A Operação Cracolândia foi uma operação policial e política levada a cabo por autoridades das esferas estadual e municipal na cidade de São Paulo na região da cracolândia, nas proximidades da rua Helvétia.[1] Iniciada no dia 3 de janeiro de 2012, a operação, também conhecida como "Operação Dor e Sofrimento",[2] cujo objetivo era combater o tráfico e expulsar viciados em crack, foi caracterizada por repressão policial aos usuários de drogas, o que culminou com a dispersão de usuários por outros bairros da cidade de São Paulo.[3] As autoridades alegam ter empregado uma estratégia de "dor e sofrimento" para conter o avanço da dependência de crack, estratégia essa que se fundamentaria em ações de repressão a usuários e traficantes, visando obrigar os viciados a buscar internação médica por meio do sofrimento psicológico.[4] A Polícia Militar foi a principal responsável pela repressão de usuários e traficantes na região.
A ação foi seguida de denúncias de violação de direitos humanos e protestos de ativistas políticos. No dia 25 de janeiro, quatro ONGs enviaram uma denúncia formal às Nações Unidas denunciando violações de direitos humanos na operação policial.[5] Na teoria, a ação preparada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) em conjunto com o prefeito Gilberto Kassab (PSD) consistiria em um plano de repressão ao tráfico, dispersão de usuários, derrubada de cortiços e tratamento de viciados.[6] No entanto, os centros de tratamento foram abertos meses após a operação policial.[7] Dias depois, autoridades municipais relataram não ter sido informadas da intervenção pelo comando da PM com antecedência. O próprio prefeito, contudo, negou tais alegações.[8] A Secretaria Municipal da Assistência Social e outros setores ligados ao amparo social só ficaram sabendo da data da operação com cinco dias de antecedência.[9][10] Segundo alguns jornais, a operação foi precipitada por interesses políticos: Gilberto Kassab e Geraldo Alckmin teriam se unido por temer que o ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT), anunciasse algum pacote federal para a área.[11][12]
Antecedentes
A região da cracolândia era dominada pelo tráfico de drogas, em especial de crack, distribuído para pessoas de origem social humilde e em situação de grande penúria material. Segundo o Datafolha, questionários realizados na véspera da "operação sufoco" demonstram que mais da metade dos usuários (o equivalente a cerca de 72% dos usuários) seriam desempregados (27%) ou trabalhariam em bicos (45%), dados elevados se comparados às médias municipais.[13] Os usuários de drogas também teriam baixa escolaridade e baixa renda. Segundo cientistas sociais e analistas políticos, a situação dos usuários de droga não indicaria uma decadência socioeconômica e sim uma maior marginalização de camadas populares já excluídas, demonstrando uma tendência à reprodução de desigualdades sociais.
Desde o começo da década de 1990 a região da cracolândia teria recebido tal designação, em decorrência do alto índice de criminalidade da região, além das aglomerações de indivíduos marginalizados e usuários de crack.[14] A situação dos viciados começou a chamar atenção conforme os moradores de regiões mais ricas do centro começaram a se incomodar com sua presença. Moradores da região também criticavam a polícia militar por sua suposta débil reação às denúncias de tráfico de drogas.[15] Em julho de 2009, a prefeitura iniciou o projeto Ação Integrada Centro Legal, mas apenas 404 viciados foram internados (voluntariamente) entre 2009 e o começo de 2011.[16]
No censo de março de 2010, constatou-se que a cidade de São Paulo contava com um número consideravelmente alto de moradores de rua, cerca de 13 mil. Segundo especialistas, a falha em políticas sociais, o desemprego e o uso de drogas como o crack seriam as causas desse fenômeno.[17] No dia 25 de janeiro de 2010, a prefeitura de Gilberto Kassab (então filiado ao DEM) e o então governador José Serra teriam iniciado uma primeira tentativa de intervenção na cracolândia, baseada em detenções de caráter criminal. A descoordenação entre as ações do governo estadual e do poder municipal, contudo, teria culminado com uma fracassada operação policial, na qual 300 viciados teriam sido detidos sem, contudo, obter atendimento de profissionais da saúde. Segundo a Folha de S.Paulo, as autoridades falharam ao articular a repressão policial (estadual) e o atendimento de saúde (municipal), tendo a prefeitura deixado de mobilizar seus profissionais. De acordo com o prefeito Kassab, o poder municipal estaria "desinformado" acerca das atividades policiais.[18] Em 29 de janeiro de 2011, anunciou-se que um projeto de revitalização do centro da cidade (Nova Luz) contaria com a proposta de demolição de cerca de 30% da região da cracolândia.[19] Em junho de 2011, o prefeito Gilberto Kassab anunciou sua intenção de retirar viciados "à força" das ruas de São Paulo. Na época, foi relatado que Cláudio Lembo, na época secretário de Negócios Jurídicos e ex-governador, dissera estar conversando com o TJ (Tribunal de Justiça), o Ministério Público e a Defensoria Pública visando criar um "consenso jurídico" para embasar as ações da prefeitura. As autoridades alegaram, ainda, que os viciados deveriam ser expulsos compulsoriamente baseando-se no direito constitucional de "ir e vir".[20]
Em julho de 2011 foi publicado um estudo realizado pelo Caps (Centro de Atenção Psicossocial) entre março e agosto de 2009 na cracolândia que demonstrou que a maioria dos viciados que buscam tratamento na região da cracolândia, na região central de São Paulo, mora nas ruas. Somente um terço dos usuários de crack teria casa e viveria com a família.[21] Na mesma época, a prefeitura anunciou a sua intenção de comprar um terreno para criar um posto de atendimento a viciados em crack.[22] Em outubro de 2011, o Tribunal de Justiça de São Paulo anunciou um programa para cracolândia com a possibilidade até de internação compulsória de usuários de drogas, conforme demandas da prefeitura. O programa foi planejado sem consulta do Ministério Público Estadual. A ação previa a instalação de um posto móvel para analisar casos de usuários de drogas nas ruas.[23]
Em novembro de 2011, o Ministério da Saúde propôs auxílio financeiro à prefeitura para a aplicação de um programa de auxílio médico aos viciados da cracolândia, mas a prefeitura rejeitou a proposta federal.[24][25] No dia 22 de novembro de 2011, viciados e polícias militares entraram em confronto após um policial ter atirado contra o rosto de um homem que supostamente teria tentado assaltá-lo.[26]
Após 2180 internações na região desde 2009, centenas delas compulsórias, a cracolândia continuava cheia de viciados no final de 2011.[27]
Eventos
Iniciada no dia 3 de janeiro de 2012, a Operação Cracolândia teve como principal efeito a dispersão de usuários de drogas pela cidade de São Paulo. A dita Operação Sufoco teria sido precipitada por uma decisão do segundo escalão da Polícia Militar (PM) e do governo do Estado. Segundo o portal UOL de notícias, o coordenador de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Estado da Justiça, Luís Alberto Chaves de oliveira, teria dito ao coronel Pedro Borges, comandante da região central de São Paulo, que o governador queria a operação imediatamente (as casas de saúde para recepção de viciados só ficariam prontas, de acordo com as previsões oficiais, em pelo menos 30 dias).[28] O governador Geraldo Alckmin e o prefeito Gilberto Kassab minimizaram as denúncias de despreparo e negaram desentendimento entre as duas esferas de poder.[29] No dia 4 de janeiro, usuários foram expulsos e agredidos pela polícia militar. Não havia, ainda, amparo médico para os viciados em crack. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, "O primeiro fim de semana de ocupação da PM na cracolândia foi marcado por correria, bombas de efeito moral e tiros de balas de borracha entre a noite de sábado e a madrugada de ontem."[30] Até o dia 6 de janeiro, as ações da PM focaram na expulsão de moradores da rua Helvétia. Depois disso, a PM iniciou uma campanha de abordagem sistemática dos usuários por toda a região central. Após a dispersão de drogados, pequenas cracolândias se formaram em bairros de classe média ao redor da região da Luz, no centro de São Paulo.[31] Ainda esse dia, jornalistas alegaram que se vendia crack a cerca de 300 usuários a apenas metros de distância das viaturas da polícia militar.[32] As críticas à operação tornaram-se mais incisivas após os primeiros episódios de violência. Um policial anônimo teria relatado a jornalistas "Você prefere tratar um câncer localizado? Ou com ele espalhado por todo o corpo? É isso o que estamos fazendo: espalhando o câncer."[33] No dia 7 de janeiro, comerciantes alegaram que a situação de marginalização existente na cracolândia teria sido proporcionada pelas políticas de despejo da própria prefeitura, "Sempre teve craqueiro, mas a situação só chegou neste ponto depois das desocupações da prefeitura que botaram famílias inteiras na rua".[34]
No dia 6 de fevereiro, jornais alegavam que viciados persistiam na cracolândia. Um centro de tratamento para viciados foi aberto somente no dia 27 de março.[28]
Denúncias e Abusos
O caráter improvisado da operação, a violência policial e a ausência de políticas públicas de inclusão foram os principais pontos de crítica dispensados à intervenção estatal na cracolândia. Denúncias foram realizadas pelo Tribunal de Justiça,[35] pelo Ministério Público, pelo governo federal, por partidos de oposição,[36] por entidades defensoras de direitos humanos, pela imprensa e por manifestantes civis.[37] Segundo o TJ, a dispersão de crianças e adolescentes, usuárias de drogas, pelos arredores da Cracolândia dificultou um projeto de inclusão social que o Tribunal iria desenvolver no local. Para o desembargador, seria conveniente que o governo tivesse avisado ao TJ sobre a operação antes de iniciá-la, já que o projeto da corte, que pretende dar um enfoque maior aos processos envolvendo crianças e adolescentes dependentes químicos, abandonados e com problemas mentais, já era de conhecimento de todos. Segundo o juiz Samuel Karazin, da Vara da Infância e da Juventude de Osasco (SP), "Internação compulsória é aquela que se dá por decisão judicial; qualquer outra, é arbitrária" e "“Uma operação estritamente policial pode até resolver a questão geográfica do problema, mas não o problema em si."[38]
↑"Setores diretamente ligados ao assunto, como a Secretaria Municipal da Assistência Social, ficaram sabendo da data da operação apenas cinco dias antes -às vésperas da virada do ano. Os órgãos municipais receberam um e-mail de um membro do Comuda (Conselho Municipal de Políticas Públicas de Drogas e Álcool) que esteve no prédio da PM na quinta do dia 29 de dezembro, quando a data da operação foi informada pelos policiais." (6 de janeiro de 2012). «Poder público bate cabeça em operação na cracolândia». Folha de S.Paulo !CS1 manut: Nomes múltiplos: lista de autores (link)
↑«SP tem 13 mil moradores de rua, diz censo». "Aumento no uso de drogas, falha em políticas sociais e desemprego são explicações, dizem especialistas; albergues têm cerca de 7.000 vagas"
↑"Na ação, cerca de 300 viciados foram detidos, escoltados e, sem atendimento, voltaram ao consumo de drogas nas ruas. A ação ocorreu anteontem à tarde e foi acompanhada por repórteres após divulgação da Secretaria da Segurança. Mas a prefeitura, desinformada, não mobilizou seus agentes de saúde para atender aos usuários de droga -33 pessoas foram presas suspeitas de tráfico." (27 de janeiro de 2010). «Para Serra e Kassab, ação na cracolândia não teve coordenação». Folha de S.Paulo !CS1 manut: Nomes múltiplos: lista de autores (link)
↑""É óbvio que a 'limpeza' foi ótima para mim, mas isso aí é caso social, tem que ser resolvido pelos governantes que criaram a situação", disse a dona de um bar ao lado de um cortiço fechado pela operação. "Sempre teve craqueiro, mas a situação só chegou neste ponto depois das desocupações da prefeitura que botaram famílias inteiras na rua", disse ela. (7 de janeiro de 2012). «Comerciantes aprovam ação da PM; concentração diminui na área». Folha de S.Paulo !CS1 manut: Nomes múltiplos: lista de autores (link)