Balthus, pseudónimo de Balthasar Klossowski (29 de fevereiro de 1908 – 18 de fevereiro de 2001), foi um artista plástico francês de origem polaca.
Em toda a sua carreira, Balthus rejeitou as convenções usuais do mundo da arte. Insistia que as suas pinturas deviam ser vistas, e não lidas, e resistiu a todas as tentativas para elaboração de um perfil biográfico. Por exemplo, em 1968, num telegrama enviado à Tate Gallery, quando da preparação da retrospectiva da sua obra, escreveu: "SEM DETALHES BIOGRÁFICOS. INÍCIO: BALTHUS É UM PINTOR SOBRE QUEM NADA SE CONHECE. VEJAMOS ENTÃO AS PINTURAS. CUMPRIMENTOS. B."[1]
Biografia
Primeiros anos
Nasceu em Paris, mas a sua família, devido às suas origens polaco-prussianas, refugiou-se na Suíça durante a Primeira Guerra Mundial. Seus pais separam-se pouco depois, e Balthus passou a infância com o irmão mais velho, Pierre, na região de Genève, ao lado da mãe, que convivia com Rainer Maria Rilke.
O seu pai, Erich Klossowski, um conhecido historiador de arte que escreveu uma monografia sobre Daumier, e a sua mãe, a pintora Baladine Klossowska, faziam parte da elite cultural de Paris. O irmão mais velho de Balthus, Pierre Klossowski, foi um filósofo e escritor influenciado pela teologia e pela obra do Marquês de Sade. Entre os amigos e visitantes dos Klossowski contavam-se escritores famosos como André Gide e Jean Cocteau, tendo este tido inspiração para o seu romance Les Enfants Terribles (1929) quando das suas visitas à família de Balthus.
A mãe de Balthus reencontra o poeta Rilke em 1919, quando o jovem Balthasar Klossowski tinha 11 anos. Dois anos depois, em 1921, o jovem artista publica o seu primeiro livro de desenhos, Mitsou, com o apoio do seu mentor, Rilke, que escreve o prefácio. O tema da história antecipa a seu fascínio pelos gatos, de que é exemplo o seu autorretrato de 1935 The King of Cats. O jovem assina o livro como «Baltusz» (como o tratavam na época), que mais tarde transformaria em «Baltus» e, finalmente, «Balthus».
Na sua adolescência, reencontra numerosas figuras das relações da sua mãe e de Rilke que os vinham visitar, designadamente André Gide, Maurice Denis e Pierre Bonnard.
Em 1926 visitou Florença, onde copiou frescos de Piero della Francesca, que inspirou uma das primeiras obras (1927) do jovem pintor: a pintura em têmpera das paredes da igreja protestante de Beatenberg na Suíça. De 1930 a 1932 viveu em Marrocos, que estava sob o domínio francês, tendo sido alistado no exército em Kenitra e Fez, trabalhado como secretário, e foi quando esboçou a sua obra La Caserne (1933).
Jovem artista em Paris
Em 1933 foi para Paris onde teve estúdio primeiro na Rue de Furstemberg e mais tarde na Cour de Rohan. Balthus não denotou interesse nos estilos do Modernismo e Cubismo. As suas pinturas apresentavam com frequência jovens raparigas em poses eróticas e "voyeurísticas". Uma das mais conhecidas obras apresentadas na sua primeira exposição em Paris foi The Guitar Lesson (1934), que causou controvérsia devido à descrição sexualmente explícita de uma rapariga de costas sobre as pernas da sua professora sentada, tendo esta as mãos sobre a rapariga como se estivesse a tocar guitarra: uma perto da sua vagina exposta, e a outra agarrando o seu cabelo. Outras obras importantes apresentadas na mesma exposição foram La Rue (1933),[2] La Toilette de Cathy (1933)[3] e Alice dans le miroir (1933).[4]
Em 1937 casou com Antoinette de Watteville, de família aristocrática e influente de Bern. Antoinette foi modelo do mencionado La Toilette de Cathy e de uma série de retratos. Balthus teve dois filhos desse casamento, Thaddeus e Stanislas Klossowski, que publicaram livros sobre o seu pai, incluindo as cartas trocadas pelos pais.
A sua obra foi desde cedo admirada por escritores e colegas pintores, especialmente por André Breton e Pablo Picasso. No seu círculo de amigos em Paris constavam os romancistas Pierre Jean Jouve, Antoine de Saint-Exupéry, Joseph Breitbach, Pierre Leyris, Henri Michaux, Michel Leiris e René Char, o fotógrafo Man Ray, o dramaturgo e ator Antonin Artaud, e os pintores André Derain, Joan Miró e Alberto Giacometti - este último tendo sido um dos seus amigos mais fiéis. Em 1948, outro amigo, Albert Camus, pediu-lhe para desenhar os cenários e guarda-roupa da sua peça L'État de Siège (que foi encenada por Jean-Louis Barrault). Balthus também desenhou os cenários e guarda-roupa da adaptação por Artaud de The Cenci (1935) de Percy Bysshe Shelley, de Delitto all'isola delle capre (1953) de Ugo Betti e de Júlio César de William Shakespeare (1959–1960).
De Champrovent para Chassy
Em 1940, após a invasão da França pelas forças da Alemanha Nazi, Balthus fugiu com a sua esposa Antoinette para a Sabóia, para uma quinta em Champrovent perto de Aix-les-Bains, onde começo a trabalhar em duas importantes pinturas: Landscape near Champrovent (1942–1945) e The Living Room (1942). Em 1942 fugiu da França Nazi para a Suíça, primeiro para Berna e em 1945 para Genebra, onde ficou amigo do editor Albert Skira e do escritor e membro da Resistência Francesa André Malraux.
Balthus regressou a França em 1946 e um ano depois viajou com André Masson para o Sul de França onde encontrou figuras como Picasso e Jacques Lacan, tendo este acabado por tornar-se colecionador da sua obra. Em 1950, com Adolphe M. Cassandre, Balthus desenhou o cenário de uma produção da ópera Così fan tutte de Mozart em Aix-en-Provence. Três anos depois foi para o Chateau de Chassy no Morvan, onde finalizou as suas obras primas de grande dimensão finishing La Chambre (The Room 1952), neste caso possivelmente influenciado pelos romances do irmão Pierre Klossowski), e Le Passage du Commerce Saint-André (1954).
Últimos anos
À medida que crescia a fama internacional com as exposições na galeria de Pierre Matisse (1938) e no Museum of Modern Art (1956) de Nova Iorque, Balthus cultivava uma imagem de mistério. Em 1964, foi para Roma onde, nomeado pelo Ministro da Cultura André Malraux, dirigiu a Academia da França em Roma, instalada na Villa Medici. Na Itália, tornou-se amigo do realizador Federico Fellini e do pintor Renato Guttuso.
Em 1967 casou com a japonesa Setsuko Ideta (com quem se encontrou no decurso de uma visita ao Japão, também decidida por Malraux) e que era trinta e cinco anos mais nova, o que acentuou o ar de mistério à sua volta. O filho Fumio, nascido em 1968, morreu dois anos mais tarde.
Em 1977, no final da missão em Roma, foi para Rossinière, na Suíça, onde residirá até à sua morte.
Os fotógrafos e amigos Henri Cartier-Bresson e Martine Franck (esposa de Cartier-Bresson), fotografaram o pintor com a sua esposa e filha Harumi (nascida em 1973) no seu Grand Chalet em 1999.
Balthus foi um dos poucos artistas vivos a estarem representados no Louvre com a sua pintura The Children (1937) que foi adquirida à coleção privada de Pablo Picasso.[5][6]
Estilo e temas
O estilo de Balthus é fundamentalmente clássico. A sua obra apresenta numerosas influências, designadamente os textos de Emily Brontë, os textos e a fotografia de Lewis Carroll, e a pintura de Masaccio, Piero della Francesca, Simone Martini, Poussin, Jean-Étienne Liotard, Joseph Reinhardt, Géricault, Ingres, Goya, Jean-Baptiste-Camille Corot, Courbet, Edgar Degas, Félix Vallotton e Paul Cézanne. Embora a sua técnica e composições se inspirem nos pintores da pre-renascença, também existem insinuações misteriosas dos surrealistas contemporâneos como Giorgio de Chirico. Pintando a figura num tempo em que a arte figurativa era fundamentalmente ignorada, Balthus é largamente reconhecido como um importante pintor do século XX.
Muitas das suas pinturas mostram raparigas jovens num contexto erótico. Balthus insistia em que a sua obra não era erótica, mas que a mesma reconhecia os factos desconfortantes da sexualidade das crianças. Em 2013, as pinturas de raparigas adolescentes de Balthus foram descritas no New York Times como "tão sedutoras quanto inquietantes".[7]
Influência e legado
A obra de Balthus influenciou vários artistas contemporâneos, a exemplo de Duane Michals[8] e Emile Chambon.
Também influenciou o realizador Jacques Rivette da Nouvelle vague, cujo filme Hurlevent (1985) foi inspirado pelos desenhos de Balthus do início dos anos 1930s: "Sendo ele visto como um pouco excêntrico e tudo isso, eu gosto muito de Balthus (...) Fiquei impressionado com o fato de Balthus simplificar enormemente as fantasias e desfazer as armadilhas das imagens (...)".[9]
A reprodução da obra Girl at a Window (1957) surge de forma destacada no filme Domicile Conjugal (Domicílio Conjugal, 1970) de François Truffaut. As duas personagens principais, Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) e a sua esposa Christine (Claude Jade), estão a discutir. Christine tira da parede um pequeno desenho de cerca de 25×25 cm e da-o ao marido, dizendo: "toma, fica o pequeno Balthus." E Antoine responde: "Ah, o pequeno Balthus. Eu ofereci-to, é teu, fica com ele".[10]
O album The White Arcades de Harold Budd inclui uma faixa intitulada "Balthus Bemused by Color."
O livro Telegrams from the Metropole: Selected Poems 1980-1998 de Robert Dassanowsky inclui o poema "The Balthus Poem."
O romancista sul-africano Christopher Hope escreveu My Chocolate Redeemer acerca da obra de Balthus The Golden Days (1944) que é reproduzida na capa do livro.[11]
O livro The Balthus Poems (Atheneum, 1982) de Stephen Dobyns descreve pinturas de Balthus em 32 poemas.
A sua esposa Setsuko Klossowska dirige a Fundação Balthus, estabelecida em 1998.
Exposições
Balthus teve a sua primeira exposição na Galerie Pierre Matisse, em Paris, em 1934. Na sequência do escândalo que dela decorreu, juntamente com a mesma galeria, expôs em Nova Iorque de 1938–77, embora o artista nunca tenha visitado os EUA. A principal exposição das obras de Balthus em museus ocorreu no Museum of Modern Art em 1956. Outras exposições em museus verificaram-se no Musée des Arts Décoratifs, Paris (1966); na Tate Gallery, Londres (1968); na Bienal de Veneza (1980); no Museum of Contemporary Art, Chicago (1980); no Musée Cantonal des beaux-arts, Lausanne (1993); no Musée d'Art Moderne, Paris (1984, que foi depois apresentada no Metropolitan Museum, Kyoto); no Metropolitan Museum of Art, New York (1984); e no Palazzo Grassi, Veneza (2001).
A exposição "Balthus: Cats and Girls: Paintings and Provocations", no Metropolitan Museum of Art (25 de Setembro de 2013 – 12 de Janeiro de 2014) foi a primeira mostra genérica da obra do artista em museus dos EUA em 30 anos.[12] Uma importante retrospetiva orientada pela esposa do artista, Ireta Setsuko, teve lugar em 2014 no Tokyo Metropolitan Art Museum.
Filmes sobre Balthus
- Damian Pettigrew, Balthus Through the Looking Glass (72', Super 16, TV PLANETE/CNC/PROCIREP, 1996). Documentário sobre e com Balthus filmado a trabalhar no seu estúdio e em conversa no seu chalet de Rossinière tendo sido filmado ao longo de 12 meses na Suíça, Itália, França e Inglaterra.
Referências
- ↑ Klossowski de Rola, 18
- ↑ MOMA, Nova Iorque, La Rue
- ↑ artnet, 2010, http://images.artnet.com/images_US/magazine/news/bradley/bradley9-7-07-10.jpg
- ↑ squarewhiteworld.com - jpg
- ↑ LAtimes.com Los Angeles Times 19 February 2001
- ↑ Telegraph.co.uk Telegraph.co.uk 19 Jun 2001
- ↑ Smith, Roberta (26 de setembro de 2013). «Infatuations, Female and Feline». The New York Times (em inglês). ISSN 0362-4331. Consultado em 28 de fevereiro de 2022
- ↑ Marvin J. Rosen, David L. Devries (2002). Photography & Digital Imaging. Kendall Hunt. p. 250. ISBN 0757511597.
- ↑ Hazette, Valérie. «Hurlevent: Jacques Rivette's Adaptation of Wuthering Heights – Senses of Cinema» (em inglês). Consultado em 28 de fevereiro de 2022
- ↑ Truffaut, François (12 de julho de 1971), Domicile conjugal, Les Films du Carrosse, Valoria Films, Fida Cinematografica, consultado em 28 de fevereiro de 2022
- ↑ Hope, Christopher (1989). My Chocolate Redeemer (em inglês). [S.l.]: London
- ↑ «Balthus: The Last Studies, 976 Madison Avenue, New York, September 26, 2013–January 18, 2014». Gagosian (em inglês). 12 de abril de 2018. Consultado em 28 de fevereiro de 2022
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Bibliografia
- Aubert, Raphaël (2005). Le Paradoxe Balthus. Paris: Éditions de la Différence
- Balthus (2001). Correspondance amoureuse avec Antoinette de Watteville: 1928-1937. Paris: Buchet/Chastel
- Clair, Jean e Virginie Monnier (2000). Balthus: Catalogue Raisonné of the Complete Works. Nova Iorque: Harry N. Abrams, Inc.
- Davenport, Guy (1989). A Balthus Notebook. Nova Iorque: Ecco Press
- Neret, Gilles (2003). Balthus. Nova Iorque: Taschen
- Klossowski de Rola, Stanislas (1996). Balthus. Nova Iorque: Harry N. Abrams, Inc.
- Rewald, Sabine (1984). Balthus. Nova Iorque: Harry N. Abrams, Inc. ISBN 0-8109-0738-0 / ISBN 0-87099-366-6 (pbk.)
- Roy, Claude (1996). Balthus. Paris: Gallimard
- Vircondelet, Alain (2001). Mémoires de Balthus. Monaco: Editions du Rocher
- Von Boehm, Gero (texto) e Shinoyama, Kishin (fotografia) (2007). The Painter's House. Munich: Schirmer/Mosel
- Weber, Nicholas Fox (1999). Balthus, a Biography. Nova Iorque: Alfred A. Knopf. ISBN 0-679-40737-5
Leituras adicionais
- David Bowie, "The Last Legendary Painter", Modern Painters, Outono 1994, pp. 14–33.
Ligações externas
- Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em inglês cujo título é «Balthus».