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Gobies ou Gobiidae é uma família pertencente à ordem dos Gobiiformes, dentro da infraclasse Teleósteos. Os peixes dessa família são pequenos, bentônicos, habitam recifes de corais e são muito estudados por uma relação ecológica marcante com os camarões do gênero Alpheus.
Camarões Alpheidae e peixes gobies participam em um mutualismo, no qual o invertebrado tem uma capacidade visual reduzida e constrói um abrigo para compartilhar com o peixe, que possui visão boa, fornecendo informação dos possíveis predadores e ameaças do lado de fora do abrigo.[1]
O camarão possui uma visão muito fraca, e os peixes funcionam como sentinelas, posicionados na entrada do abrigo para alertar perigos iminentes, através de um sistema táctil de movimentos rápidos da cauda, detectados pelas antenas alongadas dos camarões.[2] Dependendo das espécies envolvidas na interação, o sistema de comunicação tátil pode ser muito complicado. Este sistema de comunicação é uma característica distintiva da associação dos gobídeos com camarões e é um dos poucos exemplos conhecidos de comunicação interespecífica onde a sobrevivência de uma espécie depende quase inteiramente dos sinais produzidos pela espécie parceira.[3]
A parceria entre peixes gobiídeos não escavadores e camarões alpheid representa uma oportunidade única para investigar a base do funcionamento do mutualismo. Os camarões dependem predominantemente dos gobis para avisá-los sobre a aproximação de predadores; além disso, eles também se beneficiam do aumento das fontes de alimento fornecidas pelos gobis, como ectoparasitas. Em troca, os camarões constroem e mantêm as tocas que são usadas como abrigo pelos gobis.[4]
Mais de 120 espécies de gobiid, dentro de 12 gêneros e 20 espécies de alpheid, todas do gênero Alpheus participam de uma relação mutualística.[5] Sabe-se que essa interação aparece duas vezes entre os gobies do Indo-Pacífico, a primeira vez em um clado composto pelos gêneros: Amblyeleotris, Ctenogobiops, Vanderhorstia. E uma segunda vez em outro clado composto por: Cryptocentrus, Tomiyamichthys, Stonogobiops, Mahidolia.[6]
As associações entre os camarões e gobies podem ser divididas em três: comensalismo, mutualismo facultativo e mutualismo obrigatório. Uma espécie do Caribe, Nes longus, apresenta uma relação mutualística com camarão Alpheus seguindo a descrição a cima, já a espécie Ctenogobius saepepallens usam os abrigos construídos pelos alpheídeos casualmente e raramente alertam perigo iminente, portanto são considerados comensalistas.[1]
É esperado que um mutualismo tão benéfico tenha aparecido durante a evolução muitas vezes, porém se existem custos de aptidão que acompanham os benefícios é esperado que essa relação apareça muito raramente.[7]
Muitas perguntas ainda rondam essa relação ecológica, a maioria focada no quesito evolutivo dessa interação. Mutualismo estrito é muito vantajoso, então porque ainda existem espécies que são comensalistas? O que impede? Quais são os custos de manter essa associação?
Para tentar responder essas perguntas, é necessário entender que ao ficar de tocaia no abrigo do camarão, a área de forrageio do goby é reduzida, representando um custo para essa relação. Um estudo comparando a mesma dieta restrita entre duas espécies, mostra que aquela com relação de comensalismo (C. saepepallens) perde mais peso que a espécie com relação mutualística (L. longus). Mostrando que talvez C. saepepallens não mantenha uma relação de mutualismo pela necessidade de uma dieta mais ampla.[1]
Esse caso também aponta que relações de mutualismo estrito aparecem mais raramente na evolução, porque poucas espécies conseguem superar os custos dessa associação.[1] Mostrando que é necessário uma certa plasticidade das duas espécies para manter essas relações.[2]
Outra coisa interessante para o estabelecimento e manutenção de um mutualismo obrigatório é que os interesses de ambas as espécies nem sempre estão alinhados, talvez a pressão sobre cada um para obter todos os benefícios possível é alta, levando a um comportamento egoísta.[8] Indivíduos que não estão dentro de uma relação tendem a ser “trapaceiros”, como o caso do peixe-limpador, que eventualmente morde pedaços dos peixes maiores sem parasitas, porém ele pode ser punido.[9]
Para aumentar a estabilidade do mutualismo ao longo do tempo, mecanismos de punição (troca de parceiros por exemplo) e recompensa são muito utilizados: regulando as trapaças.[10]
Ecologia
Impactos demográficos da parceria mútua
De uma perspectiva demográfica, os benefícios mútuos são expressados por um aumento da natalidade e/ou redução da mortalidade.[11] Nos recifes de corais têm muitos predadores, então acredita-se que os gobis e camarões formam uma aliança para se protegerem:[12][13] para o gobi, o camarão fornece uma toca para seu refúgio, já ára os camarões, os peixes alertam a presença de predadores para que possam se esconder, diminuindo a mortalidade do gobi.[5] Por isso acredita-se que os camarões tornam-se menos vulneráveis à predação quando pareados com um gobi.[5]
Estudos realizados para entender o impacto da parceria obrigatória entre gobis e camarões nas taxas de crescimento mostraram que o crescimento do camarão quando um gobi presente foi significativamente maior do que quando ausente. Isso porque quando o camarão está sozinho ele realiza menos forrageamento (busca por alimento). Já para os gobis não teve diferença no crescimento diante presença ou ausência do camarão, indicando que a presença do crustáceo não interfere no crescimento, mas pode interfir em outros aspectos, como a taxa de mortalidade.[14]
Para compreender melhor sobre as taxas de mortalidade de pares gobi-camarão, um estudo introduziu 48 peixe em um habitat e percebeu que 20 dos 48 invasores estavam ocupando abrigos/tocas que já estavam ocupados antes. Os outros 28 não foram encontrados, mostrando que gobis que falharam em parear com camarões sofreram predação.[15] No entanto, não foi possível estimar a influência do mutualismo sobre as taxas de pedração e mortalidade nos camarões, portanto estudo que foquem na observação a longo tempo de camarões marcados sem a parceria do peixe é de extrema importância.[12]
Dieta e comportamento alimentar
Os gobies costumam vasculhar o sedimento em busca de alimento, tanto ao redor da toca como também o extraído da toca pelo camarão.[16] Duas espécies (Amblyeleotris japonica e Stonogobiops xanthorhinica) foram observadas subindo na coluna d’água para se alimentarem do plâncton.[17]
Os camarões associados aos gobis parecem ser alimentadores oportunistas que consomem matéria intersticial exumada durante a escavação da toca, além de algas, que parecem ser o principal item da alimentação desses animaisque.[18] Além disso, também podem se alimentar dos ectoparasitas que tiram dos seus parceiros peixes.[19]
Especificidade do habitat
Já se sabe que a distribuição das espécies de gobis e camarões é influenciada pelos parâmetros do habitat,[12] tornando-os muito seletivos na escolha. Algumas espécies preferem sedimento com uma mistura de areia, cascalho, detritos de corais e fragmentos de concha e são raramente encontrados em substrato só de areia.[20] Mas também têm espécies que preferem micro-habitats diferentes, selecionados a partir da profundidade e pelos tamanhos dos grãos do sedimento.[21]
Dinâmica de populações
Para compreensão das dinâmicas de populações, os estudos consistem em observação dos animais em seu habitat natural. Observou-se que o tamanho populacional total e abundância das espécies de camarões e gobis mudaram ao longo do tempo.[22]
Durante três observações, espaçadas por 5 meses, Cummins (1979) observou que a espécie de gobi presente na toca de um camarão, mudou em pelo menos 5 abrigos. Ele retirou gobis das suas tocas e o resultado foi: os abrigos são recolonizados rapidamente, muitas vezes por indivíduos da mesma espécie, de uma outra espécie que é comumente vista com a espécie de camarão. Houve recolonização por um indivíduo de uma espécie de gobi raramente vista com aquela espécie de camarão, mas depois de um tempo o peixe abandonou o abrigo.[22]
Estudos foram feitos para elucidar predação e competição intraespecífica de gobis (Ctenogobiops feroculus) mostram que gobies dessa espécie competem para ocupação da toca, gobis maiores eram mais sucedidos na ocupação do que os menores e os peixes preferem parear com camarões maiores do que menores.[23]
Ao analisar as taxas de predação dos gobis percebeu-se que diante da adição de predadores, a mortalidade aumentou, porém a abundância não foi alterada. Isso pode ser explicado, pois assim que uma toca está sem o seu respectivo gobi, outro indivíduo vai substituir o lugar.[23][13]
Comportamento
Estrutura da toca/abrigo
A estrutura dos abrigos de camarões associados à gobis tem uma profundidade de no máximo 50 cm, está sempre associada a alguma estrutura dura, como corais e rochas. Como a areia pode colapsar, o camarão utiliza pedaços de rochas, conchas para suportar a estrutura da toca.[12]
Partes das tocas que estavam debaixo de corais e rochas, tinham câmaras/galerias, enquanto que aquelas no sedimento tinham o diâmetro uniforme ao longo do abrigo.[12]
Atividade
Tanto os camarões quanto os gobis, possuem um hábito estritamente diurno.[12] Durante a noite os dois ficam em repouso na toca, a entrada dessa fica fechada por conta da atividade das ondas, ou fechada intencionalmente pelo camarão.[20][12]
Comunicação interespecífica
A principal forma de comunicação entre os gobis e os camarões é a tátil, ou seja, ao avistar um possível predador ou perigo, o peixe mexe sua cauda em um certo padrão para avisar ao crustáceo que ele deve entrar na toca.[21][12] Esse método requer que o camarão esteja prestando atenção no gobi, já que percebe os sinais por meio das suas antenas alongadas.[12]
Outro método usado pelo gobi é entradas rápidas da cabeça do peixe na toca, sempre que o gobi faz esse sinal, o camarão entra na toca. Esse movimento é tão rápido, que só uma nuvem de areia é vista.[12]
Uma curiosidade é que o gobi mexe sua cauda 7.4 vezes por hora.[24]
Caso o camarão não responda ao aviso do gobi, por meio da movimentação da cauda, o peixe aumenta a intensidade desse movimentos até o camarão entrar na toca.[12]
Há diferença na comunicação entre o gobi e o camarão de acorco com o tipo de relação que eles mantêm. Em casos de mutualismo obrigatório, o peixe produz tanto o sinal com a cauda, quanto colocando sua cabeça rapidamente na entrada da toca. Já em casos de mutualismo facultativo ou comensalismo, apenas um dos sinais é produzido pelo gobi.[25]
Reprodução
Algumas espécies de gobys e camarões formam pares monogâmicos, podendo ficar juntos pelo resto da vida. Porém existem espécies de goby que se reproduzem durante o período reprodutivo, sem formarem pares. Em algumas espécies do peixa, há a rejeição da fêmea naqueles machos que ficam vagueando, que não estão assentados com seus respectivos camarões. [12]Além disso, existem espécies de gobys que são consideradas hermafroditas.[26]
Especificidade do parceiro
A ocorrência de várias espécies diferentes de camarões alpheids associadas a peixes gobiídeos na mesma área levanta diversas questões em relação ao grau de especificidade do parceiro.[12] Estudos iniciais sobre especificidade do parceiro simplesmente observavam a ocorrência ou não de certas espécies de gobies e camarões na mesma toca.[27]
Dois cenários podem ser verdadeiros em relação à escolha de parceiros: (1) uma espécie de gobi é igualmente e significativamente relacionada à uma espécie de camarão, ou (2) associação aleatória de uma espécie de gobi com uma de camarão. Estudos apontam que o cenário (1) é mais comum em espécies que habitam águas rasas, enquanto que o (2) é mais comum em águas mais profundas.
A atração de certas espécies de gobis por certas espécies de camarões e vice-versa é baseada em diferentes modalidades sensoriais. No caso dos gobis, a atração é por características morfológicas do camarão, já para os crustáceos a atração está relacionada com fatores químicos do peixe.[21][28]
Existem três principais mecanismos que regulam a especificidade do parceiro: atração do gobi pela pela toca do camarão, a formação de um sistema de comunicação tátil e atração mútua das duas partes (para os gobis é a morfologia dos camarões, e para esse é as pistas químicas do peixe). A presença ou ausência desses mecanismos, determina o tipo de especificidade da escolha de um camarão pelo gobi e vice-versa).
Parcerias Tipo I: o gobi é atraído pela toca do camarão, a comunicação tátil é estabelecida e os dois são mutuamente atraídos um pelo outro. Essas associações são as mais duradouras, podem durar meses.
Parcerias Tipo II: o gobi é atraído pela toca do camarão, a comunicação tátil é formada, mas não existe atração mútua. Esse tipo de parceria são raras e instáveel, duram apenas alguns dias ou semanas.
Parcerias Tipo III: o gobi é atraído pela toca do camarão, náo é formada uma comunicação tátil e não há atração mútua. Esse tipo de relação não foi observada nem em laboratório nem no oceano.[12]
Os camarões desempenham um papel ativo na determinação da identidade de seus parceiros. Camarões privados de seus parceiros gobi frequentemente bloqueiam as aberturas das tocas e deixam apenas uma pequena abertura. Gobies em busca de abrigo na toca de um camarão e são atraídos pelos abrigos, inserem suas caudas nessa abertura. O camarão prontamente toca a cauda do gobi com sua antena. Se o gobi for uma espécie preferida, a abertura é ampliada e o gobi é permitido entrar. Se o gobi não for preferido pelo camarão, a associação não se formará. [21]
A formação de uma associação específica provavelmente é muito mais complexa do que o sugerido. Além da atração pela toca e pelo camarão, o gobi também pode ser atraído por um micro-hábitat específico e cada espécie pode ser atraída por uma estrutura de entrada de toca específica. A competição interespecífica entre gobies por tocas de camarão também pode afetar a identidade dos parceiros gobi-camarão.[12]
A preferência do gobi por algumas características da toca, como tamanho e estabilidade, pode afetar a especificidade do parceiro. Espécies de gobis grandes foram associadas com tipos grandes de camarões que constroem tocas grandes.[22]
O aspecto mais intrigante e menos compreendido da especificidade do parceiro provavelmente está relacionado à comunicação entre gobis e camarões. Um sistema de comunicação específico entre espécies de gobis e camarões poderia aumentar a eficácia da comunicação, mas reduzir o número de hospedeiros disponíveis, enquanto um sistema de comunicação não específico poderia ter uma eficiência de transmissão menor, mas um maior número de possíveis parceiros.[29]
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