Com grande destaque na poesia, sua obra máxima, a Invenção de Orfeu, é marcada pela diversidade de formas, referências e extensão. Publicada em 1952, procura uma nova forma de poesia em uma ilha utópica, onde propõe a superação do individualismo e hostilidade, abrindo espaço a uma nova ordem: mais solidária e sensível.[1] Nesse seu último livro, o exercício poético se volta para o oceano íntimo, em busca da ilha essencial e inacessível aos poderes que governam o seu tempo e o seu mundo.[2]
Biografia
Infância em Alagoas
Filho do comerciante José Matheus de Lima, natural de Tacaratu, no sertão pernambucano, e de Delmina, natural de Sergipe. Seus avós paternos foram Alexandre da Cunha Lima e Maria Joana de Lima. Seus bisavós paternos foram Alexandrino Barroso de Lima e Joana Maria de Lima. Foram seus avós maternos Licínio Simões e Joana Simões e bisavós maternos Licínio Barroso Simões e Elvira Castro Simões.[3]
Escreveu seu primeiro poema aos 14 anos, O acendedor de lampiões. Passou a infância entre brincadeiras e a observação aguda da região e dos arredores da sua cidade natal. Cursou o ensino básico em União dos Palmares e Maceió, Alagoas.[3][4][5]
Faculdade em Salvador
Transferiu-se para Salvador em 1908, onde iniciou seus estudos em Medicina. Na Bahia, cursou a faculdade de medicina durante cinco anos, transferindo-se para o Rio de Janeiro, em 1914, onde concluiu o curso. Sua tese de doutoramento “O destino do lixo no Rio de Janeiro” recebeu a orientação do médico e poeta Afrânio Peixoto, e foi publicada em 1914. No mesmo ano, publicou seu primeiro livro de poemas. XIV Alexandrinos, com seu poema de destaque O acendedor de lampiões.[3]
No dia 5 de fevereiro de 1917, em Belém do Pará casou-se com Ádila. Logo após o casamento, retornou a Maceió e se dedicou à medicina, literatura e política. Teve dois filhos: Mário Jorge, nascido em 20 de janeiro de 1926, e Maria Tereza, nascida em 13 de abril de 1927. Foi professor e diretor da Escola Normal e do Liceu Alagoano. Em 1919, ganhou a eleição para deputado estadual pelo Partido Republicano de Alagoas, assumindo a Presidência da Câmara durante dois anos.[3][4][5]
Mudança ao Rio de Janeiro
A partir de 1930, mudou-se definitivamente ao Rio de Janeiro e montou um consultório na Cinelândia, na Praça Floriano, n.º 55, no 11.º andar,[6] o prédio que abriga o famoso Bar Amarelinho. Atendia diariamente, das 15 às 17h e morou por um período na Rua Ramon Franco, n.º 48.[6]
Transformado também em ateliê de pintura e ponto de encontro de intelectuais, reunia no consultório gente como Murilo Mendes e José Lins do Rego. A partir de 1935, junto com Murilo Mendes, se aproximou do catolicismo, mas, com o passar do tempo, sua religiosidade foi cada vez mais se aproximando de uma abordagem da poesia como expressão do divino, num sentido individual e artístico, não propriamente católico.[5]
Em 1935, voltou à vida política, elegendo-se como vereador e em 1948 presidiu a Câmara de Vereadores.
Para Manuel Bandeira, a verdadeira estreia de Jorge de Lima na literatura brasileira aconteceu com a publicação do poema O mundo do menino impossível, de 1925, onde rompeu com as formas estabelecidas pelo parnasianismo e simbolismo, base de seu primeiro livro: XIV Alexandrinos.[7] Após a publicação de Poemas, livro de 1927, José Lins do Rego afirmou que com esse caderno o Nordeste teve o seu primeiro livro de poesia. "O Nordeste dos cangaceiros, do rio de São Francisco, de Lampião, do padre Cícero, das bonecas de pano que se vendem nas feiras, de toda a sentimentalidade tão característica de nossa gente".[7]
"Aquele que mais longe foi em nossa terra na feitura do verso e no uso da poesia como expressão de um povo e de uma nação, é de se espantar seja ele posto de lado pela presente comunidade literária do País."[8]
Para Ivan Junqueira, a Academia cometeu uma falha imperdoável com o autor, cujo trabalho literário foi excepcionalmente bem recebido pela crítica e pelo público. Junqueira não acredita que o poeta tenha transitado à margem da literatura de seu tempo e "até hoje, transcorridos mais de 50 anos de sua publicação, não há poeta brasileiro que dele não se lembre".[10]
Poesia
Em comparação aos demais poetas brasileiros, Jorge de Lima se destaca pela mutabilidade e complexidade de sua escrita. Aderiu ao parnasianismo, modernismo e às características regionalistas, católicas, afro-brasileiras, surrealistas, barrocas e simbolistas ao longo de sua vida.[11] Numa entrevista no lançamento de seu livro Túnica Inconsútil, quando questionado sobre a mudança de forma e estética constante responde: "Fome do eterno, do essencial, do universal. Não venho para a presente fase de minha poesia por ter falhado como poeta 'modernista', apenas brasileiro. Vi meus poemas se popularizarem. E hoje eles já não me satisfazem mais. Tenho verdadeiramente fome do universal".[1]
XIV Alexandrinos (1914), inclui poemas como O acendedor de Lampiões e outros.
Inicia sua carreira como poeta parnasiano, alcançando destaque com O acendedor de lampiões, poema presente em XVI Alexandrinos, foi daí que o título príncipe dos poetas alagoanos surgiu.[1]
Lançado em 1927, poema que rompe com a tradição parnasiana, O Mundo do Menino Impossível foi impresso em 300 cópias, com ilustrações feitas pelo próprio autor e coloridas pelo seu irmão, Hildebrando de Lima.[13] O poema trabalha sobre o imaginário infantil que prefere, no lugar dos brinquedos refinados, a imaginação com os objetos do seu redor. A leitura de Manuel Bandeira sobre essa poesia é que para além da criança que renega brinquedos refinados, é Jorge de Lima quem recusa "os brinquedos perfeitos/que os vovôs lhe deram:" as formas tradicionais parnasianas.[7] É após a incursão ao modernismo que Lima inclui em sua poética temas regionalistas, além da mudança à uma linguagem coloquial, a uma adesão mais profunda ao folclore e ao forte elemento da cultura negra.[1]
A partir de Tempo e Eternidade, a poesia de Jorge de Lima diminui o cunho regionalista e se opõe à descrição do real observado ou dos acontecimentos exatos que a memória reteve. Assim, cede lugar à mágica da poesia, a recriação imagética e poética pelas palavras do mundo, é isso que diz em um depoimento: “A grandeza do poeta está em saber recriar poeticamente as suas palavras, tirando-as, como dizia Carlos Drummond de Andrade, do seu estado de dicionário para elevá-las a um estado de poesia”.[1] Da experiência com o surrealismo, a fragmentação e a recomposição do real interferem tanto em sua obra literária quando na artística - suas colagens. É a partir do uso de toda bagagem visual de sonhos e fantasias acumuladas desde a infância que sua escrita toda corpo. São esses elementos improváveis que configuram a tentativa do poeta em alcançar um novo modo de poesia, dando lugar a sua obra maior Invenção de Orfeu.[1]
Há quem se espante pelos vários nomes possíveis do livro; o nome oficial foi escolhido por Murilo Mendes, que hesitou entre: Cosmogonia, Canto geral ou Invenção de Orfeu, venceu o último. Mas mesmo assim, Jorge de Lima tratou de colocar subtítulos ao livro: Biografia Épica, Biografia Total e Não, Uma Simples Descrição de Viagem, Ou de Aventuras. Biografia com Sondagens; Relativo, Absoluto e Uno, Mesmo o Maior Canto é, Denominado - Biografia.[2]
A linguagem de Invenção de Orfeu coloca o poeta e a sua poesia em linha direta com o Modernismo, mas não mais o brasileiro da fase de 22, mas o mundial.[5] Unindo as influências surrealistas que procuram uma nova forma à poesia, com os dogmas católicos que procuram a origem, a Invenção de Orfeu é composta.[1]
O livro representa uma tentativa do autor em criar um novo mundo verbal e um novo mundo real melhor e mais humanizado, uma ilha. Jorge de Lima, nessa ilha, se cerca no diálogo com obras da poética clássica: a Divina Comédia, de Dante, a Eneida, de Virgílio, Os Lusíadas, de Camões, o Paraíso Perdido, de Milton. Além de obras e autores da poesia moderna, como Lautréamont, Rimbaud, Eliot e Pound.
Sua raiz parnasiana se manifesta pelo rigor métrico na quase totalidade dos versos do livro e pela grande presença de sonetos. Esse aparente paradoxo é um dos traços marcantes da obra no contexto do Modernismo e no Pós-Modernismo, no sentido de fundir o contemporâneo à tradição ao enquadrar uma linguagem semântica e sintaticamente difícil em uma fluência rítmica regular.[5]
Longe de qualquer linearidade, traça um percurso feito de ciclos que se enovelam em torno de alguns temas e imagens que se repetem.[2] Nesse livro, Lima arquiteta seu projeto mais ambicioso: interpretar as dores coletivas em uma biografia épico-lírica.[1] O livro é composto em dez cantos de formas poéticas múltiplas, mundos particulares e místicos, distribuídos por temas e motivos:
Canto I - Fundação da Ilha
Canto II - Subsolo e Supersolo
Canto III - Poemas Relativos
Canto IV - As Aparições
Canto V - Poemas da Vicissitude
Canto VI - Canto da Desaparição
Canto VII - Audição de Orfeu
Canto VIII - Biografia
Canto IX - Permanência de Inês
Canto X - Missão e Promissão
Faz uso da montagem, da superposição de diferentes moldes poéticos: do alexandrino clássico, da redondilha popular, das sextilhas trovadorescas, do soneto, da estrofe única e longa. A ilha, criada por Jorge de Lima carrega um sentido utópico, já que propõe uma nova possibilidade para os seres humanos, entre elas a de superação do individualismo, da hostilidade, estabelecendo uma nova ordem, mais solidária e mais sensível, similar à da arte.[1]
A leitura dos poemas resulta numa grande canção que despeja um universo de imagens construindo a trajetória do poeta no fazer poético.[5]
Romances
Salomão e as mulheres (1923)
O anjo (1934)
Calunga (1935)
Mulher obscura (1939)
Guerra dentro do beco (1950)
Ensaios
A comédia dos Erros (1923)
Dois ensaios (1929)
Literatura Infantil e Religiosa
História da terra e da humanidade (1935)
Anchieta (1935)
Vida de São Francisco de Assis (1942)
Bibliografia
Livros
Andrade, Fábio de Souza. O engenheiro noturno: a lírica final de Jorge de Lima. São Paulo: Edusp, 1997.
Menezes, Raimundo de. Dicionário literário brasileiro. 2.ª edição. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978.
Lobo, Luiza. O clássico e o moderno em Invenção de Orfeu. In: Crítica sem juízo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993.