A Ponte D. Maria, igualmente conhecida como Ponte Velha e erroneamente como Ponte Romana, consiste nas ruínas de uma ponte histórica sobre o Rio Mira, localizada na aldeia de Santa Clara-a-Velha, Município de Odemira, em Portugal. Foi provavelmente construída em 1822,[1] embora possa ter substituído uma estrutura mais antiga,[2] uma vez que Santa Clara-a-Velha foi um local tradicional de passagem do Rio Mira desde a época romana.[1] Ainda no século XIX começou a sofrer de graves problemas de conservação,[1] acabando por ruir parcialmente no século XX.[3][4] Foi classificada como Imóvel de Interesse Municipal em 2006.[2]
Descrição
A ponte está situada num local isolado,[1] entre a localidade de Santa Clara-a-Velha e a Barragem de Santa Clara, e atravessa o Rio Mira.[2] Nas imediações situa-se uma pousada.[1]
Era composta originalmente por cinco vãos, formando arcos de volta perfeita de dimensões diferentes, tendo apenas sobrevivido dois arcos.[5] Estes arcos suportavam um tabuleiro horizontal, ladeado por muros de alvenaria.[1] A maior parte dos vestígios estão situados na margem direita do rio.[2] A estrutura original tinha 60,70 m de comprimento e 3 m de largura.[5] Utiliza um sistema de construção em alvenaria típico do seu período, e que teve origem nos modelos desenvolvidos durante a antiga civilização romana.[1] Apesar de estar em ruínas, ainda é visível a rigorosa organização geométrica que foi aplicada nos pilares e nos talhamares, em contraste com os aparelhos em alvenaria e a cobertura dos talhamares, em tijolo.[1] Os materiais utilizados nos quebra-mares, nos pilares e nos arcos foram alvenaria de calcário e grés em tons encarnados, e o tabuleiro e a calçada foram construídos com pequenas pedras de xisto e quartzo.[5]
História
Antecedentes e construção
Foram apontadas várias hipóteses para a data de construção da ponte, existindo uma tradição popular local que terá sido instalada durante o período romano, ou durante o reinado da rainha D. Maria, embora estas teorias não sejam sustentadas pelas provas físicas.[6] Pelo local onde se localiza a ponte, passava um antiga estrada romana que ligava Arandis (Garvão) a Ossónoba (Faro),[2] unindo desta forma a cidade de Pax Julia (Beja) ao Algarve.[1] Foram encontrados alguns indícios desta estrada no local onde atravessava o Rio Mira,[1] podendo ser o motivo pelo qual é chamada de Ponte Romana pelos locais.[2] Assim, é possível que neste local terá existido um estrutura mais antiga.[2]
A construção da ponte está ligada à necessidade de cruzar o Rio Mira, que constituía um grande obstáculo ao tráfego rodoviário.[7] A travessia era feita principalmente na vila de Odemira, na foz em Vila Nova de Milfontes, e nas imediações de Santa Clara-a-Velha.[7] Neste último local, o rio era passado tradicionalmente a vau, operação que era possível durante grande parte do ano.[3] Por esta última localidade passava uma importante via terrestre, que circulava igualmente por Sabóia, e que unia o Alentejo ao Algarve.[3] Com efeito, Santa Clara-a-Velha é referida como um ponto de passagem pelo menos desde a Idade Média.[3] Um roteiro de 1748 menciona que uma estrada entre Lisboa e Albufeira circulava por Santa Clara, o que é confirmado pelos mapas setecentistas.[1] Nos finais do século XVIII iniciou-se um programa de desenvolvimento das vias terrestres na área,[3] que incluiu vários trabalhos em São Martinho das Amoreiras, entre 1794 e 1795.[6] As obras foram interrompidas devido às invasões francesas, tendo sido reatadas em 1816.[3]
O primeiro pedido para a construção terá sido feito pela Câmara Municipal de Ourique nos princípios da década de 1820, na sequência do período que se seguiu à Revolução liberal do Porto, em 1820.[6] A autarquia pediu «a construcção de huma ponte sobre o Rio de Odemira, na Freguezia de Santa Clara», uma vez que aquele curso de água, classificado de «caudalozo», interrompia «a passagem por dias successivos» no Inverno.[6] A autarquia argumentou que devido à falta de uma travessia sobre o rio, tinha sido «inútil a avultada despeza que se fez em abrir a estrada que communica a Provincia de Alemtéjo, com o Reino do Algarve, pela Serra do Caldeirão na Freguezia de S. Martinho».[6] A despesa referida corresponde ao conjunto de trabalhos que tinham sido feitos nos finais do século XVIII.[6] Esta situação prejudicava as comunicações entre o Alentejo e o Algarve, e impedia um maior crescimento do comércio e da agricultura em ambas as regiões.[6] Foi escolhido um local a montante de Santa Clara, uma vez que as margens aplanadas junto à povoação não seriam tão adequadas à construção da ponte.[3]
Em 1822 a ponte foi construída ou expandida pelo mestre de obras Francisco Lopes do Rosário.[1] Uma das divisões expedicionárias do Duque de Terceira passou em 1833 por esta ponte, durante a Guerra Civil.[2] Apesar do aparelho de alvenaria utilizado na sua estrutura ser de boa qualidade, a ponte começou a sofrer de problemas de conservação desde os seus primeiros anos.[3] Estes terão sido causados por defeitos nos pilares, que não teriam capacidade para aguentar o esforço e as modificações no leito do rio, provocadas pelas enchentes.[3] Esta situação pode ser constatada pela presença de efeitos de torção na base de um dos pilares.[3] Logo em 1849, a autarquia alertou para a necessidade urgente de construir uma nova ponte noutro local, onde existisse um solo em rocha firme,[3] e mais perto da aldeia.[1]
Nos finais do século XIX já não se regista a presença de Santa Clara nos mapas de estradas, embora se saiba que na povoação existiam três estalagens, onde descansavam os viajantes e se mudavam os cavalos.[1] Nessa altura, o responsável pelas obras públicas no concelho de Odemira elaborou um relatório sobre a «ponte antiga de alvenaria sobre a ribeira do Mira na estrada do Alentejo para o Algarve, à distância de 1Km aproximadamente da aldeia de Santa Clara», onde mencionou que apesar da sua importância a estrutura tinha graves problemas de conservação, e pediu que fossem feitas obras urgentes,[1] recomendação que porém não foi atendida.[3] Segundo este relatório, a ponte tinha «grandes fendas nas abóbadas dos arcos centrais, originando depressões no pavimento onde as águas pluviais se acumulam antes de escorrer pelas fendas, e sem guardas, pelo que nela não passam já veículos, nem mesmo descarregados».[1]
Séculos XX e XXI
No século XX, cederam dois pilares devido aos problemas de conservação da ponte,[3] e em meados da centúria sofreu uma derrocada parcial durante a realização de obras.[4] Três vãos foram dinamitados nos anos 60.[5]
Em 26 de Fevereiro de 1992, o Instituto Português do Património Cultural emitiu um despacho para a classificação da ponte como Imóvel de Interesse Público,[1] tendo o processo de classificação sido aberto por um despacho de 31 de Outubro de 1996 do Instituto Português do Património Arquitectónico.[1] Foi alvo de trabalhos arqueológicos de prospecção em 1995, durante o Levantamento Arqueológico do Concelho de Odemira, e em 1998, no âmbito do programa PNTA/98 - Proto-História do Médio e Baixo Vale do Mira - A Arqueologia do Rio.[5] Em 2004, o Instituto Português do Património Arquitectónico encetou obras de valorização na ponte,[8] e no ano seguinte foram feitos trabalhos de consolidação, realizados no âmbito do Programa de Recuperação de Pontes Históricas do Alentejo, apoiado pelo POC - Programa Operacional de Cultura.[4] Em 2000 a ponte foi integrada no Plano Director Municipal de Odemira,[1] tendo sido classificada como Imóvel de Interesse Municipal por uma deliberação camarária de 19 de Janeiro de 2006.[2]
Em 2019 foi lançado o Plano Estratégico e Operacional de Valorização do Rio Mira, que tinha como finalidade melhorar as condições daquele curso de água do ponto de vista natural, cultural e turístico, tendo uma das intervenções planeadas sido a valorização da Ponte D. Maria.[9]
↑ abcdefghiRAMALHO, Maria; TENDEIRO, Ana (2017). «Ponte D. Maria». Património Cultural. Direcção-Geral do Património Cultural. Consultado em 28 de abril de 2019A referência emprega parâmetros obsoletos |coautor= (ajuda)
MARQUES, João António; RIBEIRO, Manuel (2005). Pontes Históricas do Alentejo. Lisboa: Instituto Português do Património Arquitectónico. 50 páginas. ISBN972-8736-87-8A referência emprega parâmetros obsoletos |coautor= (ajuda)