Martinho de Ataíde

Martinho de Ataíde
2.º Conde de Atouguia, senhor das Canárias
Martinho de Ataíde
Armas do chefe da linhagem dos Ataídes (Livro do Armeiro-mor, de 1509)
Antecessor(a) Álvaro Gonçalves de Ataíde
Sucessor(a) D. Luís de Ataíde
Nascimento 1415
Morte 1499 (84 anos)
Cônjuge Filipa de Azevedo, filha de Luís Gonçalves Malafaia
Pai Álvaro Gonçalves de Ataíde, 1.º conde de Atouguia
Mãe Guiomar de Castro, filha do senhor do Cadaval
Título(s)
Ocupação Fidalgo, Diplomata
Filho(s) João de Ataíde

Martinho de Ataíde (c. 1415 - 1499[1]), 2.º conde de Atouguia, foi um fidalgo e diplomata português do século XV. Recebeu por doação do rei Henrique IV de Castela, em 1455, o senhorio das ilhas Canárias, que depois vendeu para o conde de Viana.[2]

Biografia

Era filho primogênito de D. Álvaro Gonçalves de Ataíde, 1.º conde de Atouguia e de D. Guiomar de Castro. Sucedeu no título, logo após a morte do pai, por carta de Afonso V de Portugal, datada de 14 de fevereiro de 1452.[3] Foi, assim, 2.º conde de Atouguia, sendo-lhe o título mais tarde confirmado por cartas régias de 31.05.1482 e de 11.05.1487.

Ainda em vida de seu pai, em 02.09.1451, recebeu um padrão (de juros) de 4 mil coroas de ouro, pagas à razão de 40 mil reais brancos anuais.[4] No ano seguinte (15.02.1452) recebeu a doação do castelo de Monforte do Rio Livre e da terra de Vinhais.[4]

Missões em Ceuta e em Castela

Esteve com o pai na batalha de Alfarrobeira, do lado de D. Afonso V. O soberano, logo depois de o fazer conde, enviou-o numa missão a Ceuta, acompanhado por D. Fernando I, 4.º conde de Arraiolos e depois 2.º duque de Bragança (n. 1403 - f. 1478), com o objetivo de convencer o irmão do rei, o infante D. Fernando, futuro duque de Viseu, a regressar daquela praça portuguesa, onde ele pretendia ficar como fronteiro. A missão foi coroada de sucesso e pouco tempo depois D. Afonso V nomeou um dos irmãos do conde de Atouguia, D. Vasco de Ataíde, para Prior do Crato, em sucessão a um outro seu irmão, D. João de Ataíde, que precocemente falecera.[5]

Em 1455, o monarca enviou D. Martinho em missão diplomática a Castela, pela qual recebeu a avultada quantia de 1355 dobras.[4] Juntamente com sua mãe, D. Guiomar de Castro, foi encarregado de acompanhar a infanta D. Joana até Castela, para a celebração do seu casamento com o rei Henrique IV.[4]

Senhorio das ilhas Canárias

Nessa mesma ocasião, Ataíde - provavelmente em combinação com o infante D. Henrique - manifestou interesse em receber de Castela, por doação de Henrique IV, as ilhas Canárias. As ilhas (Grã-Canária, Tenerife e La Palma) seriam posteriormente vendidas[2] por D. Martinho ao conde de Viana e finalmente - em 1466 - por este ao cunhado do rei, o infante D. Fernando.[6] Na prática, porém, e apesar de todos os esforços para reclamar a posse das Canárias ao longo de boa parte do século XV, nunca Portugal conseguiu mobilizar os recursos necessários para as dominar.[7]

O 2.º conde de Atouguia esteve também com o monarca na jornada a Tânger e participou ainda no encontro de D. Afonso V com o rei de Castela, em Gibraltar (1463).

Período de relativo afastamento da corte

Porém, nos anos que decorreram entre o falecimento do infante D. Fernando, em 1470, e o final do reinado de D. Afonso V, D. Martinho passou a viver relativamente afastado da corte, onde até essa data tinha sido dos personagens com maior influência. Nesse mesmo ano de 1470, o assentamento da casa de Atouguia, de 102 mil reais, passou a ficar abaixo do montante concedido a casas próximas por laços de parentesco, como as de Marialva (linhagem: Coutinho), Monsanto (Castro) e Atalaia (Melo).[6]

D. Martinho de Ataíde foi Alcaide do Castelo de Coimbra (em cima, numa gravura de Frans Hogenberg), em sucessão a seu pai

Acresce que um dos irmãos de D. Martinho - D. Álvaro de Ataíde - acabou por herdar (em 1480) a casa dos Melos da Atalaia, como genro do 1.º conde desse título, D. Pedro de Melo, criando assim dentro da linhagem dos Ataídes uma casa potencialmente rival da de Atouguia. E o facto de o único filho varão de D. Martinho ter decidido seguir a vida religiosa, tomando voto de noviço aos 16 anos de idade, contra a vontade do pai[6] foi mais um fator de complicação para a posição da casa de Atouguia na hierarquia dos condes portugueses, no último quartel do século XV.

Não participação nas conjuras da nobreza contra D. João II

Após estes percalços, Martinho de Ataíde revelaria grande habilidade em manobrar no complexo ambiente cortesão de intriga política que marcou os primeiros anos do reinado de D. João II. Soube manter-se afastado dos eventos que levariam à execução do Duque de Bragança, D. Fernando II, em 1483. Numa célebre carta que escreveu de Cáceres (entre finais de 1482 e maio de 1483), em linguagem de código, ao Duque seu sobrinho, numa provável referência á trama contra o Rei que se estaria desenhando em círculos cortesãos, o conde de Atouguia demonstrou a sua prudência,[8] ao aconselhar o Duque no sentido de "tal nom deveis cuidar quanto mais cometer".[9]

A casa de Atouguia conseguiu assim atravessar incólume o desfecho da alegada conjura, que acabaria por vitimar o Duque de Bragança. Da mesma forma, D. Martinho soube distanciar-se da subsequente conspiração do Duque de Viseu contra o Rei, que vitimaria destacados nobres portugueses, incluindo dois membros da família Ataíde - o irmão do conde, o acima referido D. Álvaro,[10] que fugiu homiziado para Castela, e o filho deste, D. Pedro, degolado em Setúbal por crime de lesa-majestade.[11]

O Castelo de Monforte do Rio Livre doado a D. Martinho de Ataíde, no ano de 1452, pelo Rei D. Afonso V

Outros títulos

Além de membro do conselho de D. Afonso V, D. Martinho foi capitão-mor dos reinos de Portugal e dos Algarves, e, desde 10.02.1452, alcaide-mor de Coimbra.[12]

Foi também mordomo-mor do infante D. Fernando, irmão de D. Afonso V.[4] Como senhor de Monforte do Rio Livre escreveu várias vezes para o rei que a vila se "encontrava muito despovoada por ser lugar muito frio, no extremo da Galiza, pela qual razão se podia perder na guerra".[13]

Faleceu em 1498 ou 1499. Na data em que morreu, era um dos 10 condes existentes em Portugal.[14]

Descendência e sucessão no título

Casou duas vezes.

A 1.ª vez, por contrato de 22.09.1451,[1] com sua prima co-irmã D. Catarina de Castro (? - 01.11.1453[1]), já viúva de D. Álvaro Vaz de Almada (conde de Abranches). Sem geração.

Casou pela 2.ª vez (em 18.04.1457[1]) com D. Filipa de Azevedo, filha de Luís Gonçalves Malafaia,[15] vedor da Fazenda, um dos Doze de Inglaterra, Embaixador a Castela, etc. e irmã do bispo do Porto D. João de Azevedo. Por este casamento recebeu D. Martinho do rei Afonso V, a 18.04.1457, uma doação vitalícia de uma tença anual de 20.000 reais.[16] A condessa de Atouguia, já depois de viúva, em 1519, instituiu o Morgado de Vaqueiros.[17]

Do 2.º casamento teve um filho:

  • D. João de Ataíde, casado com D. Brites da Silva, filha do 1.º conde de Penela; não sucedeu no título nem na casa, sendo uma das razões para a não sucessão o facto de ter decidido, ainda em vida do pai, fazer-se frade na Ordem de São Francisco; faleceu no ano de 1507.[18][6] Entre outros filhos teve, como primogênito:
    • D. Afonso de Ataíde, que herdou a casa do avô e foi 3.º senhor da vila de Atouguia, sem ter o título de conde. Foi alcaide-mor de Coimbra, serviu em África e faleceu em 1555.[6] Casou com D. Maria de Magalhães, filha de Fernão Lourenço da Mina,[19] Teve vários filhos, incluindo os seguintes:

Depois da morte sem sucessão do 3.º conde de Atouguia, e apesar de sua irmã Helena de Ataíde ter tido descendência, a casa e o titulo vieram a ser herdados pelos descendentes de uma sua tia paterna, D. Isabel da Silva de Ataíde (irmã de D. Afonso de Ataíde, acima referido).

Esta Isabel da Silva de Ataíde casou com Simão Gonçalves da Câmara, "o Magnífico" (1460 - 1530), 3.º capitão donatário do Funchal, senhor das vilas de Ponta do Sol e Calheta, e das Ilhas Desertas e Porto Santo, de quem foi a segunda mulher.

O neto deste casal, D. João Gonçalves de Ataíde, seria o 4.º conde de Atouguia.[6]

Referências

  1. a b c d Freire, Anselmo Braamcamp (1921). Brasões da Sala de Sintra, Livro Terceiro. Coimbra: Imprensa da Universidade. p. 277, 277, 277, 277. Consultado em 19 de setembro de 2019 
  2. a b Costa, João Paulo Oliveira e (2017). Dom Manuel I : un prince de la Renaissance. [Aix-en-Provence]: Le Poisson Volant éditeur (Kindle Edition). p. 1351 loc. kindle. ISBN 979-10-97273-07-1. OCLC 1048316590. Consultado em 7 de fevereiro de 2020 
  3. «Carta de doação vitalicia de D. Afonso V, a D. Martinho de Ataíde, conselheiro e capitão régio, por morte de D. Álvaro de Ataíde, seu pai, conde de Atouguia, da vila de Atouguia ... bem como a carta de conde de Atouguia. - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq». digitarq.arquivos.pt. Consultado em 26 de novembro de 2019 
  4. a b c d e Lima, Douglas Mota Xavier de (2016). A diplomacia portuguesa no reinado de D. Afonso V (1448-1481). Niterói: Universidade Federal Fluminense. pp. 397 – 399. Consultado em 30 de setembro de 2019 
  5. Pelúcia, Alexandra (2016). Afonso de Albuquerque : corte, cruzada e império 1a ed. Lisboa: Círculo dos Leitores. pp. 59–60. OCLC 958470506 
  6. a b c d e f Campos, Nuno Luís de Vila-Santa Braga (2013). A Casa de Atouguia, os Últimos Avis e o Império. Dinâmicas entrecruzadas na carreira de D. Luís de Ataíde. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. p. 57, 57, 61, 446, 446, 445. Consultado em 3 de outubro de 2019 
  7. Costa (coordenador), João Paulo de Oliveira e (2014). História da Expansão e do Império Português. Lisboa: A Esfera dos Livros. p. 42. ISBN 978-989-626-627-1 
  8. Martins, J. P. Oliveira (1882). «Biblioteca Nacional Digital - História de Portugal, 3ª ed. emendada, Tomo I.». purl.pt. Lisboa: Viúva Bertrand. p. 195. Consultado em 16 de agosto de 2022 
  9. Oliveira, Teresa (1 de janeiro de 2018). «Carta de D. Martinho de Ataíde, conde de Atouguia, ao duque de Bragança [1482-1483]». Fragmenta Historica. Consultado em 15 de agosto de 2022 
  10. «Sentença contra D. Álvaro de Ataíde condenando-o à morte por estar implicado na conspiração contra D. João II». Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Consultado em 15 de agosto de 2022 
  11. «Sentença contra D. Pedro de Ataíde pela qual foi condenado a ser degolado pela culpa que lhe fora atribuída na conspiração contra D. João II». Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Consultado em 15 de agosto de 2022 
  12. «Carta de nomeação de D. Afonso V a D. Martinho de Ataíde, conde de Atouguia, conselheiro régio, capitão-mor do reino, para o cargo de alcaide-mor do castelo da cidade de Coimbra, em substituição de seu pai, D. Álvaro Gonçalves. - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq». digitarq.arquivos.pt. Consultado em 26 de novembro de 2019 
  13. «Ao concelho da vila de Monforte do Rio Livre, foi dada carta de confirmação de uma outra de D. João II, que inseria outra de D. Afonso V, que dizia que fazia saber que D. Martinho de Ataíde, Conde de Atouguia, do conselho do rei e capitão-mor, disse que a sua vila de Monforte do Rio Livre se encontrava muito despovoada por ser lugar muito frio, no extremo da Galiza, pela qual razão se podia perder na guerra. - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq». digitarq.arquivos.pt. Consultado em 29 de setembro de 2024. Assim, foram privilegiados todos quantos aí moravam, que tinham suas mulheres e fazendas, que não iriam servir na guerra por mar, nem por terra, e seriam escusados de terem cavalos para serviço régio. Não seriam constrangidos para serem besteiros do conto e cada um deles podia ter arma, segundo a fazenda que tivesse, para defesa da dita vila e seus corpos. Não pagariam peitas, fintas, nem talhas. Dada em Évora a 7 de Abril de 1453. Lopo Fernandes a fez. Pediram os sobreditos a D. João II que lhe confirmasse esta carta, e assim mandou que se cumprisse inteiramente. Dada no Porto a 12 de Janeiro de 1484. Luís Fernandes a fez. Vicente Pires a fez. 
  14. Freire, Anselmo Braamcamp (1908). «A gente do cancioneiro». Revista Lusitana, vol. XI: 334. Consultado em 4 de outubro de 2019 
  15. Braamcamp Freire, op. cit., p. 277
  16. Soveral, Manuel Abranches de. «Casa da Trofa. Lopo Dias de Azevedo e sua mulher D. Joana Gomes da Silva». Consultado em 29 de fevereiro de 2024 
  17. «Testamento de D. Filipa de Azevedo, condessa de Atougia, pelo qual instituiu o morgado de Vaqueiros. Feito em 18 de maio de 1519 - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq». digitarq.arquivos.pt. Consultado em 28 de setembro de 2024 
  18. Zúquete, Afonso Eduardo Martins (1960). Nobreza de Portugal e do Brasil, Volume II. Lisboa, Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia lda. Representações Zairol, lda. p. 331 
  19. «Acção sobre a capela instituída em 6 de Abril de 1583 por D. Maria Magalhães mulher de D. Afonso de Ataíde, neto do 2º conde de Atougia e pai do 3º conde do mesmo título D. Luís de Ataíde - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq». digitarq.arquivos.pt. Consultado em 8 de fevereiro de 2020 
  20. Chronique de Santa-Cruz du Cap de Gué (Agadir). Texto português de autor anónimo do século XVI ("Crónica de Santa Cruz do cabo de Gué"), traduzido por Pierre de Cenival. Paris, Paul Geuthner. 13, rue Jacob, 13. (1934) P. 101-103
  21. Couto, Diogo do. «Ásia. Década X. Parte I. Capítulo IX.» (PDF). Biblioteca Nacional Digital 
  22. Freire, Anselmo Braamcamp (1921). Brasões da Sala de Sintra, Livro Terceiro. Robarts - University of Toronto. Coimbra: Coimbra : Imprensa da Universidade. p. 428 
  23. Sousa, D. António Caetano de. «Biblioteca Nacional Digital. Historia genealogica da Casa Real Portugueza. Tomo XII. ParteI.». purl.pt. pp. 430 – 433. Consultado em 19 de dezembro de 2023 
  24. Cardoso, Augusto--Pedro Lopes (2021). D. Francisco de Azevedo e Ataíde: Subsídios para a sua biografia. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. pp. 109 – 113 

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