Denomina-se Pragmática, em História de Portugal, a um tipo de legislação que versa sobre costumes, uma vez que nas sociedades de Antigo Regime, a condição social do indivíduo era claramente indicada pelo seu modo de vestir e entre outros.
A Pragmática de 1340
A mais antiga legislação desse tipo foi promulgada em 1340, sob o reinado de Afonso IV de Portugal (1325-1357), no contexto das Cortes de Santarém (1340). Versava sobre "vestidos e comeres" e outra legislação anexa, em matéria de contratos "onzeneiros", citações, erros dos porteiros régios, tavolagem e "haver de escusa", definindo o que era ou não permitido nesse particular a cada classe social.
A Pragmática de 1486
Em 1486, sob o reinado de João II de Portugal (1455-1495) foi promulgada nova lei visando coibir os costumes em termos de luxo. Ficava proibido o uso de sedas, brocados, chaparias, borlados e canutilhos a todas as classes sociais. Permitia-se o uso de sedas apenas nos sainhos e cintas, e os bordados nos vestidos.
À época dos festejos das bodas do príncipe herdeiro D. Afonso com a princesa D. Isabel, a interdição foi excepcionalmente levantada, tendo o próprio soberano feito vir da península Itálica uma embarcação carregada desses tecidos para a Corte.
A Pragmática de 1535
Em 1535, sob o reinado de João III de Portugal (1521-1557) foi promulgada nova lei sobre o tema. Ficava proibido o uso indiscriminado de brocados e telas de ouro e prata, visando colocar fim aos broslados, pespontados, esmaltados e chaparia de metal. As sedas podiam ser usadas apenas por partes, em debruns ou guarnições, e não na confecção da indumentária. Vedava-se aos homens o uso de vestidos que arrastassem pelo chão, passando a ser usados pelo artelho, assim como o uso de luvas perfumadas.
As penas previstas por desobediência à lei iam da prisão ao degredo por dois anos e multas de dez a vinte cruzados para os peões, e de dez mil reais a cinquenta cruzados para os não-peões. Os montantes apurados eram equitativamente divididos entre a Câmara do Rei e o denunciante, como incentivo à acusação.
As Pragmáticas de D. Sebastião
Sob reinado de Sebastião de Portugal (1557-1578), a Regente D. Catarina de Áustria (15657-1568) também se preocupou com os costumes, tendo expedido duas legislações:
- Em 25 de junho de 1560, versando sobre os vestidos de seda, seus feitios e quem os podia usar. Nos trajes mais sumtuosos, proibia-se todas as aplicações de broslados, forros, debruns, fitas, pespontos e toda uma variada gama de guarnições. Exceptuavam-se os senhores de considerada condição social que podiam usar algumas barras e debruns de seda ou tafetá. As mulheres e filhas dos fidalgos, dos desembargadores e dos cavaleiros, só podiam vestir uma peça de tafetá, veludo ou seda. As classes mais baixas ficavam rigorosamente proibidas de usar sedas. Decretava-se ainda que os alfaiates ou oficiais da especialidade ficavam proibidos de confeccionar algumas das peças visadas.[1]
- Em 1565-1566, versando sobre as calças imperiais, proibindo o seu uso aos portugueses. Consentia-se o uso de calças de seda a pessoas com cavalo, desde que tivessem barras, debruns e outras guarnições, ou até enchumaços de algodão. Proibia-se também o uso de meias-calças de retrós. As penas pela transgressão eram sensivelmente as mesmas já previstas por D. João III em 1535.
A Pragmática de 1643
No contexto da Restauração da Independência, João IV de Portugal (1640-1656) promulgou a lei de 9 de Julho de 1643, que aconselha a moderação nos luxos, nomeadamente no uso de rendas nas vestimentas.
As Leis Pragmáticas de D. Pedro II
Sob a regência de Pedro II de Portugal (1667-1683), diante de um panorama de desobediência generalizada à Pragmática de seu pai, foi expedida uma nova legislação, a 8 de junho de 1668, recolocando as mesmas questões e restrições da Pragmática de 1643.[2]
Posteriormente, em 17 de outubro de 1672, uma nova pragmática anti-sumptuária foi promulgada. Por ela, visando proteger a indústria portuguesa, ficava limitada a importação de tecidos luxuosos, bordados, rendas e outros artigos supérfluos, a que só a aristocracia e a alta-burguesia passavam a ter acesso.
A prática prosseguiu no seu reinado, tendo o ministro da Fazenda, conde da Ericeira, determinado pela Pragmática de 1677, o uso de produtos importados:
- "Dom Pedro, por Graça de Deus Príncipe de Portugal e dos Algarves (...).
- Primeiramente ordeno e mando que nenhuma pessoa de qualquer condição, grau, qualidade, título, dignidade, por maior que seja, assim homens como mulheres, (...) possa usar, nos adornos das suas pessoas, filhos e criados, casa, serviço e uso, que de novo fizer, de seda, rendas, fitas, bordados as guarnições que tenham ouro ou prata fina ou falsa (...).
- Nenhuma pessoa se poderá vestir de pano que não seja fabricado neste reino; como também não poderá usar de voltas, de rendas, cintos, talins, e chapéus que não sejam feitos nele.
- Lisboa, a 25 de janeiro de 1677."
Se por um lado esta legislação de fomento ao uso de produtos de fabricação nacional permitiu um desenvolvimento da indústria manufatureira em Portugal, sobretudo a nível dos tecidos de lã, nomeadamente na região da Covilhã, onde abundava água (fundamental para o tingimento dos tecidos) e gado ovino, por outro suscitou vivos protestos dos comerciantes ingleses (principais fornecedores do mercado representado por Portugal e suas colónias ultramarinas), conduzindo a sucessivas iniciativas diplomáticas, entre as quais de destacou o Tratado de Methuen (1703).
Uma nova Pragmática foi expedida em 14 de Novembro de 1698.
A Pragmática de 1749
Ao final do governo de João V de Portugal (1706-1750), diante da recessão que se esboçava no país, causada pelo declínio da produção de ouro Brasileiro (e queda na cotação do quilate dos diamantes) foi decretada a Pragmática de 24 de Maio de 1749. Por ela, o soberano proibiu a desmesurada ostentação e luxo nas Cortes, prevendo sanções muito pesadas (pecuniárias, prisão, e em casos extremos, o degredo) aos que a desobedecessem. Ao proibir nomeadamente o uso das rendas de qualquer qualidade (de uso caseiro e pessoal), desferiu um duro golpe na actividade das artesãs portuguesas de rendas em Vila do Conde, Peniche, Cascais e Setúbal, por exemplo.
Ao impor a moderação dos adornos e coibir o luxo e os excessos nos trajes, carruagens, móveis e lutos, e interditando o uso de espada a pessoas de baixa condição e outros, mantinha a exclusividade do luxo à Família Real e acentuava de maneira visível a distância entre a Casa Real, a aristocracia e as demais elites no reino, com o objectivo de distinção e diferenciação social. Como exemplo, era proibido o uso da cor vermelha nos librés dos serviçais, por ser essa a cor dos librés da Casa Real. Complementarmente, como medidas de segurança e controle social eram proibidos o uso de carapuças ou capotes que não permitissem ver o rosto.
Ao longo de 31 capítulos determinava-se o que se deveria praticar em relação aos vários itens, não apenas em matéria de roupas ou jóias, como aos objectos de decoração doméstica, cristais e vidros, mesmo que imitações de pedras preciosas. No tocante ao mobiliário, eram vedados os dourados ou prateados, apenas admitidos em molduras ou espelhos. Todos os itens traziam expressa a ressalva de que as restrições não se estendiam às igrejas ou ao culto divino.
A lei também se aplicava às colónias, especificando inclusivamente o que os negros e mulatos deviam usar, impedindo-os de trajar do mesmo modo que os brancos.
Era exigida a máxima sobriedade nos veículos, carruagens e liteiras, em cuja decoração eram vedadas figuras ou máscaras, apenas sendo permitidas as armas.
Ao serem proibidas as importações de artigos de luxo de um modo geral, condicionava-se à produção dos mesmos em território nacional ou, em caso específicos, à importação de artigos vindos da Índia.
Diante da contestação que se levantou, conforme a representação enviada pela Mesa do Bem Comum do Comércio, ao soberano, onde se argumentava sobre os prejuízos que a lei iria trazer ao País, foi expedido um Alvará Régio, em 19 de Setembro de 1749 mantendo a proibição das rendas para uso pessoal, mas autorizando-as em peças de uso caseiro.
As Pragmáticas de D. José I
Com a subida ao poder de José I de Portugal (1750-1777) este revogou a Pragmática de seu antecessor, por Alvará Régio expedido em 21 de Abril de 1751. Entretanto, no mesmo ano promulgou nova Pragmática que proibiu a importação de tecidos, carruagens ou móveis do estrangeiro, salvo se transportados em navios portugueses.
Posteriormente, o marquês de Pombal promulgou nova Pragmática, a 17 de Agosto de 1762, que combinada com a lei de 4 de Fevereiro de 1765, vigorou em anexo às Ordenações do Reino por mais de um século, legislando sobre o luto.[3]
Notas
- ↑ Lei sobre os vestidos de seda, e feitio deles e das pessoas que os podem trazer. Biblioteca Nacional de Lisboa, reservados, códice 3309, fólios 41-42.
- ↑ «Cópia arquivada». Consultado em 10 de janeiro de 2009. Arquivado do original em 4 de março de 2016
- ↑ A lei começava por impor um luto de seis meses pelas pessoas reais, colocando-as à frente dos familiares, muito embora fosse também de seis meses o luto pela própria esposa, marido, pais, avós, bisavós, filhos, netos e bisnetos. De quatro meses era o luto legal pelo sogro ou pela sogra, pelo genro ou pela nora, pelos irmãos e pelos cunhados. Dois meses era o luto por tios, sobrinhos e primos co-irmãos, no Brasil conhecidos como primos carnais. Para os parentes mais remotos o luto era de apenas quinze dias. As crianças que faleciam antes dos sete anos não mereciam luto, qualquer que fosse o grau de parentesco. O luto dividia-se em rigoroso e aliviado. O verdadeiro luto, fechado, começava com a lã, para o pesado, e na segunda metade do prazo passava para a seda, configurando o aliviado. A lei disciplinava, ainda, outros usos que caracterizassem, de forma sisuda ou tolerante, o luto imposto, inclusive a militares, ou pessoas de uniforme, que usavam, obrigatoriamente, fumo ou crepe preto, no braço esquerdo, na espada e no chapéu. A distinção entre o luto fechado e o luto aliviado estava na posição do fumo: os primeiros, no antebraço, os outros no braço, acima do pulso.
Bibliografia
- Cortes Portuguesas. Reinado de D. Afonso IV (1325 -1357). Lisboa: INIC, 1982. p. 101 e segs.
- A 'pragmática' sobre vestidos e comeres. A.N.T.T., Suplemento de Cortes, maço I, doc. 4; publ. por MARQUES, António Henrique de Oliveira. A Pragmática de 1340. in: Ensaios de História Medieval Portuguesa. Lisboa: Portugália, 1964. p. 145 e segs.. Copia ñas Ordenacöes dei-Rei D. Duarte, ed. cit., p. 448-458.
- MARQUES, António Henriques de Oliveira. A Pragmática de 1340. in: Revista da Faculdade de Letras {M}. Segunda Série. 22 (1956): 130-53.
Ver também