Inicialmente, Tímon era um grande mecenas. Patrocinava políticos, artistas, filósofos, prostitutas e qualquer um que se dizia seu amigo. A peça transcorre entre banquetes pantagruélicos oferecidos por Tímon. Atenienses ilustres desfilam pelo salão nobre e gravitam em torno dele. O mecenas é cantado, pintado, esculpido, analisado, cultuado e louvado em discursos. A prodigalidade dos elogios ao grande personagem não conhece limites e a traição terá lugar de honra à mesa de Tímon.
Nobres, senadores, oficiais, soldados, ladrões e criados.
Cupido e amazonas, mascarados.
Passagens célebres
Ato IV, Cena 1
Entra Tímon.
TÍMON - Ah, muralhas de Atenas, vou olhar pra vocês pela última vez. Vocês, que cercam esses lobos, caiam por terra e deixem Atenas ao deus-dará. Mulheres, chafurdem na bacanal. Crianças, não obedeçam mais ao papai. Escravos e idiotas, arranquem do plenário os veneráveis membros murchos do Senado e assumam o poder. Virgenzinhas em flor, convertam-se . Falidos do mundo, "uni-vos" - em vez de pagar as dívidas, puxem da navalha e rasguem a garganta dos credores. Trabalhadores assalariados, roubem - os seus patrões são ladrões de mão grande, que roubam também, mas com o apoio da lei. Empregadas, já pra cama do patrão - a patroa ainda não voltou do bordel. Jovens, ao completar dezesseis anos, arranquem a muleta estofada do seu progenitor aleijado e rachem com ela a cabeça dele. Piedade, temor, religião, paz, justiça, verdade, respeito em casa, noites de folga, boa vizinhança, boa educação, boas maneiras, hierarquias, artes e ofícios, usos, costumes e leis, degenerem até que tudo morra no seu contrário e ainda assim viva o caos. Pestes do mundo, que as suas febres invadam Atenas, pronta pra o abate. Que a fria ciática lese tanto os nossos senadores que os seus membros fiquem tão frouxos quanto os seus costumes. Que a luxúria e a libertinagem penetrem sutilmente na medula dos jovens, pra que eles nadem contra a corrente da virtude e se afoguem na perdição. Que sarnas e pústulas plantem-se fundo nos corações atenienses, e que a colheita seja a lepra geral. Que o hálito infecte o hálito, e que a amizade destile puro veneno. Não levo dessa cidade execrável nada mais que a nudez do corpo. Que ela fique nua também, debaixo de mil maldições. Tímon vai pra floresta, onde a fera mais desumana é mais humana que a humanidade. Que os deuses - todos os deuses, estão me ouvindo! -, que os deuses amaldiçoem os atenienses, dentro e fora dessas muralhas. Que a vida de Tímon faça o seu ódio ser eterno. Contra todos os homens do mundo, no olimpo e no inferno. Amém. (Sai.)
Ato IV, Cena II
"Ouro, amarelo, fulgurante, ouro precioso!
Uma porção dele basta para fazer do preto, branco; do louco, sensato;
Do errado, certo; do vilão, nobre; do velho, jovem; do covarde, valente;
...Ó deuses, não estais vendo? por que
Afasta ele vossos sacerdotes e os servos dos vossos altares?
E arranca o travesseiro do justo que nele repousa a cabeça,
Esse escravo amarelo
Ata e desata vínculos sagrados; abençoa o amaldiçoado;
Doura a lepra; honra ladrões,
Dá-lhes títulos, genuflexões e homenagens,
Colocando-os no conselho dos senadores;
Faz a viúva anciã casar de novo.
...Metal execrável,
És da humanidade a vil prostituta."
Legado
Karl Marx discute e cita Timão de Atenas em seu Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 e no livro primeiro de O Capital (1867). Neste segundo, utiliza a famosa passagem do Ato IV, Cena III como nota para referendar a afirmação de que "No dinheiro desaparecem todas as diferenças qualitativas das mercadorias, e o dinheiro, nivelador radical, apaga todas as distinções".[2] Mais de duas décadas antes, Marx concentra-se na mesma passagem para tratar do poder do dinheiro e em como Shakespeare, através daquele trecho, ressalta duas propriedades do dinheiro:
"1. Ele é a divindade visível, a transformação de todas as qualidades humanas e naturais em seus antônimos, a confusão e inversão universal das coisas; ele converte a incompatibilidade em fraternidade;
2. Ele é a meretriz universal, o alcoviteiro universal entre homens e nações."[3]