Narmer (em egípcio: nꜥr-mr) foi um faraó do Egito Antigo considerado o unificador das regiões do Alto e do Baixo Egito, e, portanto, teria sido o primeiro faraó do Egito unificado. É possível que tenha sucedido Escorpião II (ou Selk) ou Cá, governantes do período Pré-dinástico. Aparentemente, seus sucessores imediatos já o consideravam o fundador da Primeira Dinastia, embora a bibliografia moderna o coloque, por vezes, como o último governante da Dinastia 0. A Paleta de Narmer, na qual se encontra seu nome, retrataria a unificação do Alto e Baixo Egito.[2] O período de seu reinado pode ter sido em qualquer momento entre 3273–2987 a.C, de acordo com datação em radio-carbono, mas é comum tomar-se a data de 3100 a.C. para seu início.[3]
Seu nome é composto pelo símbolo do peixe-gato, que tem o valor fonético n'r, e pelo símbolo do cinzel, que tem o valor fonético mr, conforme representado no sereque que figura na parte superior da Paleta.
Recipientes com incisão do sereque que o identifica foram encontrados em várias localidades do Egito e do sul da Palestina, indicando que seu domínio pode ter se estendido para além do Vale do Nilo.[4]
A identificação de Narmer com Menés é objeto de contínuo debate entre os egiptólogos. Segundo Mâneto, Menés teria sido o primeiro faraó do Egito.[5] O debate se centra em torno da identificação de Menés com Narmer ou com seu sucessor Hor-Aha.[6] Contudo, desde a publicação, em 1987, de duas impressões de selos provenientes da necrópole de Abidos, há uma tendência em identificar Menés a Narmer. Tais impressões de selos identificam Narmer como o primeiro faraó.
Nome e identidade do faraó
O nome Narmer é uma leitura fonética com base nos símbolos do peixe-gato, cujo valor fonético é n'r, e do cinzel, com valor fonético mr, que constituem o sereque presente na parte superior da Paleta, que passou a ser identificada como Paleta de Narmer em razão de tal leitura do sereque.
O nome contido num sereque é designado como nome de Hórus, o mais antigo tipo de nomeação do faraó ao assumir essa posição. Contudo, atualmente prefere-se o termo "nome de sereque" por ser mais neutro, já que nem todo faraó utilizou o falcão, representação do deus Hórus, no topo de seu sereque.
Narmer e Menés
A evidência mais antiga de uma possível associação da identidade de Narmer com a de Menés é uma impressão de selo proveniente de Abidos apresentando o sereque de Narmer alternado com o símbolo do tabuleiro, que apresenta o valor fonético mn, complementado pelo sinal de n, que é sempre usado na escrita do nome completo de Menés. Embora pareça uma forte evidência de que Narmer e Menés tivessem sido a mesma pessoa, a impressão do selo pode ser interpretada como contendo o nome de um príncipe de Narmer chamado Menés. Baseando-se em análises de outras impressões de selos da Primeira Dinastia contendo o nome de um ou mais príncipes, é possível interpretar que Menés tenha sido o sucessor de Narmer, ou seja, seu filho Hor-Aha.
De acordo com as listas de reis de Turim e Abidos, o primeiro faraó do Egito teria sido Menés, identificado com o Min (Μῖν) de Heródoto e com Menés (Μήνης), o fundador da Primeira Dinastia segundo Mâneto.[8] Tais listas de faraós que começaram a aparecer no período do Novo Império exibem os nomes dos faraós na sua forma de nome de Nebti, e não pelo nome de Hórus.[9] Portanto, é possível que Menés tenha sido o nome de Nebti de Narmer.
Um estudo de 2014 realizado por Thomas C. Heagy compilou uma lista de 69 egiptólogos que se manifestaram a respeito da identidade de Menés. Desse total, 41 identificam Menés com Narmer, enquanto 31 estão a favor da identificação de Menés com Hor-Aha.[6] Discussões recentes a favor de Narmer incluem Kinnaer 2001,[10] Cervelló-Autuori 2005[11] e Heagy 2014.[6]
Reinado
Paleta de Narmer
Paleta de Narmer
Desenho (verso)
Desenho (frente)
A Paleta de Narmer, descoberta por James E. Quibell entre 1897-1898 em Hieracômpolis,[12] mostra Narmer vestindo a coroa do Alto Egito numa face da paleta (verso) e a coroa do Baixo Egito em outra (frente), dando origem à hipótese de que Narmer havia unificado as duas regiões.[13] Desde sua descoberta, entretanto, há um debate a respeito da realidade histórica do evento representado na paleta. Contudo, em 1993, Günter Dreyer encontrou em Abidos um "rótulo do ano", parcialmente preservado, com um peixe-gato golpeando um cativo, identificado pela planta do papiro sobre a cabeça, indicando sua proveniência do Baixo Egito.[14][15] Ao longo da Primeira Dinastia, os anos eram identificados pelo nome do faraó e um evento importante ocorrido naquele ano. Um "rótulo do ano" era anexado a um recipiente com produtos e incluía o nome do faraó, uma descrição ou representação do evento que identificava aquele ano e uma descrição dos produtos.
Embora a evidência arqueológica sugira que o processo de unificação do Egito tenha se iniciado antes de Narmer, é bastante provável que ele a tenha concluído, conforme a Paleta de Narmer parece indicar.[6] Tal evento deve ter assumido grande importância para Narmer, pois é celebrado não apenas na Paleta, mas em outros achados, dentre os quais o "rótulo do ano" de Narmer.[16] É possível que a cabeça de maça de Narmer, encontrada junto com a Paleta, celebre as consequências do evento.
Várias inscrições parecem indicar que Narmer era considerado pelos próprios egípcios como o primeiro faraó e o unificador do Alto e do Baixo Egito. Dois selos encontrados na necrópole de Abidos colocam Narmer como o primeiro faraó da lista, seguido por Hor-Aha. Eles são fortes indicações de que Narmer tenha sido o primeiro faraó da Primeira Dinastia.[17]
Sereques de Narmer foram encontrados em dez sítios no Baixo Egito e em nove sítios na região de Canaã, marcando o auge da presença egípcia nessa região.[18] São 20 sereques atribuídos a Narmer encontrados na região de Canaã, enquanto apenas um sereque de seu predecessor Ca foi encontrado e uma inscrição com o nome de Iry-Hor.[19] De seu sucessor, Hor-Aha, foi encontrado apenas um sereque.[18] Para o restante das duas primeiras dinastias, há poucos sereques encontrados em Canaã.[20]
A presença de seu nome em fragmentos cerâmicos encontrados no norte de Israel e no Delta do Nilo sugere a existência de um comércio ativo entre as duas regiões durante seu reinado.[21]
Os nomes de Narmer e Hor-Aha foram encontrados na tumba que se acredita ser de Neithhotep, levando os egiptólogos a concluir que ela fosse a rainha consorte de Narmer e mãe de Hor-Aha.[22]Neithhotep significa "Neith está satisfeita", Neith sendo a deusa patrona de Saís, localizada no lado ocidental do Delta do Nilo, área que Narmer conquistara com a unificação do Egito. Seu nome sugere que ela talvez fosse uma princesa do Baixo Egito e que o casamento visava consolidar a unificação das duas regiões. Entretanto, por sua tumba se localizar em Nacada, no Alto Egito, também é possível que ela tenha sido uma descendente de governantes de Nacada do período Pré-dinástico, anteriores à unificação, e que seu casamento tenha servido para fortalecer a união do Alto Egito.[23] Foi também sugerido que a cabeça de maça de Narmer comemora tal casamento.[24] Em 2012, Pierre Tallet encontrou inscrições em rochas no Sinai que sugerem que Neithhotep tenha sido regente do faraó Djer, possivelmente seu neto, por um período de tempo.[25] Ela é a primeira mulher na história de quem se sabe o nome.
Tumbas e artefatos
A tumba de Narmer em Umel Caabe, no Cemitério B da necrópole de Abidos, no Alto Egito, consiste de duas câmaras adjacentes (B17 e B18) revestidas com tijolo de barro. Embora tenha sido escavada pelo arqueólogo francês Émile Amélineau na última década do século XIX, durante suas campanhas de escavação em Abidos entre 1894 e 1898, e pelo egiptólogo britânico Flinders Petrie entre 1899 e 1903,[26][27] foi apenas em 1964 identificada como pertencente a Narmer pelo egiptólogo alemão Werner Kaiser. Ela se localiza próximo ao túmulo de Cá, seu possível predecessor que teria governado o Alto Egito, e ao túmulo de Hor-Aha, que foi seu sucessor imediato. Abidos foi a principal necrópole da região de Tinis, e Narmer manteve a tradição de seus predecessores ao ter sua tumba construída ali.[28] Não foi encontrado nenhum cenotáfio de Narmer em Sacara, no Baixo Egito, que servia de necrópole para a elite governante de Mênfis.
Sua tumba em Umel Caabe é considerada um tanto modesta, com a maior das duas câmaras medindo 3 metros de largura por 4.1 metros de altura e a menor medindo aproximadamente 3m de largura por 3m de altura. Dois buracos de 65cm de profundidade no chão da câmara B17 podem indicar o uso de vigas para sustentar o teto da tumba.[29]
Durante o verão de 1994, a expedição de escavações de Naal Tila, no sul de Israel, descobriu um fragmento de cerâmica incisa (óstraco) com o sinal do sereque de Narmer, o mesmo indivíduo, cuja paleta cerimonial foi encontrada por James E. Quibell no Alto Egito. A óstraco foi encontrado em uma grande plataforma circular, possivelmente as bases de um silo de armazenamento em Halife Terrace. Datado de 3 000 a.C., estudos mineralógicos do fragmento concluem que é um fragmento de uma garrafa de vinho que havia sido importado do Vale do Nilo para Canaã.
Narmer havia produzido cerâmica egípcia no sul de Canaã – com o seu nome estampado nos vasos – e depois exportou de volta para o Egito.[30] Os locais de produção incluem Tel Arade, Ein HaBesor, Rafá, e Tel Erani.[30]
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