Eugenio Raúl Zaffaroni

Eugenio Raúl Zaffaroni
Eugenio Raúl Zaffaroni
Raúl Zaffaroni em 2006
Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos
Período 15 de junho de 2015
à atualidade
Ministro da Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina
Período 23 de outubro de 2003
a 31 de dezembro de 2014
Nomeação por Néstor Kirchner
Antecessor(a) Julio Salvador Nazareno
Sucessor(a) Horacio Daniel Rosatti
Dados pessoais
Nascimento 7 de janeiro de 1940 (84 anos)
Buenos Aires, Argentina

Eugenio Raúl Zaffaroni (Buenos Aires, 7 de janeiro de 1940) é um jurista e magistrado argentino. Foi ministro da Suprema Corte Argentina de 2003 a 2014 e, desde 2015, é juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Professor emérito e diretor do Departamento de Direito Penal e criminologia na Universidade de Buenos Aires, é também doutor honoris causa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pela Universidade Federal do Ceará, pela Universidade Católica de Brasília e pelo Centro Universitário FIEO. É vice-presidente da Associação Internacional de Direito Penal.[1]

Suas teorias são amplamente difundidas no Brasil, tendo publicado livros em português, como coautor, com José Henrique Pierangeli[2], com Nilo Batista[3] e com Ílison Santos[4].

Biografia

É defensor de um pensamendo que define como "realismo marginal jurídico-penal". Muitos o consideram defensor do garantismo, entretanto esta confusão é feita porque, até meados da década de 1980, Zaffaroni ainda pensava o Direito Penal como legítimo instrumento de controle social, em vista da eficiência das penas criminais para ressocializar o punido. O garantismo é um sistema sociocultural que estabelece instrumentos jurídicos para a defesa dos direitos fundamentais e consequente defesa do acesso aos bens essenciais à vida dos indivíduos ou de coletividades, que conflitem com interesses de outros indivíduos, outras coletividades e, sobretudo, com interesses do Estado. O garantismo se vincula ao conceito de Estado Democrático de Direito, modelo político-jurídico destinado a limitar e evitar a arbitrariedade do poder punitivo estatal. Entretanto, possui matriz positivista e, embora carregue em si o minimalismo penal como um de seus postulados, pensa o poder punitivo como um instrumento legítimo e, em alguns casos, eficiente.

Após a publicação de Criminologia: una aproximación desde un margen (1988) e En busca de las penas pertidas: deslegitimación e dogmática jurídico-penal (1989), Zaffaroni assume uma postura realista - quanto ao atuar real e irracional das agências punitivas - e marginal - quanto à realidade dos países periféricos em face do poder planetário -, voltada para a América Latina, deslegitimante do poder de punir, onde as penas criminais não podem ser juridicamente fundamentadas, senão que elas têm um sentido político (teoria agnóstica da pena); é defensor de um minimalismo tendente ao abolicionismo. Sua dogmática é renovada (Derecho Penal: parte general, 2000) para o que ele chama de "funcionalismo redutor"; a função do direito penal passa a ser apenas a de impor freio à arbitrariedade estatal, à violência institucional, e impor ao que ele chama "Estado de polícia" o "Estado democrático".

Desenvolveu o tema direito penal subterrâneo analisando o funcionamento do sistema penal. Aduz que o sistema penal é um subsistema do Estado que engendra um funcionamento equilibrado com a participação de distintas agências, essas classificadas como de criminalização primária e criminalização secundária. As primeiras são responsáveis pela criação da norma jurídica penal, ou seja, correspondem ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo. Nesse contexto, tais agências incluem as polícias, os agentes penitenciários e o Poder Judiciário. Tais agências entram constantemente em atrito, dado que cada uma possui necessidades distintas das demais e por isso, acabam exercendo funções não declaradas, mas reais e latentes que são a elas incumbidas. Existe, portanto, uma relação mística e camuflada entre dois fatores: 1) o Direito Penal; e 2) os dados estatísticos sociais relacionados ao delito. O verdadeiro poder não está na agência que cria a norma jurídica penal, mas na que seleciona aqueles que são objetos de aplicação do sistema, detêm pessoas e prendem os imputados.

Foi um dos principais idealizadores das teses relacionadas à coculpabilidade por vulnerabilidade.

Zaffaroni[5] enfatiza que na América Latina há um severo grau de vulnerabilidade pessoal da população carente diante do sistema social e punitivo, o que justifica uma mudança no paradigma dogmático. Aduz também que há uma culpabilidade que deve ser aferida pelo quão vulnerável é o indivíduo, a fim de reduzir o grau de incidência da norma penal e da resposta punitiva subsequente.

Defende que a função do Direito Penal é a de reduzir o exercício do poder punitivo do Estado. O funcionalismo de contenção leva em consideração a necessidade de se conter o exercício do poder punitivo pois o poder punitivo tende a ser utilizado como instrumento de coerção subserviente a interesses políticos, econômicos e sociais no intuito de submeter uma classe social ou grupo aos interesses e desejos de outro. O funcionalismo de contenção reverbera o que enfatiza a teoria agnóstica da pena. O Direito Penal deve ser utilizado como instrumento do Direito de forma mínima. Sua doutrina é marcada pela utilização de uma criminologia crítica como manifestação política para a formulação dogmática, uma das suas principais contribuições nesse sentido é a "culpabilidade por vulnerabilidade" que leva em conta a seletividade do sistema penal.

Em meados de 2016 E. Raúl Zaffaroni conclui uma de suas maiores pesquisas, vindo a ser um de seus grandes trabalhos, ao publicar o livro Doctrina Penal Nazi: a dogmatica penal alemã entre 1933 a 1945 pelo editorial argentino Ediar. A obra foi traduzida da língua espanhola para a portuguesa pelo brasileiro Rodrigo Murad do Prado, professor de criminologia, sendo publicada pela editora Tirant lo Blanch. O Nazismo é um dos regimes totalitários mais estudados no mundo em razão das atrocidades praticadas contra seres humanos. Hitler colocou em prática sua ideologia nacionalista germânica valendo-se da política e também do direito. O III Reich surgiu e se legitimou no Estado de Direito, embora em patente desrespeito ao que conhecemos hoje como direitos humanos. A sã consciência do povo alemão (Füher prinzip)[[1]] ou simplesmente princípio do Füher, foi erigida a princípio jurídico fundamental de Direito penal, em patente supressão à anterioridade da lei penal. O estabelecimento de um tribunal de exceção, denominado Tribunal do Povo (Volksgerichtshof) comandado pelo juiz nazista Roland_Freisler, demonstrou que o Direito esteve sintonizado com a banalização do mal. A obra do professor Eugenio Raúl Zaffaroni apresenta o estudo da dogmática penal vigente nos anos do nacional-socialismo. A recente ascensão de regimes de extrema direita no mundo torna o tema atual, pois promove a discussão sobre os argumentos utilizados pelos regimes totalitários na Itália e na Alemanha para justificar as políticas públicas repressivas, violadoras dos direitos humanos. A obra tem foco nos bastidores sociais e jurídicos que influenciaram e deram estrutura ao regime nacional-socialista, estudando o pensamento dos juristas da época e a compreensão do Direito Penal em vigor naquele tempo. Abordam-se as punições pela origem genética, ascendência, sua forma física, seus defeitos, seus princípios, sua forma de pensar, suas preferências, sua forma de pensar, crenças e ideologias, demonstrando-se que operou-se, em nome dos ideais de supremacia racial, uma aplicação do Direito Penal como instrumento de aniquilação dos estranhos à comunidade nacional-socialista alemã (projeto construído pelos professores Edmund_Mezger e Franz Exner a pedido da cúpula do III Reich) - conforme demonstrou o professor espanhol Francisco Muñoz Conde na obra intitulada Edmund Mezger e o direito penal de seu tempo - [2], punindo-se todos aqueles propensos a desestruturar o regime. Também, é tratado o “conceito geral de empreendimento” que, no “direito penal do futuro”, substituiria o conceito de ação e tornaria “a distinção entre tentativa e consumação sem importância”, punindo-se a vontade sem haver qualquer exteriorização dela no mundo dos fatos. Zaffaroni traz o passado nefasto para o cenário atual ao propor discussões sobre políticas criminais tendentes a criminalização de manifestações; imposição de limites à liberdade de expressão; enrijecimento das leis penais; criação de mecanismos para aumentar a punição e seu tempo de duração; repressão do pensamento e até a imposição de doutrinação.

O professor E. Raúl Zaffaroni, juntamente com o brasileiro Ílison Dias dos Santos, desenvolveram uma tese a respeito do pensamento criminológico a partir de uma análise da relação entre o poder punitivo e o totalitarismo financeiro. O livro intitulado A nova crítica criminológica: criminologia em tempos de totalitarismo financeiro, publicado originalmente em espanhol, foi traduzido por Rodrigo Murad do Prado e publicado pela editora Tirant lo Blach do Brasil. Há muito tempo, a criminologia tem buscado as raízes do fato considerado como criminoso e seu tratamento pelo Estado, não apenas como produto do indivíduo, mas principalmente como um ato político engendrado pelo próprio poder. É do conhecimento geral a formulação da sociologia do crime, já no século XIX e, depois, a grande contribuição da Escola de Chicago, da escola da rotulação, da criminologia radical e da reação social, que vieram esclarecer como se produz o desvio e como ele se torna objeto de uma criminalização. As condições miseráveis da vida social não desapareceram no cenário contemporâneo. Pelo contrário, o processo da globalização, da monopolização do capital, do domínio pelos consórcios sobre bens essenciais para a subsistência da população, como o consumo da própria água e outros, acoplado ao uso da força bélica em todos os cantos de reação, só fez aumentar a miséria, as discriminações, os preconceitos, a desigualdade e a exclusão social. O poder político não é mais exercido pelos cidadãos, que escolhem seus representantes por meio de eleições livres, diretas e universais, mas sim pelos grandes conglomerados, pelos organismos econômicos hegemônicos, que atuam dentro e fora dos respectivos países. A crise democrática, portanto, não é uma crise simplesmente jurídica, capaz de ser superada por um ajuste de ponteiros, ou de reformulações legislativas. É uma crise intrínseca ao próprio exercício do poder político, que se destina a sedimentar os interesses financeiros do mercado e a servir de proteção diante de movimentos ou manifestações que, de qualquer maneira, buscam soluções alternativas aos conflitos. O domínio do político pelo financeiro, com todas suas consequências de desmonte da democracia, escancara a debilidade do direito de instituir um regime de igualdade e liberdade, sob o controle preciso e justo do Poder Judiciário, tal como se pensava com as constituições democráticas de pós-guerra. O direito, em lugar de ser uma criação social de vanguarda, mostra, cada vez mais, seu caráter dependente do poder de turno, elitizado na composição de seus órgãos de expressão e paralisado diante das articulações em torno de sua própria destruição.

Foi agraciado com o título de Doutor Honoris Causa de Universidade Federal do Ceará em 11 de maio de 2015.[6]

Obras publicadas

Zafferoni publicou 25 livros, dentre os quais:

  • Manual de Derecho Penal (publicado também no México e no Perú, e adaptado ao direito penal brasileiro em coautoria com José Henrique Pierangeli)
  • Derecho Penal Militar (1980)
  • Tratado de Derecho Penal (cinco volumes)
  • En busca de las penas perdidas (traduzido em português e em italiano)
  • Estructuras judiciales (traduzido em português)
  • Criminología: aproximación desde un margen
  • Muertes Anunciadas
  • La palabra de los muertos - Conferencias de Criminología Cautelar
  • Crímenes de Masa
  • La cuestión criminal. Buenos Aires: editorial Planeta, 2012. ISBN 978-950-49-2824-9.
  • Crímenes de masa. Buenos Aires: Ediciones Madres de Plaza de Mayo, 2010
  • La Pachamama y el humano (com Osvaldo Bayer, 2012). Buenos Aires: Ediciones Madres de Plaza de Mayo. ISBN 978-950-5639-25-0.
  • La Nueva Crítica Criminológica. Criminología en tiempos de totalitarismo financiero (em coautoria com Ílison Dias dos Santos), 2019.

Em português

Referências

  1. Association Internationale de Droit Pénal (A.I.D.P.). Conseil de Direction. Vice-Présidents
  2. Zaffaroni, Eugenio Raúl; Pierangeli, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. 796 p.
  3. Zaffaroni, Eugenio Raúl; Batista, Nilo. Direito Penal Brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011.
  4. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; SANTOS, Ílison. A Nova Crítica Criminológica: Criminologia em tempos de totalitarismo financeiro. São Paulo: Tirant Lo Blanch Brasil, 2020. 
  5. Zaffaroni, Eugênio Raúl (2013). En busca de las penas perdidas. Buenos Aires: Ediar. pp. 275 a 283 
  6. «Semana de Direito leva ministros à UFC para debater Constituição». G1 CE. 28 de abril de 2015. Consultado em 16 de abril de 2018 

Ligações externas