O contínuo pós-crioulo ou simplesmente contínuo crioulo refere-se à situação em que uma língua crioula consiste de um espetro de variedades linguísticas, que podem ser mais ou menos assemelhadas à língua superstrato (isto é, a língua da qual se originou o crioulo, e que, em geral, goza de prestígio na sociedade em que o crioulo é falado). Devido a fatores sociais, políticos e econômicos, uma língua crioula pode se descrioulizar em convergência à língua da qual é derivada, alinhando sua morfologia, fonologia e sintaxe com o padrão de prestígio da língua base, mas em diferentes graus, a depender do status social real ou pretendido do falante.
Estratificação
Em 1965, William Stewort cunhou os termos acrolecto e basilecto como designações sociolinguísticas para, respectivamente, a variedade mais próxima e a mais afastada da língua de prestígio em um contínuo crioulo.[1] No início de 1970, Derek Bickerton popularizou estes termos (designando de mesolecto os pontos intermediários do contínuo) para referir-se ao fenômeno de alternância de código linguístico empregado por falantes de línguas crioulas que também têm alguma fluência na língua padrão da qual deriva o crioulo. O linguista Salikoko Mufwene, da Universidade de Chicago, explica o fenômeno de línguas crioulas como "basilectalização" da língua padrão, geralmente europeia, ocorrida em comunidades de população mista de europeus e não-europeus[2]. No falar de certas comunidades, existe uma continuidade entre os falantes de uma língua crioula e a língua padrão a ela relacionada. Não há limites discretos entre as diferentes variedades, e a situação em que existe uma tal continuidade envolve considerável estratificação social.
A tabela a seguir (BELL, 1976) mostra as 18 diferentes formas como a frase I gave him one' (inglês padrão: eu lhe dei algo) pode ser formulada no crioulo da Guiana.
1
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aɪ |
ɡeɪv |
hɪm |
wʌn
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2
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wan
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3
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a |
ɪm
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4
|
iː
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5
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ɡɪv |
hɪm
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6
|
ɪm
|
7
|
iː
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8
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dɪd |
ɡɪv
|
9
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dɪ |
ɡɪ
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10
|
dɪd
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11
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dɪ |
ɡiː
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12
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ɡɪ |
hiː
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13
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mɪ
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14
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iː
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15
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bɪn
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16
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ɡiː
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17
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æm
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18
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O contínuo acima tem como forma acroletal [aɪ ɡeɪv hɪm wʌn] (que é quase idêntica ao inglês padrãao), enquanto que a forma basiletal é [mɪ ɡiː æm wan]. Devido à alternância de código linguístico, a maioria dos falantes tem domínio de uma determinada seção do contínuo e, dependendo de sua posição social, ocupação, etc. pode utilizar diferentes registros linguísticos.[3]
Se a sociedade é de tal forma estratificada, de modo a permitir pouco ou nenhum contato entre os grupos que falam o crioulo e aqueles que falam a língua superstrato (dominante), uma situação de diglossia, em vez de um contínuo, se desenvolve. Neste contexto, o crioulo e a língua dominante ocupam espaços sociais bem delimitados e estanques. Este é o caso do Haiti, com o crioulo haitiano e o francês.
O uso dos termos acrolecto, mesolecto e basilecto tenta evitar o juízo de valor inerente à terminologia linguística prévia, pela qual a língua falada pelas classes dominantes na capital era definida como a forma "correta " ou " pura", enquanto que a variedade falada pelas classes baixas e habitantes de províncias distantes era considerada "um dialeto", e percebida como "incorreta", " impura" ou "degenerada".
Referências
Bibliografia
- Bell, R.T. (1976), Sociolinguistics: Goals, Approaches, and Problems, Batsford
- Bickerton, Derek (1975). Dynamics of a Creole System. [S.l.]: Cambridge University Press
- DeCamp, D (1977), «The Development of Pidgin and Creole Studies», in: Valdman, A, Pidgin and Creole Linguistics, Indiana University Press
- Dillard, John L. (1972), Black English: Its History and Usage in the United States, ISBN 0-394-71872-0, Random House
- Meade, R.R. (2001), Acquisition of Jamaican Phonology, Dordrecht: Holland Institute of Linguistics
- Rickford, John (1977), «The Question of Prior Creolization in Black English», in: Valdman, A, Pidgin and Creole Linguistics, Indiana University Press
- Stewart, William (1965), «Urban Negro speech: Sociolinguistic factors affecting English teaching», in: R. Shuy; A. Davis; R. Hogan, Social dialects and language learning, National Council of Teachers of English, pp. 10–18