Sob contexto da Guerra do Paraguai, a Passagem de Isla Fortin foi a transposição de uma divisão naval da Armada Imperial Brasileira composta pelos couraçadosBahia e Silvado, e o monitorAlagoas, contra uma posição fortificada, estabelecida próxima à Fortaleza de Humaitá, chamada de Isla Fortin, às margens do rio Paraguai, em 24 de julho de 1868. A passagem foi realizada com sucesso, mesmo sob fogo da fortificação. À noite, os paraguaios de Isla Fortin foram transferidos para Acaunguazu e Isla Poi.[1][2]
Antecedentes
O Rio Tebicuari ou Tebiquary desagua no Rio Paraguai. Os paraguaios construíram fortificações próximo a foz do rio para impedir a entrada de navios brasileiros e, consequentemente, impedir a tomada de vapores que lá se localizavam e do acampamento de San Fernando, que margeava o Tebiquary.[3] As baterias dessas fortificações eram constituídas por sete canhões de oito polegadas e dois de 32 libras e, a cerca de 2 mil jardas de distância, uma barrancada com dois canhões de oito polegadas e três de 32 libras, além de dois obuseiros raiados de 32 libras com finalidade de impedir tentativas de desembarque na região.[4]
A Passagem
Às 14h20 do dia 23 de julho, os encouraçados Bahia, Silvado e Alagoas chegaram a foz do Tebiquary. No dia seguinte, as embarcações tomaram suas posições para efetuarem a passagem.[5] O Alagoas foi atracado ao Bahia com o Silvado indo logo atrás a uma distância suficiente para que o Bahia pudesse manobrar e não ser atrapalhado caso houvesse necessidade de retroceder. Segundo o comandante Ignácio, esses eram os navios mais aptos para o cometimento. Os outros navios da esquadra se posicionaram na retaguarda para darem apoio de fogo aos três encouraçados.[6]
Artur Silveira de Mota, Barão de Jaceguay, comandante do Barroso, narra a passagem da foz do Tebiquari, onde chegaram às 14h20 do dia 23 de julho:[5]
“
“fundeamos as três amarras pouco mais abaixo do Tebiquari; os outros dois navios fundearam na margem do Chaco; todos largaram os monitores, e estes, mais próximos da bateria, também fundearam; durante o resto do dia foi um bombardeio incansável e, em regra, durante a noite, de quarto em quarto de hora, fazíamos nosso tiro” e que na manhã seguinte “o Bahia com um monitor amarrado a bombordo e o Silvado subiram o rio a toda velocidade.”
”
Executando o passo, os encouraçados brasileiros foram acometidos por diversos projéteis vindos das fortificações e, assim como em Curupaití e Humaitá, os navios tiveram de atravessar o passo em marcha lenta para conseguirem contornar a volta brusca do rio, e isso forçava-lhes a avançarem perto das baterias causando-lhes diversas avarias pela demasiada proximidade dos canhões.[7] Apesar das dificuldades, os encouraçados conseguiram atravessar essas defesas até chegarem na parte de baixo de um arroio chamado Recado que era um canal do rio Paraguai.[8]
Nessa região, os encouraçados avistaram chaminés de dois vapores paraguaios que estavam fundeados em San Fernando, que segundo o oficial Antônio Luís von Hoonhltz, comandante do Bahia, era um imenso acampamento.[9] O Bahia se posicionou acima do canal enquanto o Silvado abaixo. O papel do Alagoas seria proteger o bombordo do Bahia entrando no canal, atacando os vapores paraguaios e desbaratando o acampamento, porém o monitor havia sofrido uma avaria no sistema de propulsão que o impediu de realizar a missão. Nas palavras de von Hoonholtz: “duas descargas sucessivas acolheram e abalaram este navio, causando-lhe espantosas depressões e bastantes avarias”; após avançarem, ainda sob fogo desta primeira bateria, enfrentaram a segunda em seu relato: “o segundo reduto enfiava-nos pela proa enquanto pelo través os canhões de 68 abalavam a couraça com suas balas despejadas em cheio 12 braças de distância”.[7]. Ainda assim, o monitor disparou de onde estava em direção dos navios e acampamento, fazendo com que a tripulação dos vapores manobrassem seus navios a fim de desviarem das bombas que explodiam acima deles.
O Alagoas ficou um dia atracado em Monte Lindo para reparos; isto não permitiu, contudo, que o navio cumprisse o papel que lhe seria designado pelo Barão da Passagem, comandante da flotilha em Humaitá: após cruzarem as baterias chegaram a um arroio (na verdade um braço do rio Paraguai) chamado Recodo onde avistaram embarcações inimigas: o Silvado deveria guardar a parte de baixo, o Bahia a parte de cima, enquanto o Alagoas deveria adentrar no arroio e afundar os navios inimigos, mas não pode efetuar a tarefa, pois trazia danificado seu sistema de propulsão; o Barão registrou sobre o Alagoas: “fiz dirigir um bombardeio seguido sobre o lugar em que via-se sair a fumaça dos vapores, cujos costados estavam ocultos por uma ilha que forma o riacho, ao mesmo tempo que os maquinistas de bordo ajudados pelo primeiro do Silvado cuidavam de reparar a máquina.”[9]
Por fim, as embarcações brasileiras navegaram até que o matagal os ocultou. Ao final desse ataque, o Bahia retornou de sua posição e o Alagoas atracou a estibordo nele. Ambas as embarcações se posicionaram para retornar o passo e enfrentar novamente as baterias de Tebiquary.[10]
O novo combate das embarcações contra as fortificações foi mais violenta do que a primeira passagem. Ás 16h00 do dia 24, na mesma formação original, iniciou-se a passagem, com o Alagoas atracado ao estibordo do Bahia e junto ao Silvado partiram para enfrentar os navios paraguaios, amparados estes por forte contingente em terra. Às 16h10 sofreu o Bahia intenso bombardeio no qual perdeu seu prático; avariado, o Bahia teria navegabilidade somente em razão de possuir duas hélices que atuavam em velocidades diferentes; assim, para evitar que os navios fossem abordados pelos inimigos, foi convocado, por meio de um tubo acústico para a comunicação entre os navios, o “velho Picardo”, prático do Alagoas, que ali manobrara o Bahia até uma posição segura, após sofrerem duras perdas humanas e de material.[11]. Segue relato de Hoonholtz: “às 04h10min enfrentamos o reduto de cima que nos recebeu com um fogo horrível das suas baterias a queima roupa, causando-nos desta vez as mais sérias avarias e matando imediatamente o bravo e distinto prático 2º Tenente Luiz Reppeto e um dos homens do leme, ferindo a outro gravemente”.
Deste episódio, ficou a dúvida da existência de torpedos do lado dos paraguaios; Hoonholtz registrou: “prosseguiu o Bahia galhardamente a sua marcha, amparando sempre a sua sombra o simpático e memorável Alagoas, com o qual transpusemos a toda força e sem novidade as estacada e a misteriosa linha de torpedos, cuja existência ainda persiste em afirmar o sargento Assencio Pereira”.[5] Ainda no relato de Hoonholtz, enfrentaram uma corrente trespassada no rio por engenheiros ingleses e este teria contado com a propulsão do Alagoas conjugada ao Bahia para forçar a passagem, em aríete, mas isto não dera resultado, somente alcançado após ter ordenado o bombardeio do ponto na margem que prendia a cadeia e esta foi finalmente rompida, a fim de que, assim, esta embarcação pudesse manobrar; tal fato, entretanto, não encontra registro pelo oficial do Alagoas.[12]
Pela primeira vez desde o início de sua campanha no Paraguai, a couraça do Bahia não resistiu aos projéteis da artilharia paraguaia. Uma bala de calibre 68 atravessou a blindagem da casamata e matou um oficial e feriu outros dois tripulantes. Outro projétil teria perfurado a couraça do costado, provocando diversas avarias ao encouraçado. No total, foram 16 impactos dos quais quatro perfuraram a embarcação, além de três mortos e cinco feridos entre as três embarcações.[13] As fortificações voltariam a ser bombardeadas pelo Bahia em 30 de agosto quando este auxiliou a passagem do exército brasileiro sobre o rio.[14]. O Silvado, por sua vez, sofreu importantes avarias no casco acima do lume da água, tendo algumas perfurações. Ao final, registraram-se três mortos e cinco feridos entre as três embarcações.[13]
Donato, Hernâni (1996). Dicionário das Batalhas Brasileiras 2ª ed. São Paulo: Instituição Brasileira de Difusão Cultural. ISBN8534800340. OCLC36768251
Rio Branco, Barão do (2012). Obras do Barão do Rio Branco: Efemérides Brasileiras. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão. ISBN978-85-7631-357-1. OCLC842885255