Guguê[1][2] ou Gugê[2][3] (em tibetano: གུ་གེ་; Wylie: gu ge), também chamado Coguê,[4][5]Coquê[5][6] ou Gugue[6] em fontes portuguesas do século XVII, foi um antigo reino do Tibete Ocidental, centrado no que é atualmente o distrito de Zanda da prefeitura de Ngari, região autónomaTibete, administrada de facto pela China. Em várias épocas da história depois do século X d.C., o reino estendeu-se por uma vasta área que ia até ao sudeste do Zanskar, Alto Kinnaur e vale de Spiti (territórios atualmente no noroeste da Índia), quer como conquistas quer como vassalos. Teve duas capitais, Tholing e Chaparangue (Tsaparang), ambas distantes uma da outra apenas alguns quilómetros, situadas no vale do Sutle, cerca de 150 km a oeste da montanha sagrada de Kailash e 1 100 km a oeste de Lassa (distâncias em linha reta; por estrada a distância a Lassa é 1 450 km).
História
O reino foi fundado no século X por Nyi ma mgon (ou Nyimagon),[7] um neto de Langdarma (ou Glang Darma), o último monarca do Império Tibetano. Em 910 Nyi ma mgon abandonou Ü-Tsang, a antiga capital imperial, onde não havia condições de segurança, e fundou um reino em Ngari em 912 ou pouco depois, anexando Purang (Burang) e Guguê, onde instalou a sua capital. Mais tarde, Nyi ma mgon dividiu as suas terras em três partes. O filho mais velho, dPal gyi mgon, tornou-se governante de Mar-yul (Ladaque); ao segundo filho, bKra shis mgon, couberam as regiões de Guguê e Purang; o terceiro filho, lDe gtsug mgon, ficou com o Zanskar.[8]
bKra shis mgon foi sucedido pelo seu filho Srong nge (também conhecido como Yeshe-Ö), que viveu entre 947 e 1024 ou entre 959 e 1036 e é uma figura budista famosa. Durante o reinado de Yeshe-Ö, o lotsawa (lit: "tradutor" [de textos budistas para tibetano]) natural de Guguê Rinchen Zangpo(958–1055) regressou à sua terra natal como monge budista depois de ter estudado budismo na Índia e difundiu o budismo em Guguê com o apoio zeloso do rei, o que marcou o início de uma novo período de expansão do budismo no Tibete Ocidental. Em 988, Yeshe-Ö tornou-se monge e entregou o trono ao seu irmão mais novo, Khor-re. Durante uma guerra, os turcomanoscarlucos prenderam Yeshe-Ö.[8]
Em 1037, 'Od lde, neto mais velho de Khor-re, foi morto num combate contra o Canato Caracânida da Transoxiana, na Ásia Central, que posteriormente devastou Ngari. O seu irmão Byang chub 'Od (984–1078), um monge budista, tomou o poder como governante secular. Byang convidou o erudito budista bengaliAtisha, dando início à chamada fase Phyi-dar do budismo no Tibete.[9]
O filho de Byang chub 'Od, rTse lde, foi assassinado pelo sobrinho em 1088, o que provocou a divisão do reino de Guguê-Purang, pois um dos seus irmãos estabeleceu um reino separado em Purang. O sobrinho usurpador dBang lde deu continuidade à dinastia real de Guguê.[9]
Grags pa lde foi um governante importante, que reunificou a região de Guguê c. 1265 e subjugou o reino vizinho de Ya rtse. Depois da sua morte em 1277, o poder em Guguê foi tomado pela escola monástica budista Sakya. Depois de 1363, com o declínio da dinastia Yuan e da seita Sakya (sua protegida), Guguê voltou a fortalecer-se e conquistou Purang em 1378. Purang passou a ser disputada entre Guguê e Mustang, mas acabou por ser integrada no reino de Guguê, que também governou o Ladaque brevemente no final do século XIV. A partir de 1499, os reis de Guguê foram vassalos dos governantes Rinpungpa de Ü-Tsang. Os séculos XV e XVI foram marcados pela construção de um número considerável de edifícios budistas promovida pelos reis de Guguê, que frequentemente demostraram a sua devoção aos líderes da seita Gelug, mais tarde conhecidos como Dalai Lamas.[10]
Os primeiros ocidentais a visitarem Guguê foram os missionáriosjesuítasportuguesesAntónio de Andrade e Manuel Marques, que estiveram em Chaparangue em 1624. Andrade relatou ter visto canais de irrigação e colheitas abundantes no que são atualmente terras secas e desoladas. Talvez como prova da abertura do reino, os jesuítas foram autorizados a construir uma capela em Chaparangue e pregar o cristianismo.[11]
António de Andrade relata que alguns comandantes militares se revoltaram e pediram ajuda ao rei ladaque para depor o rei de Guguê. Já há muitos anos que havia frições entre Guguê e o Ladaque. Em 1630, as tropas ladaques cercaram a quase impenetrável Chaparangue e o irmão do rei de Guguê, um lama superior e consequentemente um fervoroso budista, aconselhou o irmão pró-cristão a render-se em troca de manter-se no poder como vassalo dos invasores. O conselho traiçoeiro acabou por ser aceite e as fontes históricas tibetanas sugerem que a população não foi importunada e o reino manteve a sua autonomia.[12] Entretanto, uma lenda conta que o exército ladaque chacinou a maior parte da população de Guguê e que cerca de 200 sobreviventes fugiram para Qulong.[13] O último rei de Guguê, Khri bKra shis Grags pa lde, foi levado para o Ladaque como prisioneiro com a sua família e por lá morreu. O irmão lama do rei foi morto pelos invasores. Mais tarde, o último descendente masculino da dinastia instalou-se em Lassa, onde morreu em 1743.[14]
Chaparangue e o reino de Guguê foram mais tarde conquistados em 1679–1680 ao Ladaque pelo governo central tibetano de Lassa liderado pelo 5.º Dalai Lama, durante a Guerra Tibete–Ladaque–Mogol.[15]
Os arqueólogos ocidentais tomaram conhecimento de Guguê na década de 1930 através dos trabalhos do orientalista italiano Giuseppe Tucci, que estudou principalmente os frescos de Guguê. O lama Anagarika Govinda e Li Gotami Govinda visitaram a região, nomeadamente Tholing, e Tsaparang, entre 1947 e 1949. As suas viagens no Tibete central e ocidental estão registadas em excelentes fotografias a preto e branco.[16]
Reis de Guguê
A lista apresentada a seguir é relativa não apenas aos monarcas do reino a que o resto do texto se refere, mas também aos seus antepassados ou parentes mais próximos que foram governantes de reinos relacionados com Guguê propriamente dito, nomeadamente quando Guguê esteve fragmentado. Foi elaborada com base nos trabalhos dos tibetólogosLuciano Petech[17] e Roberto Vitali.[18]
Antepassados da Dinastia Tubo
Nota: `Tubo´ é geralmente um sinónimo de `Tibete´ nas crónicas chinesas.
↑Snelling, John. (1990). The Sacred Mountain: The Complete Guide to Tibet's Mount Kailas. 1st edition 1983. Revised and enlarged edition, including: Kailas-Manasarovar Travellers' Guide. Forwards by H.H. the Dalai Lama of Tibet and Christmas Humphreys, p. 181. East-West Publications, London and The Hague. ISBN 0-85692-173-4.
↑ abHoffman, Helmut, "Early and Medieval Tibet", in Sinor, David, ed., Cambridge History of Early Inner Asia Cambridge: Cambridge University Press, 1990), 388, 394; A. McKay, ed. (2003), The History of Tibet, Volume II. Abingdon: Routledge, pp. 53-66.
↑Vitali, Roberto (1996), The kingdoms of Gu.ge Pu.hrang, Dharamsala: Tho.ling gtsug.lag.khang
Bibliografia complementar
Bellezza, John Vincent: Zhang Zhung. Foundations of Civilization in Tibet. A Historical and Ethnoarchaeological Study of the Monuments, Rock Art, Texts, and Oral Tradition of the Ancient Tibetan Upland. Denkschriften der phil.-hist. Klasse 368. Beitraege zur Kultur- und Geistesgeschichte Asiens 61, Verlag der Oesterreichischen Akademie der Wissenschaften, Wien 2008.
Zeisler, Bettina. (2010). "East of the Moon and West of the Sun? Approaches to a Land with Many Names, North of Ancient India and South of Khotan." In: The Tibet Journal, Special issue. Autumn 2009 vol XXXIV n. 3-Summer 2010 vol XXXV n.º 2. "The Earth Ox Papers", edited by Roberto Vitali, pp. 371–463.
Ligações externas
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