O Canato da Crimeia surgiu em meio à fragmentação da Horda de Ouro.[5] Certos clãs da Horda de Ouro largaram sua vida nómada no Desht-i Kipchak (atuais Ucrânia e Rússia) e decidiram fazer da Crimeia seu yurt (terra natal), e convidaram um pretendente gengiscânico ao trono da Horda de Ouro, Haci I Giray para ser seu cã. Haci I Giray aceitou tal proposta e voltou de seu exílio na Lituânia.[6] Em 1441, fundou seu reino independente após uma longa luta pela independência contra a Horda de Ouro. O canato tinha em seus domínios a península da Crimeia (exceto as costas sul e sudoeste) e as estepes do sul da Ucrânia e da Rússia, também conhecida como Desht-i Kipchak (estepes quipchacas)[7][8][9].
Uma briga interna entre os filhos de Hachi se seguiu após seu falecimento. Os otomanos interferiam e instalaram no trono Meñli I Giray, um filho de Haci I Giray. Em 1475 as forças otomanas, sob o comando de Gedik Ahmet Paşa, conquistaram o principado de Theodoro e as colônias genovesas de Soldaia, Cembalo e Cafa.[10] Como resultado o canato da Crimeia passou para a proteção otomana.[11] Enquanto que a costa crimeia se tornou um Kefe sancak otomano, os cãs tártaros continuaram a governar no resto da península e nas estepes mais ao norte. A relação entre os otomanos e os tártaros da Crimeia era única. Os sultões tratavam os cãs mais como aliados do que súbditos. Embora o cã escolhido tivesse que receber a aprovação do sultão, eles não eram nomeados por Istambul. Os otomanos ainda reconheceram a legitimidade dos cãs nas estepes, como descendentes de Genghis Khan. Os cãs continuaram a ter uma política externa independente dos otomanos nas estepes da Pequena Tartária. As relações entre os cãs e o sultão otomano eram feitas através de correspondências diplomáticas. Os cãs continuaram a cunhar moedas e usar seus nomes nas preces de sexta-feira, dois importantes sinais de soberania. Eles não pagavam tributos ao Império Otomano, ao invés, os otomanos os pagavam em troca de seus serviços como provedores de habilidosos cavaleiros e montaria em suas campanhas militares.[12]
A aliança do canato da Crimeia e o Império Otomano é comparada com a aliança entre Polônia e Lituânia em sua importância e duração. A cavalaria crimeana se tornou indispensável para as campanhas militares otomanas tanto na Europa (Polônia, Hungria, Áustria) quanto na Ásia (Pérsia).[13] Porém isto tornou os tártaros da Crimeia dependentes do botim obtido depois de campanhas bem sucedidas, e quando tais campanhas começaram a falhar, a econômica dos tártaros da Crimeia também começou a entrar em crise.
Em 1502, Meñli I Giray derrotou o último grande da Grande Horda, dessa forma colocando um fim às reivindicações de Sarai na Crimeia. No século XVI, o Canato da Crimeia pretendia ser a autoridade sucessora no antigo território da Horda de Ouro, Ulugh Yurt e hence sobre os canatos surgidos da fragmentação da Horda de Ouro situados nas regiões do Mar Cáspio e do rio Volga, em especial o canato de Astracã e o canato de Cazã, os quais foram anexados pelo russos na década de 1550. Tamanha pretensão resultou em uma rivalidade com o nascente Império Russo sobre a região. Em 1571 houve uma campanha bem sucedida de Devlet I Giray a Moscou, a qual terminou com o incêndio da capital russa. Devlet então foi chamado de Taht-Algan (capturador do trono). No entanto, o Canato da Crimeia perdeu a disputa do acesso ao Volga devido a derrota catastrófica na batalha de Molodi no ano seguinte.
Até o século XVIII, o Canato da Crimeia era a maior potência da Europa Oriental. Os tártaros da Crimeia desempenharam um papel inestimável na defesa das fronteiras do Islã, em especial contra os russos e os europeus. Com o objetivo de impedir a colonização eslava nas estepes, chefes guerreiros tártaros (cambuls), em colaboração com os nogais promoveram ataques contra os principados danubianos, Polônia, Lituânia e Moscóvia.
Em um processo conhecido como "harvesting da estepe" eles escravizaram muitos camponeses eslavos e adquiriram botim, do qual o cã recebia uma parcela fixada (savğa) de 10 ou 20%. As campanhas militares promovidas por forças da Crimeia podem ser divididas em "sefers" - operações militares oficialmente declaradas com a liderança do próprio cã, e "çapuls" - reides promovidos por grupos separadas da nobreza (em algumas vezes ilegais e banidos por ir contra os tratados firmados pelos cã com os reinos vizinhos). Durante um longo tempo, até o começo do século XVIII, o canato manteve um massivo tráfico de escravos com o Império Otomano e com o Oriente Médio. Kefe era um dos mais bem conhecidos e significativos portos de comércio e mercado de escravos. Algumas estimativas estimam que mais de 3 milhões de pessoas, em sua maioria ucranianos mas também circassianos, russos, bielorrussos e poloneses, foram capturados e escravizados durante o tempo do Canato da Crimeia. Uma das mais famosas vítimas era Roxelana (Khurem Sultan), a qual mais tarde se tornou esposa do sultão Suleiman o Magnifício e conquistou grande poder na corte otomana. Uma constante ameaça dos tártaros da Crimeia apoiaram o surgimento dos cossacos.
O Canato da Crimeia também fez alianças com a Polônia-Lituânia e os cossacos contra a crescente Moscóvia, a qual pretendia também conquistar os territórios da antiga Horda de Ouro. A região em disputa era muito valiosa para os russos, já que poderia disponibilizar uma colonização de russos em áreas férteis aonde a estação de crescimento é mais longa que as áreas mais setentrionais nas quais a Moscóvia dependia. Especula-se que com este solo, a agricultura na Rússia poderia ser rica o suficiente para permitir um fim mais rápido para a servidão.
Declínio
O enfraquecimento do Canato da Crimeia está relacionado com o enfraquecimento otomano e a mudança da balança de poder na Europa Oriental. Como resultado dos fracassos militares otomanos os tártaros da Crimeia voltavam das campanhas de mãos vazias, enquanto que a cavalaria tártara, sem armas suficientes, sofria grandes perdas diante dos modernos exércitos europeus e russos. No final do século XVII, O Império Russo tornou-se tão forte a ponto de fazer frente ao Canato da Crimeia. Como resultado as incursões, sejam elas para pegar escravos ou por botim, foram sendo repelidos e isso cortou uma das fontes econômicas do Canato. Como resultado o apoio de clãs nobres para o cã começou a diminuir, dando início a conflitos internos por poder. Os nogais, dos quais uma porção significativa das forças militares crimeanas provinha, também retirou seu apoio aos cãs.
Um maior estado de guerra marcou o reinado de Catarina II. A Guerra Russo-Turca de 1768 a 1774 resultou no tratado de Kuchuk-Kainardji, do qual o Canato da Crimeia se tornou independente do Império Otomano e aliado do Império Russo.
O governo do último cã da Crimeia, Şahin Giray, foi marcado por uma crescente influência russa e as explosões de violência por parte da administração do khan contra a oposição interna. Em 8 de abril de 1783, em violação ao tratado, Catarina II interferiu na guerra civil, anexando de facto a península por completo ao Império Russo. Em 1787, Şahin Giray se refugiou no Império Otomano e foi executado pelas autoridades otomanas por traição em Rodes, apesar de a família realGiray sobreviver até hoje.[14]