O acordo de Numeá[1] refere-se à transferência de certas competências da França, com referência ao território da Nova Caledônia, em numerosas áreas, com exceção da defesa, segurança pública, justiça, moeda e relações exteriores,[2] que permaneceriam na esfera de competência do Estado francês até que se completasse a nova organização política resultante de consulta às populações interessadas.
Negociado após os Acordos de Matignon (1988), o acordo de Numeá foi assinado em 5 de maio de 1998, em Numeá, capital e principal cidade da Nova Caledônia, sob a égide do então Primeiro-ministro francêsLionel Jospin. Além dos representantes da República Francesa (Lionel Jospin e o Ministro dos Territórios Ultramar) também foram signatários do acordo seis representantes do partido Le Rassemblement (anti-independentista) e quatro representantes da Frente de Libertação Nacional Kanak e Socialista (pró-independência).
O Acordo de Numeá foi referendado pela população neocaledônia, em 8 de novembro de 1998, com 72% de aprovação.
Desde a promulgação da Lei Orgânica da Nova Caledônia, em 1999 - pouco depois da assinatura do Acordo de Numeá-, estabeleceu-se uma espécie de tradição segundo a qual o vice-presidente do território é sempre um político do campo pró-independência, enquanto a presidência é ocupada pelo campo oposto.[3]
O acordo tem a particularidade de criar obrigações e restrições para o Estado Francês, além de transferir atribuições, em caráter irreversível, ou seja, qualquer modificação futura que implique retorno à situação anterior, está condicionada, simultaneamente, a um referendo e à mudança do artigo 77 da Constituição da França.[4]
O preâmbulo do acordo é citado como um dos textos fundadores da política neocaledônia do fim século XX, ao definir noções - em particular, a "dupla legitimidade" dos Kanak e dos não kanak, bem como o "destino comum" - que seriam consideradas como valores fundamentais no arquipélago, a partir de então. São cinco parágrafos que abordam, respectivamente:
A legitimidade dos Kanak como povo autóctone da Nova Caledônia, de sua "civilização própria, com suas tradições, suas línguas, o costume que organizava o campo social e político", de "sua cultura e seu imaginário" e de sua "identidade fundada numa ligação particular com a terra".
A legitimidade das "novas populações" vindas com a colonização, descendentes de "homens e mulheres [...] que chegaram em grande número nos séculs XIX e XX, convencidos de que traziam o progresso ou animados por sua fé religiosa ou vindos contra a sua vontade ou, ainda, em busca de uma segunda chance na Nova Caledônia" e que "trouxeram, com eles, seus ideais, seus conhecimentos, suas esperanças, ambições, ilusões e contradições". Seu papel na "valorização minerária ou agrícola e, com a ajuda do Estado, [na] organização da Nova Caledônia", por meio do aporte de "conhecimentos científicos e técnicos", é reconhecido.
A refundação de um "vínculo social durável entre as comunidades" por meio da descolonização ("permitindo ao povo kanak estabelecer, com a França, novas relações, em correspondência com as realidades do nosso tempo"), da participação de todas as comunidades "na vida do território", de um "destino comum" baseado na definição de uma "cidadania da Nova Caledônia", na "proteção do emprego local", na continuidade dos aportes dos "acordos de Matignon" (fim da "violência e do desprezo" entre campos políticos e comunidades, que marcaram os eventos dos anos 1980[5] em proveito "da paz, da solidariedade e da prosperidade"), no "pleno reconhecimento da identidade kanak", na "soberania compartilhada com a França, a caminho de uma soberania plena". O texto opõe o passado ("o tempo da colonização") ao presente ("o tempo do compartilhamento, pelo reequilíbrio") e ao futuro ("tempo da identidade, em um destino comum").
Aquilo que o acordo propriamente dito prevê - "uma solução negociada, de natureza consensual".
Todavia, o último referendo (2021) foi particularmente marcado pela abstenção (56%), tendo sido boicotado pelos independentistas que discordaram da realização do escrutínio em plena pandemia de COVID-19. Os líderes da população nativa kanak pediram o adiamento da votação, em razão do surto, que, a partir de setembro de 2021, causara a morte de 280 pessoas - lembrando que os rituais de luto dos kanaks duravam até um ano.[8] Afinal, com uma participação de apenas 43,87% da população da Nova Caledônia, os eleitores rejeitaram a independência de forma esmagadora, com 96,50% votando contra e 3,50% a favor da independência.[9] O presidente da França, Emmanuel Macron, comemorou a rejeição da proposta de independência.[10]