José Mário Monteiro Guedes Branco, mais conhecido por José Mário Branco (Porto, 25 de maio de 1942 – Lisboa, 19 de novembro de 2019), foi um músico, cantautor, compositor/arranjador e produtor musical português. É descrito como "um dos nomes maiores da canção portuguesa" e apresenta uma extensa actividade musical nas mais variadas áreas, contando com uma carreira de cinco décadas.
Em 1963 e com apenas 21 anos, viu-se forçado a exilar-se em Paris para fugir ao serviço militar e à guerra colonial, relativamente à qual era, expressamente, contra. Regressou a Portugal em 1974, após a Revolução dos Cravos.
Filho de professores primários, cresceu entre o Porto e Leça da Palmeira. Iniciou o seu percurso musical no primeiro ano do liceu, com aulas de violino no Conservatório de Música do Porto, tendo desistido ao fim de um ano.[1] Só retomaria os estudos em música anos mais tarde, em 1958, na escola de música Parnaso no Porto, onde estudou piano, flauta, percussão, composição, orquestração, análise musical e etnomusicologia.[2][3][4]
Durante a sua juventude foi católico crente e fez parte da JEC. Apesar disso, apoiou em 1958 a candidatura de Humberto Delgado e a sua consciência política começou a despertar. Em 1961 voltou ao liceu para poder ingressar no curso de História da Universidade de Coimbra. Nessa altura tornou-se militante do PCP, e um ano mais tarde ingressou na Universidade de Coimbra. O seu curto percurso académico terminou com a prisão pela PIDE a 28 de Abril de 1962, durante as férias da páscoa. Só seria libertado cinco meses depois, a 29 de Setembro. Voltou a ingressar no curso de História, desta vez na Universidade do Porto, e pouco tempo depois foi chamado para cumprir serviço militar obrigatório.[1]
Recusando-se a combater na guerra colonial e sem o apoio do PCP, que defendia o o trabalho político dos seus militantes nas, então, colónias, exilou-se em Paris em Junho de 1963 com apenas 21 anos de idade. Só voltou a Portugal onze anos mais tarde, após a Revolução dos Cravos, em 1974. [5]
Exílio e início do percurso musical
Em Paris começa a compor canções, primeiro em francês e depois em português. Em 1965 fundou o grupo Teatro da Liga, com o qual colaborou durante alguns anos. Aquando do Maio de 68 já tocava em festas, escolas e faculdades, juntamente com os companheiros de exílioSérgio Godinho, Luís Cília e Tino Flores. Fundou ainda o Grupo Organon, corporação artística que realizava diversas actividades por França.[1]
Em 1969 edita o seu primeiro EP Seis cantigas de amigo, editado pelos Arquivos Sonoros Portugueses.[6] A sua actividade musical continuou a desenvolver-se a partir de 1970, com o trabalho de produção de álbuns de Jean Sommer e a publicação do EP Ronda do soldadinho / Mãos ao ar!.[5]
Depois da Revolução dos Cravos regressou a Portugal e foi um dos fundadores do GAC, criado em Maio de 1974 juntamente com Tino Flores, Fausto Bordalo Dias e Afonso Dias.[7] Com o GAC percorreu o país de norte a sul e deu mais de mil espectáculos, assumindo publicamente a vontade de se expressar colectivamente e afastando a ideia de uma carreira a solo. Em 1975 foi convidado, a título individual, para participar no Festival RTP da Canção, mas optou por concorrer colectivamente com o GAC, apresentando o tema “Alerta”. A parceria com o GAC durou apenas um ano e meio.[5][8]
Abandonou a Comuna e junto com outros actores, também dissidentes, fundou, em 1979, o Teatro do Mundo com o qual colaborou em várias peças, tendo um papel preponderante nas atividades da companhia de teatro. [9]
Actividade musical após 1980
Em 1980 foi autor dos arranjos musicais da canção “Esta página em branco”, do Quarteto Música em Si, que concorreu ao Festival RTP da Canção, tendo ficado em 6º lugar, com um total de 24 pontos. No ano seguinte colaborou com o sobrinho António Branco nos arranjos da canção “Tanto e tão pouco”, ficando em 8º lugar na classificação geral do festival.[10][11]
O regresso aos álbuns originais só aconteceria oito anos após o fim do seu exílio, com a publicação do LP Ser soli(d)/(t)ário e do emblemático single “FMI”, obra síntese do movimento revolucionário português com seus sonhos e desencantos. Esta última foi proibida, pelo próprio autor, de passar em qualquer estação emissora de rádio, TV ou outro tipo de exibição pública. Não obstante este facto, "FMI" será, provavelmente, a sua obra mais conhecida.[8][12]
Ao longo das décadas de 80 e 90 compôs música para inúmeros filmes e peças de teatro. Exerceu também um longo e prolifero trabalho como produtor musical de fado, tendo produzido álbuns para Camané, Carlos do Carmo, e — mais recentemente — para Katia Guerreiro. Ocupou assim um lugar de grande destaque no meio artístico do fado.
Em 2006, com 64 anos, José Mário Branco iniciou uma licenciatura em Linguística e estudos portugueses na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Terminou o 1.º ano com média de 19,1 valores, sendo considerado o melhor aluno do seu curso. Desvalorizou a bolsa de estudo por mérito que lhe foi atribuída, dizendo que é «algo normal numa carreira académica».[14][15]
Morreu aos 77 anos vítima de paragem cardio-respiratória, na madrugada do dia 19 de Novembro de 2019, em Lisboa, horas após ter concluído, em estúdio, o trabalho de produção, direção e arranjo musical do álbum Ruas e Memórias, de Marco Oliveira, editado em 2022.[16][17][18][15]
Espectáculos emblemáticos
Espectáculo “Mudar de Vida”
José Mário Branco apresentou o espectáculo “Mudar de vida” no dia 30 de Abril de 2007, na Casa da Música, no Porto, no qual interpretou a canção inédita “Mudar de vida”, juntamente com repertório já conhecido. O espectáculo foi apresentado no ano seguinte em Lisboa, na Culturgest, no dia 30 de Outubro.
Em 2016 foi publicado o documentário "Mudar de vida: José Mário Branco, Vida e Obra", da autoria de Nelson Guerreiro e Pedro Fidalgo. Filmado entre 2005 e 2013, a canção “Mudar de vida” é apresentada na íntegra ao longo do documentário, sendo o único registo que existe da mesma, uma vez que nunca foi editada em álbum.[19]
Em Junho de 2014, a Casa da Música do Porto anunciou uma homenagem a José Mário Branco, com a apresentação do espectáculo ... De Certa Maneira, um concerto para José Mário Branco, que contou com a participação de vários músicos, tais como JP Simões, coro Os Gambuzinos, Chullage, Manuel Pinheiro, inter alia.[24][25]
Em Junho de 2018 foi disponibilizado para livre consulta o Arquivo José Mário Branco, uma plataforma online mantida pelo CESEM – Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical da NOVA FCSH, e que resultou de uma parceria directa com José Mário Branco. O Arquivo José Mário Branco conta com mais de dois mil documentos que constituíam o acervo pessoal que o compositor foi reunindo na sua residência ao longo de várias décadas de carreira, e inclui documentos, partituras, cifras, letras de canções, correspondência, ficheiros de áudio e mapeamentos.[27][28]
"Um disco para José Mário Branco"
Em maio de 2019 foi publicado o álbum Um disco para José Mário Branco, apresentado como "um disco de agradecimento" que reúne dezasseis temas do legado musical de José Mário Branco, interpretados por diversos artistas e bandas portuguesas, entre os quais JP Simões, Osso Vaidoso, Camané e Peste & Sida.[29][30][31]
Centro de Estudos e Documentação José Mário Branco - Música e Liberdade
Em Junho de 2021 foi assinado um protocolo entre a família de José Mário Branco e a NOVA FCSH, no qual foi cedido o espólio físico e fonográfico do artista, que está a ser organizado e catalogado pelo Centro de Estudos e Documentação José Mário Branco – Música e Liberdade, criado para o efeito, e gerido por uma Comissão Científica que integra investigadores de duas unidades de investigação da NOVA FCSH - CESEM e INET-md.[32][33][34]
Durante as décadas de 80 e 90 publicou mais três álbuns de estúdio e um álbum ao vivo. O seu último álbum de originais, Resistir é vencer, foi publicado em 2004.[36][37]
A partir da década de 80 realizou diversos trabalhos de produção musical para inúmeros artistas portugueses, entre eles Carlos do Carmo, Camané e Katia Guerreiro, inter alia.[36]
Da sua discografia fazem também parte trabalhos de composição de bandas-sonoras para filmes e peças de teatro, e ainda três colectâneas de canções originais.[39]
↑Seara.com. «Teatro O Bando». Teatro O Bando. Consultado em 30 de novembro de 2021
↑Nascimento, Frederico Lopes / Marco Oliveira / Guilherme. «Cinema Português - José Mário Branco». CinePT-Cinema Portugues. Consultado em 30 de novembro de 2021