Rolando Augusto Bebiano Vitorino Dantas Pereira de Sá Nogueira (Lisboa, 19 de Maio de 1921 – 18 de Novembro de 2002), foi um pintor e professor; pertence à terceira geração de artistas modernistas portugueses.[1][2]
Emergindo no período de afirmação das correntes neorrealista e surrealista em Portugal, Sá Nogueira percorre um caminho autónomo relativamente a ambas. Ao lirismo da sua obra inicial irá suceder, na década de 1960, uma aproximação à corrente pop internacional para, nas décadas finais, se empenhar num tipo de figuração expressionista onde faz a síntese das fases iniciais e descobre novas vias narrativas.
Filho de Augusto Vieira de Sá Nogueira (11 de Janeiro de 1878 - 1935), sobrinho-neto por varonia do 1.º Barão de Sá da Bandeira, 1.º Visconde de Sá da Bandeira e 1.º Marquês de Sá da Bandeira, e de sua mulher Amélia Dantas Pereira (14 de Julho de 1886 - 25 de Fevereiro de 1960), Rolando Sá Nogueira nasce em Lisboa. Passa os cinco anos seguintes em Angola, onde decorria a carreira militar do pai. Regressa a Lisboa e ingressa no Colégio Vasco da Gama em regime de internato. Em 1931 abandona o colégio para viver com um tio, ficando com ele até ao regresso dos pais em 1933; o seu pai morre dois anos mais tarde.[3]
Entre 1969 e 1975 colabora no ateliê do arquitecto Francisco da Conceição Silva, fazendo intervenções plásticas e coordenando as opções cromáticas de projectos arquitetónicos.
A sua ação como professor ligado ao ensino do desenho foi determinante na formação de várias gerações de artistas mais jovens. Desde a década de 1960 e até ao final da vida ensinou em diversas instituições, nomeadamente na Sociedade Nacional de Belas Artes, na Escola Superior de Belas-Artes do Porto, ou na Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa.
Em 2004, a Câmara Municipal de Lisboa homenageou o pintor dando o seu nome a uma rua na zona do Pólo Universitário da Ajuda, em Lisboa.[4]
Obra Plástica
A obra de Sá Nogueira tem início em meados dos anos quarenta, num contexto artístico onde está viva a dicotomia figuração/abstração, mas que é pontuado, no seu círculo mais próximo, pelo surrealismo e pelo neorrealismo. Sá Nogueira demarca-se de ambos com a sua abordagem pessoal, de um "lirismo calmo e observador, um tanto irónico, em que perpassa uma nostalgia algo oitocentista".[5]
Com uma linguagem onde se detetam as influências de Matisse e, sobretudo, de Modigliani, realiza retratos de amigos próximos, muitos deles pertencentes à intelectualidade Lisboeta – João Abel Manta (arquiteto), Jorge Vieira (escultor), Keil do Amaral (arquiteto), entre outros. Nos anos imediatos vemos consolidar-se um idioma pessoal em imagens do quotidiano lisboeta. Através de um tipo de "narração lírica e intimista", Sá Nogueira pinta interiores de cafés como A Brasileira, praças e jardins das zonas modernas da cidade, num tipo de "figuração de raiz naturalista […] presidida pela modernidade aquietada de Bonnard" ; é o que encontramos, por exemplo, nas suas vistas à distância do Jardim do Torel (Jardim suspenso I, 1961), com a sua vibração cromática, as suas "manchas de vegetação indefinidas contrastando com a geometria da linha das casas".[6]
A estadia no Reino Unido entre 1962 e 1964 (primeiro Birmingham e depois em Londres) abre-lhe novas perspectivas: "A maior alteração verificável na sua pintura deu-se nas estratégias de composição, na incorporação dos novos sinais do mundo exterior, na aceitação de novas modalidades de diálogo entre o ato de pintar e a coisa pintada".[7]
O exemplo de Kurt Schwitters (cujo trabalho redescobre numa exposição na galeria Marlborough) e da arte Pop, então em fase de afirmação, levam-no a rever os princípios estruturantes da sua obra anterior. O interesse pela alusão ao quotidiano sofre um redirecionamento quando descobre o potencial da colagem, realizando-se em trabalhos de pequena dimensão onde vemos surgir maços de tabaco, fragmentos de objectos descartados, de imagens de revistas... Irá prosseguir, numa atitude de grande ironia, "com a introdução nas suas telas de imagens de postais românticos e eróticos, […] para finalmente abordar aspectos da vida social, política ou artística" [8] (veja-se, por exemplo, Ah! Que les raisins sont capiteux, 1965). O espaço pictórico torna-se mais complexo, aproximando-se dos sistemas compositivos do cubismo, informados pela dinâmica renovadora da arte Pop.
A entrada no ateliê de Conceição e Silva em 1969 dá-lhe novas condições para trabalhar. "Havia recursos imensos! O modo de funcionar era «industrial»".[9] Sá Nogueira utiliza tintas acrílicas e telas sensibilizadas fotograficamente na gestação de imagens poderosas, descobrindo novas significações, novas soluções formais, novas hipóteses de fragmentação / associação / recombinação das imagens, que irão culminar em trabalhos de cariz político-social onde faz, por exemplo, a "denúncia do racismo",[10] como em Fá-los ouvir a tua corneta, negro!, 1973-74. E assistimos por vezes a uma forma mais neutra e impessoal de manuseamento da pintura (paralela à de alguns artistas Pop), ficando parte do trabalho de realização das obras a cargo de um pequeno grupo de assistentes.
Sem entrar em rutura com o universo formal e narrativo das décadas anteriores, realizando uma síntese que compatibiliza momentos díspares da sua carreira, a partir dos anos oitenta a pintura de Sá Nogueira regressa a valores pictóricos mais tradicionais, mas também mais sensíveis, "que vão do cromatismo à gradação lumínica, dos volumes à composição espacial"; realiza pinturas onde parte de Jan Steen, "metamorfoseando os interiores do pintor holandês", para mais tarde regressar ao seu "fascínio pelo quotidiano, centrando a sua atenção nas personagens que o tinham ocupado nos finais dos anos cinquenta".[11]
"Poderosamente dinamizadas por uma composição ágil e [pela] introdução de colagens e texturizações", as obras de Sá Nogueira na década de 1990 "remetem para o que de mais interessante [ele] viu e fez nos anos 60. E realizam-no sobre motivos bem portugueses, nostálgicos nos termos da memória reconstitutiva de um passado que se prolonga nas atuais como um crónica da cidade e dos seus habitantes e prédios, de pequenos nadas que são episódios, personagens, amores e desamores, coisas recuperadas para o futuro...".[7]
↑FRANÇA, José Augusto – A Arte em Portugal no Século XX: 1911-1961. Lisboa: Bertrand Editora, 1991, p.405.
↑Ávila, Maria Jesús – Sá Nogueira: o domínio do fragmento. In: NOGUEiRA, Sá – Sá Nogueira: retrospectiva. Lisboa: Museu do Chiado, 1998, pág. 16, 17, 54. ISBN 972-8137-91-5
↑ abPinharanda, João – Sá Nogueira. Porto: Galeria Dário Ramos, 1997.
↑Ávila, Maria Jesús – Sá Nogueira: o domínio do fragmento. In: NOGUEiRA, Sá – Sá Nogueira: retrospectiva. Lisboa: Museu do Chiado, 1998, pág. 22.
↑Sá Nogueira, entrevista com João Pinharanda, Jornal Público, 12 de Março de 1998.
↑Ávila, Maria Jesús – Fotomontagem. In: NOGUEiRA, Sá – Sá Nogueira: retrospectiva. Lisboa: Museu do Chiado, 1998, pág. 166.
↑Ávila, Maria Jesús – Sá Nogueira: o domínio do fragmento. In: NOGUEiRA, Sá – Sá Nogueira: retrospectiva. Lisboa: Museu do Chiado, 1998, pág. 29.