Manuel Joaquim Mendes das Neves (Golungo Alto, 25 de janeiro de 1896 — Vila Verde, 11 de dezembro de 1966) foi um monsenhor católico e ideólogo anticolonial angolano, uma das mais importantes figuras iniciais da Guerra de Independência de Angola.[1][2][3][4]
Biografia
Nascido no Golungo Alto, em 25 de janeiro de 1896, Manuel das Neves era filho de um agricultor português com uma mulher angolana.[5] Com 12 anos ingressou no Seminário-Liceu de Luanda.[5]
Foi ordenado padre em 1918 e tornou-se missionário secular (cônego) servindo na Diocese de Luanda a partir de 1932.[1] Em 1950 o Papa Pio XII o ordena Prelado Doméstico de Luanda com o título de monsenhor.[1]
Chegou a receber também atribuições e cargos civis como membro do Conselho do Governo Geral de Angola, de 1945 a 1947, um órgão consultivo de auxílio ao governador colonial Vasco Lopes Alves.[1] A partir da década de 1930 também passou a envolver-se em atividades associativas e partidárias pela Liga Nacional Africana, entidade que chegou a ser eleito Presidente em 1947.[1][3]
Sua influência na Liga o projetou para tornar-se membro do Conselho Legislativo de Angola, de 1955 a 1958, nomeado pelos Alto-Comissários Manuel de Gusmão de Mascarenhas Gaivão e Horácio José de Sá Viana Rebelo.[1]
No início de 1959 Manuel das Neves acumulava as funções de Pároco da Igreja dos Remédios, diretor do Seminário Católico de Luanda, Deão do Cabido da Sé e Vigário da Arquidiocese de Luanda.[1] Era o segundo da cadeia de comando da Igreja Católica em Luanda, a seguir ao próprio Arcebispo de Luanda.[1]
Porém foi num evento organizado pelo próprio Manuel das Neves, em outubro de 1959, o I Encontro dos Ex-Seminaristas Residentes em Angola, que, pela primeira vez, compartilha suas ideias revolucionárias e anticoloniais.[1] A partir deste evento estabelece contatos com lideranças políticas de diversas correntes de pensamento, mas sobretudo nacionalistas, no intuito de formar uma frente de independência contra o regime colonial português.[1] Desperta atenção, principalmente, dos membros da União das Populações de Angola (UPA) que haviam participado da I Conferência dos Povos Africanos (ou Conferência Pan-Africana de Acra de 1958).[1]
Em 1959 a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) elabora um relatório que já o lista, juntamente com Joaquim Pinto de Andrade, como um dos "cabecilhas" da agitação política em Luanda.[1] Filiou-se à UPA em 1960 a partir do convite de Holden Roberto, ficando responsável por implantar células da UPA na cidade de Luanda.[1] Utilizava sua posição religiosa para proferir sermões de cunho nacionalista, divulgando também o pensamento anticolonial nos corredores da Arquidiocese e nos seminários.[1]
A militância anticolonial e a convicção religiosa o aproxima de Joaquim de Andrade no ano de 1959, que o convida, no ano seguinte, a tomar parte do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).[3] Cabe ressaltar que desde 1959, com Antonico Monteiro e Joaquim de Andrade, já organizava reuniões clandestinas para promover estratégias e debater questões políticas relacionadas à independência de Angola.[6] A distância da UPA em relação aos debates nacionalistas que ocorriam em Luanda e as prisões das lideranças do MPLA no Processo dos 50 (inclusive de seu ex-aluno Antonico Monteiro[6]),[7] seguidas do encarceramento de Agostinho Neto,[7] de Joaquim de Andrade[7] e de Manuel Pedro Pacavira[7] pela PIDE em Luanda lhe fazem optar por militar unicamente pelo MPLA a partir de meados de 1960.[3][8]
No final de 1960 Manuel das Neves passa a organizar aquele que viria a ser o primeiro ataque da Guerra de Independência de Angola.[8] Além de recrutar para os organismos do MPLA os militantes inativos da UPA em Luanda,[3] estabeleceu uma cadeia de comando centrada em Adão Neves Bendinha,[9] com chefes de unidades com Raul Deão, Francisco Imperial Santana, Virgílio Sotto-Mayor, Manuel Cadete Nascimento, Domingos Manuel Mateus,[10] João Beto e Domingos da Silva Paiva.[8] Definiu criteriosamente os locais estratégicos de Luanda que deveriam ser os alvos dos ataques.[10] Além disso, conseguiu financiamentos para comprar as armas e as roupas para os militantes com os membros do MPLA Ernesto Lara Filho, Bento Ribeiro Cabulo, Aníbal de Melo, Manuel Pereira do Nascimento e Francisco Roseira, e também com o padre Alexandre do Nascimento.[8] O apoio financeiro solicitado à UPA foi ignorado por Holden Roberto.[8]
Em janeiro de 1961 organizou e concentrou os militantes na periferia de Luanda para receber treino militar do cabo do Exército português Bento António.[10] Ministrou vários rituais religiosos e permitiu rituais não-cristãos como forma de "imunizar" os militantes contra as balas dos portugueses.[10]
Assim, de 4 e 9 de fevereiro 1961 deu-se o início da luta armada, tendo como marco os ataques à Casa de Reclusão Militar, a Cadeia da 7ª Esquadra da polícia, a sede dos CTT e a Emissora Nacional de Angola, todos em Luanda, e organizados ideologicamente por Manuel das Neves.[11] Torna-se o primeiro ideólogo da luta armada nacionalista angolana.[4]
Em 21 de março de 1961, enquanto ocorriam os ataques da UPA no norte de Angola, Manuel das Neves foi preso pela PIDE,[5] acusado de ser o principal instigador dos ataques de 4 de Fevereiro em Luanda, bem como um dos principais nomes operacionais e o gerente financeiro do plano.[1] Detido somente por três semanas em Luanda, foi transferido para Cadeia do Aljube e mantido, a partir de 18 de agosto de 1961, em liberdade vigiada pela PIDE no Seminário do Soutelo, em Vila Verde, no Distrito de Braga.[1] Fica implicado no "Processo dos Padres", um conjunto de decisões repressivas contra a liberdade religiosa levada a cabo pelo governo salazarista contra religiosos considerados subversivos, com vistas a intimidação e silenciamento de sacerdotes católicos e pastores protestantes nacionalistas e militantes dos direitos humanos em Angola, agindo com métodos de deportação, reclusão e difamação.[4][12]
Morreu no Seminário do Soutelo, em 11 de dezembro de 1966.[1] Mesmo com apelos da família pela transladação do corpo para Luanda,[5] somente militares da PIDE puderam comparecer ao seu funeral e enterro em Vila Verde.[5]
Os seus restos mortais foram transladados para Angola em 5 de julho de 1994, numa cerimônia de Estado, estando sepultado no Cemitério do Alto das Cruzes.[1]
Referências