Manuel Joaquim de Matos e Goes[nota 1] (Índia, Goa, c. 1781 — Timor, Díli, 14 de Abril de 1832) foi um militar e administrador colonial português, que se destacou enquanto Governador de Timor, entre 1821 e 1832.
Biografia
Nascido no seio de uma família fidalga radicada na Índia, é feito Fidalgo-Cavaleiro da Casa Real, a 23 de Março de 1802, por mercê do então Príncipe Regente D. João.[1]
Assenta praça na Real Marinha da Índia, e é promovido a Guarda-Marinha, habilitado com a Aula de Marinha, a 11 de Abril de 1804. Nos anos seguintes é promovido a Capitão-Tenente e, depois, a Primeiro-Tenente. Por volta de 1820, é elevado ao posto de Capitão de Fragata.[2] Em 1824 é nomeado Tenente-Coronel de Infantaria pelo Rei D. João VI.[3]
Governador de Timor
A 1 de Julho de 1818, o então Primeiro-Tenente Matos e Goes, é nomeado Governador e Capitão-Geral de Timor e Solor pelo Rei D. João VI.[4] Parte de Goa com destino a Timor, fazendo escala por alguns meses em Macau. Aí aguarda a chegada das companhias vindas de Goa, compostas por oficiais e degredados, que iriam formar o batalhão Defensores de Timor, a primeira força militar regular do território.[5][6] Chegado finalmente a Díli, toma posse a 13 de Maio de 1821.[7]
Logo nas primeiras semanas de governo, Matos e Goes enfrenta uma rebelião promovida pelo oficial comandante do presídio[nota 2] de Batugadé, no distrito de Bobonaro. Ao saber-se exonerado, José António Tavares, o comandante do presídio, recusa-se a ceder o lugar, dizendo que só o fará com o assentimento dos régulos timorenses da região. Os régulos, tomando o partido do comandante, avisam que deixarão de garantir a defesa do presídio caso Tavares seja substituído. Matos e Goes, não podendo consentir a insubordinação, envia o novo comandante, Bernardino Xavier, com uma companhia militar, ordenando-lhe que tome o presídio. Chegado a Batugadé é impedido de desembarcar pelos locais, vendo-se forçado a regressar a Díli. O governador, consciente de que está em causa a sua autoridade na região, procura reprimir a desobediência a todo o custo. Envia, então, o batalhão Defensores de Timor comandado pelo major José Pereira de Azevedo. Chegado ao destino, marcha até ao presídio apoderando-se deste sem resistência. Ao avistar as tropas, Tavares foge, dando sinal aos contingentes dos reinos locais com um tiro de canhão. Estes, apavorados, não aparecem. Após este episódio, durante toda a administração de Matos e Goes, os reinos vassalos mantiveram-se serenos, não tornando a ser necessário recorrer à força para garantir a sua obediência.[7]
Apesar de os anos que se seguiram à Revolução de 1820 terem sido politicamente conturbados em Portugal e em algumas possessões portuguesas como Goa ou Macau, em Timor não se verificaram movimentações dignas de registo. À época, as notícias da metrópole demoravam cerca de 2 anos a chegar a Timor, facto que favoreceu a estabilidade política na ilha. Matos e Goes mantém-se como governador, jurando, a 11 de Abril de 1823, a Constituição de 1822[9] e, a 4 de Maio de 1829, a Carta Constitucional.[10]
No governo de Matos e Goes inicia-se a exploração mineira em Timor, por sugestão do Governador da Índia, D. Manuel da Câmara. As primeiras experiências são efectuadas em 1823 e as amostras enviadas para Goa. Em 1825, a Universidade de Coimbra envia o bacharel Guilherme José António Dias Pegado[11], natural de Macau, como técnico especialista para iniciar a pesquisa de ouro, cobre, sal e petróleo. Previa-se que o cobre fosse muito abundante em Timor, mas as expectativas não se confirmaram. Por outro lado, os estudos revelaram a viabilidade da extração de sal para exportação, no entanto o projecto foi igualmente abandonado.[6]
Matos e Goes é incentivado pelo Governo da Índia a desenvolver a agricultura na ilha, nomeadamente as culturas do açúcar e o algodão, apesar da desilusão quanto às remessas destes produtos no governo de Pinto Alcoforado, seu antecessor. Em 1825, tendo em vista o cultivo de tabaco, solicita aos governos da Índia e de Macau a contratação e envio de 20 famílias chinesas, que em 1830 ainda não haviam sido enviadas.[12] Nesse ano são-lhe também recomendadas as culturas do anil, da papoila do ópio e do cânhamo.[6]
Por volta de 1825, vendo a sua saúde debilitada devido ao clima insalubre de Díli, Matos e Goes procura deixar a ilha e regressar à Índia, pedindo ao Governo da Metrópole a nomeação como Governador de Damão.[13] Contudo acaba reconduzido nas suas funções, permanecendo em Timor.[14]
De acordo com Humberto Luna de Oliveira, na sua obra «Timor na História de Portugal»[15], Matos e Goes fora um profundo conhecedor da história de Timor, tendo feito um bom governo ao manter a paz e a estabilidade financeira do território, assegurando a soberania portuguesa. Já Afonso de Castro (Governador de Timor 1858-1863), na sua obra «As possessões portuguezas na Oceania»[7], tece ferozes críticas a Matos e Goes, acusando-o de descurar os negócios públicos, preocupando-se única e exclusivamente em satisfazer os vícios da embriaguez, do jogo e da concupiscência (sic). Tais ataques de carácter possivelmente teriam motivações políticas, dado Castro ser um setembrista e Goes um aparente simpatizante da causa de D. Miguel I.[16]
A 30 de Abril de 1829, Matos e Goes é nomeado Governador de Macau pelo Rei D. Miguel I.[7][17][18] Por uma sequência de infortúnios não chega, contudo, a ocupar o cargo. Antes de partir para Macau, terá de aguardar pela chegada de um sucessor no governo de Timor.[19] Para o suceder, é nomeado Joaquim José de Almeida Salema[20], que morre antes que pudesse assumir o lugar.[21] No ano seguinte, é nomeado D. Miguel da Silveira e Lorena[22] que tarda em partir para a ilha. Tragicamente, Matos e Goes vem a falecer a 14 de Abril de 1832, na véspera do dia em que finalmente chegaria o sucessor.[7][21]
Matos e Goes foi um dos governadores mais duradouros da história de Timor, exercendo o cargo por cerca de 11 anos, de 13 de Maio de 1821 até à sua morte a 14 de Abril de 1832. Fernando Augusto de Figueiredo, na obra «Timor: A Presença Portuguesa (1769-1945)»[6], depreende que Matos e Goes possuiria um elevado tacto político, dado ter-se mantido no cargo por um longo período de tempo numa época de grande agitação política, chegando mesmo a ser promovido com a nomeação para o governo de Macau.
Família
Era filho de Cipriano José de Matos e Goes (Lisboa, 22.08.1741 — Goa, 10.10.1805)[23], Fidalgo-Cavaleiro da Casa Real, e de Maria Rita Freire de Castro da Cunha de Eça. Era sobrinho-materno de Vitorino Freire da Cunha Gusmão, Governador de Timor entre 1812 e 1815. Casou em 1806, em Ribandar, com Genoveva Ludovina Mourão Garcez Palha (Bardez, c. 1785 — Ribandar, 12.09.1856)[24], irmã do Governador da Índia, Joaquim Mourão Garcez Palha, e filha de Cândido José Mourão Garcez Palha e de Ângela Maria de Sousa Rancosa. Do seu casamento nasceu uma filha, Maria Antónia de Matos e Goes (Ribandar, 14.04.1807 — Pangim, 24.11.1887)[25], que veio a casar com Francisco da Costa Campos, General e Fidalgo-Cavaleiro da Casa Real, irmão de José e de Luís da Costa Campos, tendo numerosa descendência.
Ver também
Notas
- ↑ Nos documentos da época o sobrenome surge na forma de Mattos e Goes, de Mattos Goes, de Matos e Goes, ou de Matos Goes. Nas referências mais recentes, surge na forma de Matos e Góis, ou de Matos Góis.
- ↑ Presídio[8], neste contexto, corresponde a uma povoação fortificada e militarizada, e não a um estabelecimento prisional.
Referências
- ↑ «Registo Geral de mercês do reinado de D. João VI». Arquivo Nacional da Torre do Tombo. 23 de março de 1802. Consultado em 16 de março de 2023
- ↑ «Graduado em Capitão de Fragata, o Capitão Tenente Manuel Joaquim de Mattos e Goes, nomeado Governador das Ilhas de Solor e Timor» (PDF). Gazeta Extraordinária do Rio de Janeiro. 16 de outubro de 1820. Consultado em 21 de março de 2023
- ↑ «DECRETO do rei, D. João VI para o Conselho Ultramarino a ordenar a promoção do capitão de fragata graduado da Marinha de Goa e governador geral das ilhas de Timor e Solor, Manuel Joaquim de Matos e Gois, ao posto de tenente-coronel de Infantaria.». Arquivo Histórico Ultramarino. 6 de abril de 1824. Consultado em 18 de março de 2023
- ↑ «Decreto do Rei, D. João VI da nomeação do 1º tenente da Marinha de Goa, Manuel Joaquim de Matos Góis, para governador das ilhas de Timor e Solor por três anos». Arquivo Histórico Ultramarino. 1 de julho de 1818. Consultado em 16 de março de 2023
- ↑ «Ofício do [capitão-tenente da Marinha de Goa e governador e capitão-geral nomeado para as ilhas de Timor e Solor], Manuel Joaquim de Matos Gois para o secretário de estado da Marinha e Ultramar, conde dos Arcos, [D. Marcos de Noronha e Brito] sobre a chegada a Macau no navio "1º Rei" do Reino Unido. Chegada a Macau no navio das vias saído de Goa com 7 oficiais e 52 degredados para servirem no batalhão a formar em Timor.». Arquivo Histórico Ultramarino. 29 de julho de 1820. Consultado em 18 de março de 2023
- ↑ a b c d Fernando Augusto de Figueiredo (2004). «Timor: A Presença Portuguesa (1769-1945)» (PDF). Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Consultado em 17 de março de 2023
- ↑ a b c d e Afonso de Castro (1867). «As possessōes portuguezas na Oceania». Imprensa Nacional. Consultado em 16 de março de 2023
- ↑ «presídio». Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Consultado em 20 de março de 2023
- ↑ «OFÍCIO do [governador e capitão-geral das ilhas de Timor e Solor], Manuel Joaquim de Matos Gois para secretário de estado da Marinha e Ultramar, Manuel Inácio da Costa Quintal a enviar as cópias (letra A) da Ordem da Junta Provincial do Governo da Índia a mandar convocar as autoridades e população de Timor para o juramento à Constituição portuguesa, (letra B) do termo sobre o juramento prestado à constituição pelas autoridades e mais pessoas de Timor.». Arquivo Histórico Ultramarino. 16 de maio de 1823. Consultado em 18 de março de 2023
- ↑ «CARTA do [governador e capitão-geral das ilhas de Timor e Solor], Manuel Joaquim de Matos Gois ao rei [D. Miguel] a enviar o auto de juramento da Carta Constitucional.». Arquivo Histórico Ultramarino. 4 de maio de 1829. Consultado em 18 de março de 2023
- ↑ «História da Ciência na UC: Guilherme José António Dias Teixeira Pegado (1803-1885)». Imprensa Nacional. Consultado em 19 de março de 2023
- ↑ «CARTA do [governador e capitão-geral das ilhas de Timor e Solor], Manuel Joaquim de Matos e Gois ao rei [D. Miguel] sobre a impossibilidade de estimular o cultivo do tabaco devido ao não envio dos chineses agrícolas pedidos ao governador e capitão-general do Estado da Índia e ao governador e capitão-geral de Macau.». Arquivo Histórico Ultramarino. 15 de maio de 1830. Consultado em 18 de março de 2023
- ↑ «OFÍCIO do [governador e capitão-geral das ilhas de Timor e Solor], Manuel Joaquim de Matos Gois para o secretário de estado da Marinha e Ultramar, marquês de Viana, [D. João Manuel de Meneses] a enviar requerimento em que pede nomeação para o governo de Damão.». Arquivo Histórico Ultramarino. 10 de junho de 1825. Consultado em 18 de março de 2023
- ↑ «OFÍCIO do [governador e capitão-geral das ilhas de Timor e Solor], Manuel Joaquim de Matos Gois para o secretário de estado da Marinha e Ultramar, conde de Subserra, [Manuel Inácio Pamplona Corte Real] a agradecer a promoção a tenente-coronel de Infantaria e a conservação no cargo de governador e capitão geral das ilhas de Timor e Solor.». Arquivo Histórico Ultramarino. 28 de maio de 1826. Consultado em 18 de março de 2023
- ↑ Luna de Oliveira (1949). «Timor na história de Portugal». Agência Geral das Colónias. Consultado em 16 de março de 2023
- ↑ «CARTA do [governador e capitão-geral das ilhas de Timor e Solor], Manuel Joaquim de Matos e Gois ao rei [D. Miguel] a enviar congratulações pela chegada do rei a Lisboa.». Arquivo Histórico Ultramarino. 15 de maio de 1830. Consultado em 18 de março de 2023
- ↑ «Registo Geral de mercês do reinado de D. Miguel I». Arquivo Nacional da Torre do Tombo. 30 de abril de 1829. Consultado em 18 de março de 2023
- ↑ «CARTA do [governador e capitão-geral das ilhas de Timor e Solor], Manuel Joaquim de Matos e Gois ao rei [D. Miguel] a agradecer a mercê da comenda e da nomeação em governador de Macau.». Arquivo Histórico Ultramarino. 15 de maio de 1830. Consultado em 18 de março de 2023
- ↑ «Carta do [governador e capitão-geral das ilhas de Timor e Solor], Manuel Joaquim de Matos e Góis ao Rei [D. Miguel] a justificar a demora na sua partida por não ter chegado o seu sucessor». Arquivo Histórico Ultramarino. 15 de maio de 1830. Consultado em 16 de março de 2023
- ↑ «Decreto do rei D. Miguel a prover o sargento-mor de artilharia com exercício de comandante da praça de Aguada em Goa, Joaquim José de Almeida Salema, no governo das ilhas de Timor e Solor.». Arquivo Histórico Ultramarino. 18 de março de 1829. Consultado em 1 de agosto de 2024
- ↑ a b «Ofício do [governador e capitão-geral das ilhas de Timor e Solor], D. Miguel da Silveira e Lorena para o secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Conde de Basto, [José António de Oliveira Leite Barros] sobre a sua chegada a Timor, tomada de posse do governo e falecimento do governador nomeado Joaquim José de Almeida Salema e do governador Manuel Joaquim de Matos Góis». Arquivo Histórico Ultramarino. 14 de maio de 1832. Consultado em 1 de agosto de 2024
- ↑ «Decreto do rei D. Miguel a nomear o tenente de Infantaria do estado da Índia, D. Miguel da Silveira e Lorena, em governador das ilhas de Timor e Solor, dando por acabado o governo das mesmas ilhas a Joaquim José de Almeida Salema, nomeado por decreto de 18 de Março de 1829.». Arquivo Histórico Ultramarino. 6 de abril de 1830. Consultado em 1 de agosto de 2024
- ↑ «Perfil genealógico de Cipriano José de Matos e Góis». Portal GeneAll.net
- ↑ «Perfil genealógico de Genoveva Ludovina Mourão Garcez Palha». Portal GeneAll.net
- ↑ «Perfil genealógico de Maria Antónia de Matos e Goes». Portal GeneAll.net