Mário Cesariny de Vasconcelos nasceu, por acaso, na Vila Edith, em Benfica, mais precisamente, na Estrada da Damaia, dessa freguesia, onde os pais estavam a passar férias.
Foi o último filho (com três irmãs mais velhas) de Viriato de Vasconcelos, natural de Tondela, Tondela, e de sua mulher María de las Mercedes Cesariny (de ascendência paterna corsa e materna espanhola), natural de Paris. O pai, com uma personalidade dominadora e pragmática, era empresárioourives, com loja e oficina na rua da Palma, na freguesia de Santa Justa, em plena baixa lisboeta.
Completado o curso de cinzelagem, como não lhe agradasse o trabalho de ourives, frequentou um curso de habilitação à Escola de Belas-Artes de Lisboa, que não chegou a frequentar. Também estudou música com o compositor Fernando Lopes Graça. Cesariny era um talentoso pianista, mas o pai, enfurecido, proibiu-o de continuar esses estudos.[1]
Desde o final da adolescência, Cesariny e os amigos frequentam várias tertúlias nos cafés de Lisboa e descobrem o neo-realismo e depois o surrealismo. Em 1947 Cesariny viaja até Paris onde, graças a uma bolsa, frequenta a Académie de la Grande Chaumière.
Também em finais da década de 1940, Viriato, seu pai, abandona a família para se fixar no Brasil com uma amante. Isto faz com que Mário se aproxime mais de sua mãe e da sua irmã Henriette.
Na década de 1950, Cesariny dedica-se à pintura, mas também, e sobretudo, à poesia, que escreve nos cafés. Tem colaboração na revista Pirâmide[2] (1959-1960). O seu editor é Luiz Pacheco, com quem mais tarde (nos anos 1970) se incompatibilizaria por completo. É também durante esse período que começa a ser incomodado e a ser vigiado pela Polícia Judiciária, por "suspeita de vagabundagem", ficando sob a medida de liberdade vigiada durante vários anos, sendo obrigado a humilhantes apresentações mensais à polícia, devido à sua homossexualidade, que, apesar disso, vivencia diariamente, de modo franco e destemido. Só a partir de 25 de Abril de 1974 deixará de ser perseguido e atormentado pela polícia. Cesariny vivia ainda com dificuldades financeiras, sendo ajudado pela família.
Em 1964 Cesariny recebe uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para escrever um livro sobre Vieira da Silva, sobre quem, aliás, já havia escrito vários artigos e publicaria catálogos das suas exposições. A propósito da prorrogação desta bolsa, passa muitas temporadas em Londres, em especial no período entre 1964 e 1969.[3]
A partir da década de 1980, a obra poética de Cesariny é reeditada pelo editor Manuel Hermínio Monteiro e redescoberta por uma nova geração de leitores.
Nos últimos anos da sua vida, Cesariny viveu com a sua irmã mais velha, Henriette (falecida em 2004), num apartamento na Rua de Basílio Teles, 6 - 3º, em Campolide, Lisboa. Ao contrário do que acontecia anteriormente, abriu-se aos meios de comunicação dando frequentes entrevistas e falando sobre a sua vida íntima. Em 2004, Miguel Gonçalves Mendes realizou o documentário Autografia, filme intenso e comovente onde Cesariny se expõe e revela de modo total.
Mário Cesariny morreu em 26 de Novembro de 2006, às 22h30, de cancro da próstata, de que sofria havia anos. Foi sepultado no Talhão dos Artistas do Cemitério dos Prazeres, em Lisboa. Em 8 de dezembro de 2016, os restos mortais do poeta foram trasladados para um jazigo individual, numa cerimónia presidida pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, com a presença do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, do ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, do diretor cultural da Fundação EDP, José Manuel dos Santos, e de Teresa Caeiro, em representação da família. Cesariny passará a ter um monumento funerário com escultura projetado por Manuel Rosa.[4]
Mário Cesariny adopta uma atitude estética de constante experimentação nas suas obras e pratica uma técnica de escrita e de (des)pintura amplamente divulgada entre os surrealistas. A sua pintura, à imagem da sua personalidade inquieta é marcada, como vimos, pela experimentação, seja aplicada aos materiais, cuja distribuição foi tantas vezes aleatória, seja relativa às técnicas utilizadas, de que a colagem foi exemplo. Inventou as técnicas da soprofiguração e do aquamoto.[5] Como indica Raquel Henriques da Silva, Cesariny "levou o automatismo à sua dimensão mais extremada e o mais feroz crítico do talento artístico convencionado. Liberto dos ditames da prática oficinal instaurada, realiza composições intituladas Soprofiguras, lançando sobre o suporte da obra jactos de tinta posteriormente soprados."[6]
A sua poesia é animada por um sentido de contestação a comportamentos e princípios institucionalizados ou considerados normais nos campos do pensamento e dos costumes. Ao recorrer a processos tipicamente surrealistas (enumerações caóticas, utilização sistemática do sem-sentido ou do humor negro, formas paródicas, trocadilhos e outros jogos verbais, automatismo, etc.) alcança uma linguagem que sabe encontrar o equilíbrio entre o quotidiano e o insólito.[7] Nos últimos anos de vida, desenvolveu uma frenética actividade de transformação e reabilitação do real quotidiano, da qual nasceram muitas colagens com pinturas, objectos, instalações e outras fantasias materiais.
Sobre as sessões para que o convidavam e em que o aplaudiam, o poeta comentava: Estou num pedestal muito alto, batem palmas e depois deixam-me ir sozinho para casa. Isto é a glória literária à portuguesa.[8]
Bibliografia
Corpo Visível, 1950
Discurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano, 1952
Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos, 1953
Manual de Prestidigitação, 1956
Pena Capital, 1957
Alguns Mitos Maiores e Alguns Mitos Menores Postos à Circulação pelo Autor 1958
Nobilíssima Visão, 1959
Poesia, 1944 - 1955
Planisfério e Outros Poemas, 1961
Um Auto para Jerusalém, 1964
Titânia e A Cidade Queimada, 1965
19 Projectos de Prémio Aldonso Ortigão Seguidos de Poemas de Londres, 1971
As Mãos na Água a Cabeça no Mar, 1972
Burlescas, Teóricas e Sentimentais, 1972
Primavera Autónoma das Estradas, 1980
Vieira da Silva, Arpad Szenes ou O Castelo Surrealista, 1984
O Virgem Negra, 1989
Titânia, 1994
A alma e o mundo, 1997
Poetas do Amor, da Revolta e da Náusea (inédito), 2023