Filha de Pierre Charly, um rico cordoeiro, e de Étiennette Roybet, Louise recebeu uma educação refinada para a época, consistindo de latim, italiano, música, equitação e até mesmo esgrima. Bonita e independente, aos dezesseis anos (1542) disfarçou-se de homem e sob a alcunha de "capitão Loyz" acompanhou um de seus amantes ao cerco de Perpignan e chegou mesmo a tomar parte de combates. Anos depois, novamente travestida, participou de um torneio de esgrima em Lyon.
Em 1550 resolveu casar-se e desposou Ennemond Perrin, cordoeiro e rico como fora seu pai, de onde veio o apelido de "Bela Cordoeira". Em sua mansão, deu grandes recepções para a sociedade burguesa da época, e, com a morte do marido (por volta de 1560), voltou a ter inúmeras aventuras amorosas (embora, entre suas conquistas, seja conhecido apenas o nome do poeta Olivier de Magny).
A principal obra de Louise Labé é o Débat de Folie et d'Amour ("Debate da Loucura e do Amor"), de 1555, na qual defende uma pauta "feminista": direito das mulheres à educação, à liberdade de pensamento e a escolha de parceiros. Seguem-se a eles as três Élégies ("Elegias"), no mesmo ano. As obras, que exprimem uma "paixão sensual e ardente"Grande Enciclopédia Delta Larousse. Rio de Janeiro: Editora Delta, 1976. V. 9, p. 3857., foram inspiradas no modelo da época, Petrarca, mas além do grande rigor formal, destacam-se dentre as obras contemporâneas por seu ardor, sua espontaneidade e pela sinceridade com que são expressos os sentimentos. Embora perseguida e repreendida por vários reacionários, ela foi saudada por seus colegas poetas da época como uma nova Safo, fama notável para uma poetisa com tão poucos trabalhos publicados.
Obras
Débat de Folie et d'Amour (1555)
Élégies (1555)
No Brasil foi lançada uma edição contendo o Debate da Loucura e do Amor em 1995 pela editora Siciliano, com tradução de Felipe Fortuna, a qual contém uma introdução histórica e biográfica do próprio tradutor, 24 sonetos cujo tema principal é o amor e seus paradoxos e mais três elegias. A edição atualmente encontra-se esgotada, mas pode ser encontrada em sebos. Segue um pequeno excerto da obra:
Porque não tem como se afastar e começar outro romance, expulsando um Amor com outro Amor. Elas se queixam de todos os homens por causa de um só. Elas chamam de loucas as que amam. Amaldiçoam o primeiro dia em que amaram. Fazem juras de que jamais amarão de novo - mas isso não dura muito. Logo voltam o olhar para quem tanto amaram. Se elas possuem algum retrato dele, elas o beijam, rebeija, molham com lágrimas, colocam-no à cabeceira e sob travesseiro, e escutam elas mesmas as queixas sobre suas miseráveis aflições. Quantas delas eu vejo descerem até os Infernos para tentarem, como antigamente Orfeu, recuperar seus amores perdidos? E em todos esses atos, que sinais vós encontrais senão os da Loucura? Sentir o coração longe de si, estar ora em paz, ora em guerra, ora em trégua. Cobrir e ocultar sua dor. Mudar o rosto mil vezes por dia. Sentir que o sangue lhe enrubesce a face, subindo, depois rapidamente se esvai, deixando-a pálida, assim como a vergonha, a esperança e ou o medo nos governam. Buscar aquilo que nos atormenta, fingindo uma fuga, e no entanto ter medo de achá-lo. Mostar apenas um pequeno riso entre mil suspiros. Enganar-se a si mesma. Arder de longe, gelar de perto. Um falar entrecortado, um silêncio súbito - não são estes os sinais de um homem alienado do seu juízo? Quem desculpará Hércules desfazendo os novelos de Ônfala? O Sábio Rei Hebreu, com sua grande legião de mulheres? Aníbal se desmoralizando diante de uma Dama? E muitos outros, que diariamente vemos tão depreciados que eles mesmos não se reconheceriam. Qual é a causa disso, senão a Loucura? Pois é ela, enfim, que faz Amor grande e temido. E que o leva a se desculpar, quando faz alguma coisa impensada.:
O pensamento de Louise Labé
Parágrafo de uma carta enviada por Louise Labé para uma amiga, Mademoiselle Clemence de Bourges, em Lyon, em 24 de Julho de 1555, onde a "Bela Cordoeira" defende alguns de seus pontos de vista:
É chegado o tempo, Mademoiselle, em que as leis inflexíveis dos homens não mais impedirão as mulheres de se devotarem às ciências e disciplinas; parece-me que aquelas que forem capazes, irão empregar esta honrada liberdade, a qual nosso sexo outrora tanto desejava, em estudar estas coisas e mostrar aos homens o mal que causaram em nos privar do benefício e da honra que poderiam nos advir. E se alguém chega ao estágio no qual seja capaz de pôr suas idéias no papel, deveria fazê-lo com muito intelecto e não deveria desprezar a glória, mas adornar-se com ela antes do que com correntes, anéis e roupas suntuosas, as quais não podemos considerar realmente como nossas exceto pelo costume. Mas a honra que o conhecimento nos trará, não nos pode ser tomado – nem pela astúcia de um ladrão, nem pela violência de inimigos, nem pela duração do tempo.
Bibliografia
Dicionário Biográfico da Enciclopédia Abril. São Paulo: Editora Abril, 1972. V. 2, p. 368.
Louise Labé: Amor e Loucura. Tradução, prefácio e notas por Felipe Fortuna. São Paulo: Editora Siciliano, 1995.