João Baconthorpe (também Bacon, Baco, e Bacconius) (em inglês: John Baconthorpe, em latim: Johannes Anglicus; Baconsthorpe, c. 1290 – Blakeney, 1347) foi um erudito monge carmelita e filósofo escolástico inglês.[1]
Biografia
Ele nasceu em Baconsthorpe, Norfolk,[2] e parece ter sido sobrinho-neto de Roger Bacon (Brit. Mus. Add. MS. 19. 116).[3] Na juventude, ingressou na Ordem do Carmo, tornando-se frade[4] em Blakeney.[2] Estudou em Oxford[2] e Paris. Em 1323 concluiu seu mestrado em Teologia em Paris.[4] Acredita-se que tenha ensinado teologia em Cambridge e Oxford.[2] Por fim, ficou conhecido como doctor resolutus,[5][3] embora a implicação disso seja incerta.
Baconsthorpe foi um prior provincial da Ordem na Inglaterra de 1327 até 1333.[2] Parece ter-se antecipado a John Wycliffe na defesa da subordinação do clero ao rei.[3] Em 1333 foi enviado para Roma, onde, diz-se, defendeu a autoridade papal nos casos de divórcio; porém, mais tarde, mudou de opinião quanto a isso.[3] Morreu em Londres, por volta de 1347.[2][4][5][3] Muito tempo depois de sua morte, durante o Renascimento, João Baconthorpe foi reconhecido como sendo uma autoridade em teologia carmelita.[5]
Obras
Várias obras escritas por João Baconsthorpe chegaram até os nossos dias. Seu trabalho mais conhecido é um comentário sobre as Sentenças de Pedro Lombardo, que sobrevive em várias versões.[2][4] Durante quase três séculos após sua publicação, ele ainda foi estudado em Pádua, o último reduto do averroísmo e Lucilio Vanini falou dele com grande veneração.[3] (O texto pode ser encontrado no seu original em latim sob o título Doctoris resoluti Joannis Bacconis Anglici Carmelitae radiantissimi opus super quattuor sententiarum libris.)[3] Além deste trabalho, sobreviveram ainda três Quodlibeta - questões sobre Direito canônico - e comentários sobre o Evangelho segundo Mateus, sobre as obras de Santo Agostinho e Santo Anselmo.[2]
Filosofia
Embora ele fosse bem versado em várias perspectivas teológicas, Baconsthorpe era antes de tudo um carmelita. Como um teólogo, fez questão de defender o dogma católico da Imaculada Conceição, e afirmar a importância de sua Ordem no contexto da tradição histórica e espiritual.[5] Da mesma forma, Baconsthorpe debateu abertamente com os seus contemporâneos, como Henrique de Gante, Duns Escoto, e Pedro Auréolo,[4] e consistentemente desafiou as perspectivas de filósofos antigos.[5] Ele mesmo teve desentendimentos com companheiros carmelitas, como Gerardo de Bolonha, Guido Terrena, e Roberto Walsingham.[5]
Baconthorpe é comumente visto como um averroísta - seguidor de ibn Rushd, ou Averróis para o mundo latino - embora, seja improvável que ele se visse como tal. Recebeu o título de princeps Averroistarum,[3] que significa "príncipe dos averroístas", pelos mestres da Universidade de Pádua, séculos depois de sua morte.[5] Foi lhe dado este título não porque ele concordava com Averróis, mas apenas devido a sua habilidade para explicar algumas das ideias filosóficas do polímata muçulmano andaluz.[5] Mais notavelmente, em seu comentário sobre as Sentenças, ele discute a perspectiva de Averróis em grande profundidade, juntamente com a de Aristóteles.[4] Semelhantemente, Ernest Renan diz que ele apenas tentou defender o averroísmo contra a acusação de heterodoxia.[3] Averróis foi certamente uma influência relevante para Baconsthorpe, e algumas vezes ele fez referência a comentários de Averróis em seus próprios argumentos;[5] porém, ele também fez referência a outros teólogos, incluindo muitos de seus contemporâneos,[4][5] portanto, não se deve presumir que Averróis foi a principal influência sobre o pensamento de Baconthorpe.
Talvez, a mais importante influência sobre João Baconsthorpe tenha sido as Condenações de 1210–1277 promulgadas pelas Universidades de Oxford e Paris,[4] que proibiram o ensino de qualquer uma das 219 teses filosóficas e teológicas censuradas pelo bispo Étienne Tempier.[6] Baconsthorpe abertamente discordou da proibição de muitas dessas obras, como as de Egídio de Roma e Godofredo de Fontaines.[5] Fundamentalmente, isto serviu para apoiar as doutrinas da Igreja. Ele deu atenção especial às obras de Tomás de Aquino sobre filosofia natural,[7] na qual Baconthorpe se baseia para fundamentar muitos de seus argumentos.[4] Em contraste com Aquino, a perspectiva de Baconsthorpe era a de que existem duas substâncias: o corpo humano e a alma eterna.[4] A opinião de Baconsthorpe sobre anjos foi igualmente influenciada pelas Condenações em Paris, em estrita oposição a Aquino.[4]
Muitas das discussões teológicas de Baconsthorpe se concentram, em grande parte, sobre a forma e função da humanidade. De acordo com a noção de que o corpo humano e a alma eterna são entidades separadas, ele afirmou que a alma é causa específica do intelecto e que a alma é uma substância intelectual que torna a forma humana inteligível.[8] Apesar disso, ele ainda acredita que exista o livre-arbítrio, sem que as decisões necessariamente tenham uma causa.[4] Efetivamente, acreditava que as almas tomam suas próprias decisões que são impostas aos corpos humanos, mas Deus mantém um completo conhecimento de cada alma e de cada decisão que será tomada.[4] Como consequência, ele nega a possibilidade de quaisquer mecanismos materiais estarem envolvidos no intelecto.[5]
Notas
- ↑ Benedict Zimmerman, Catholic Encyclopedia (1913) entrada para «John Bacon» (em inglês). , volume 2
- ↑ a b c d e f g h Pasnau, R. (2010), The Cambridge History of Medieval Philosophy, Vol. II. Cambridge. pg. 291–292.
- ↑ a b c d e f g h i Encyclopædia Britannica (1911) entrada para «Baconthorpe, John» (em inglês). , volume 3, página 156
- ↑ a b c d e f g h i j k l m Gracia, J. J. & Noone, T. B. (2003). A Companion to Philosophy in the Middle Ages. Oxford: Blackwell. pg. 338-9.
- ↑ a b c d e f g h i j k l Nolan, S. (2011) "John Baconthorp." Encyclopedia of Medieval Philosophy. Lagerlund: Springer, Henrik (Ed.) XXIII, 1423.
- ↑ Thijssen, H. (2008, Fall). "Condemnation of 1277", The Stanford Encyclopedia of Philosophy. [1].
- ↑ Wallace, W. A. (1982). “St. Thomas’s conception of natural philosophy and its method”, in LaPhilosophie de la nature de Saint Thomas d’Aquin, Pontificia Editrice Vaticana. pg. 7–27.
- ↑ Etzwiler, J. P. (1971), "Baconthorp and the Latin Averroism: The Doctrine of the Unique Intellect", Carmelus, 19: 235–292.
Referências
- Chisholm, Hugh, ed. (1911). «Baconthorpe, John». Encyclopædia Britannica (em inglês) 11.ª ed. Encyclopædia Britannica, Inc. (atualmente em domínio público)
- Johannes de Baconthorpe ou Anglicus, Quaestiones in quatuor libros Sententiarum (Cremona, 1618).
- Zimmerman, B. (1913). «John Bacon». In: Herbermann, Charles. Enciclopédia Católica (em inglês). Nova Iorque: Robert Appleton Company
- Brucker, Hist. Crit. iii. 865.
- Stuckl, Phil. d. Mittel. ii. 1044–1045.
- Haureau, Phil. Scol. ii. 476.
- K. Prantl, Ges. d. Logik, iii. 318.
- J. B. de Lezana's Annales Sacri, iv.