhas.[20] Graças à conquista de Xaém, Múrcia e Valência em 1172, os almóadas alcançaram o apogeu no Alandalus, apesar da crescente ameaça de castelhanos e portugueses.[5] Em 1172‑1173, cercou Huete (Uabda), centro recém-repopulado que constituía ameaça para Cuenca e à fronteira, mas abandonou-o com a aproximação dos castelhanos e fugiu para Múrcia, onde o exército foi licenciado.[17] Em 1176, regressou ao Marrocos, onde enfrentou a algumas rebeliões.[21]
Entre 1179 e 1181, Iúçufe conduziu expedições contra Portugal, atacando e/ou tomando várias praças: no começo de 1180, tomou e demoliu Coruche [22] e atacou Porto de Mós, que estava sob defesa da Ordem de Avis;[23] entre junho e julho, enviou sua frota à zona costeira entre o cabo Espichel e a baía de Setúbal, confrontando Fuas Roupinho;[24][25] entre 1180 e 1181, sitiou e tomou Évora, mas foi retomada em abril de 1181 por Afonso I;[26] Abrantes e Lisboa foram assaltadas.[27] Roupinho, em retaliação, fez duas campanhas contra Ceuta, uma em 1180, que termina em vitória portuguesa, e outra em 1182, que custa sua vida próximo a Silves, no Algarve.[24][28]
Em 1181‑1182, Iúçufe chega a Marraquexe com seu exército, onde incorpora contingentes árabes da Ifríquia conduzidos pelo xeique Abu Sirane Maçude ibne Sultão.[17] Em 1183, o Alandalus sofria enorme pressão de forças castelhanas e portuguesas em Sevilha e os leoneses sitiaram Cáceres. Em dezembro, Iúçufe reuniu um grande exército que dirigiu-se contra o Alandalus. Cruzou o estreito de Gibraltar e entrou em Sevilha em 25 de maio de 1184. Saiu da cidade em 7 de julho à Badalhouce e então dirigiu-se a oeste rumo a Santarém, onde chegou em 27 de junho.[21] A cidade estava sob defesa de Afonso I, mas Iúçufe decidiu sitiá-la. O cerco durou até 3 ou 4 de julho, quando decidiu abandonar o cerco antes de iminente chegada de Fernando II[29] e foi gravemente ferido na confusa retirada e morreu. Sua morte foi escondida até o exército alcançar Sevilha, onde seu filho Abu Iúçufe Iacube foi proclamado.[21][30]
Ao estabelecer-se em Sevilha, ordenou a construção de grandes obras como a ponte flutuante e os cais do Guadalquivir, o aqueduto, as alcáçovas, o projeto da mesquita (atual Catedral de Sevilha), o pátio de Iesso no alcácer, os palácios da Buaira que encomendou ao arquiteto Amade ibne Basso, além da restauração dos arruinados Canos de Carmona.[31] Pouco antes de morrer, ao voltar para Sevilha, ordenou a edificação da Giralda, o minarete da mesquita sevilhana.[21] Também reforçou as muralhas e construiu a fortaleza de Alcalá de Guadaíra.[32]
Como no tempo de seu pai, nomeou para os governos provinciais irmãos, filhos e sobrinhos, e descendentes de destacados notáveis dos primeiros dias do movimento almóada.[33] Ele é considerado o mais culto dos califas almóadas, e seu patronato e construções relacionam seu reinado, e seu nome está intimamente ligado a Averróis e ibne Tufail, que fazia parte da corte culta do califa.[13][34][35]