Buena Vista Social Club é um disco gravado em 1996, pelo produtor musical Ry Cooder, envolvendo músicos cubanos de vanguarda, que haviam, em grande parte, caído no ostracismo.[1] O nome se deve a uma antiga casa de shows cubana onde diversos músicos cubanos se apresentaram, que já havia deixado de existir nos anos 50.
A ideia do produtor musical era reunir em um disco os maiores artistas cubanos, como se formasse um grupo que, na verdade, nunca havia existido concretamente - os artistas, em geral, tinham suas próprias carreiras, ou tocaram em épocas diferentes.
Envolveram-se no projeto os músicos Ibrahim Ferrer (cantor), Compay Segundo, (cantor e tresero), Rubén González (pianista), Eliades Ochoa (violonista), Omara Portuondo (cantora), Barbarito Torres (alaúde cubano), Juan de Marcos González, Manuel "Puntillita" Licea, Orlando "Cachaito" López, Manuel "Guajiro" Mirabal, Amadito "Tito" Valdés e Pio Leyva.
O disco é objeto de documentário homônimo, de 1998, dirigido pelo alemão Wim Wenders.
Antecedentes
Em 1996, o guitarrista norte-americano Ry Cooder foi convidado para ir à Havana pelo produtor britânico da gravadora World Circuit Records, Nick Gold, para gravar uma sessão onde dois músicos africanos de High-life iriam fazer uma parceria com músicos cubanos.[2] Ao chegar em Havana, soube-se que os músicos africanos não receberam seus vistos e não puderam viajar à Cuba. Então, Cooder e Gold mudaram de planos e decidiram gravar um álbum de música cubana com músicos locais.[2] Já a bordo do projeto de parceria com os africanos estavam músicos cubanos como o baixista Orlando "Cachaito" López, o violonista Eliades Ochoa e o diretor musical Juan de Marcos González. A procura por mais músicos levou o grupo ao cantor Manuel "Puntillita" Licea, o pianista Rubén González e ao cantor octogenário Compay Segundo, todos tendo concordado em gravar para o projeto.[2]
Dentro de três dias após o nascimento do projeto, Cooder, Gold e de Marcos juntaram um grande grupo de artistas e organizaram sessões de gravação que se iniciaram na EGREM Studios em Havana, local que anteriormente pertencia à gravadora RCA, onde o equipamento e a atmosfera haviam permanecido inalterados desde a década de 50.[3] A comunicação entre os falantes de espanhol e inglês no estúdio foi feita através de um intérprete, embora Cooder tenha refletido que "os músicos se entendem através de outros meios além da fala".[2]
Gravação
O álbum foi gravado em apenas seis dias e continha quatorze faixas; abrindo com "Chan Chan", composta por Compay Segundo, uma música de quatro acordes que se tornaria o que Cooder descreveu como "o cartão de visitas do Buena Vista";[4] e encerrando com uma versão de "La bayamesa", uma canção patriótica tradicional cubana (não confundir com o Hino Nacional Cubano que tem o mesmo nome).[5] As sessões também produziram material para o álbum lançado posteriormente, Introducing...Rubén González, o qual apresentou o trabalho do pianista cubano.[6] Entre as canções deixadas de fora do álbum estavam o clássico bolero "Lágrimas negras", que foi considerada muito popular para a inclusão, além de "Macusa", de Compay Segundo. Ambas as músicas foram posteriormente lançadas na compilação Lost and Found.[7]
Músicas
A maior parte do álbum compreende padrões do repertório de trovas, chamadas de sones, guajiras e boleros, tocadas tipicamente por um pequeno conjunto conduzido por cordas. O melhor exemplo da tradicão do "son" no álbum é "Chan Chan", a melodia de assinatura do grupo e primeira música do álbum. Composta nos anos 80, é uma das canções mais famosas de Compay Segundo, e a qual ele havia gravado várias vezes, mais notavelmente com Eliades Ochoa e seu Cuarteto Patria. A mesma fórmula é seguida nesta gravação, com Ochoa na voz principal e Segundo na segunda voz, como evidencia seu nome artístico. A letra da música retrata uma cena rural com dois personagens: Juanita e Chan Chan.[8] "Chan Chan" é seguida por "De camino a la vereda", outro "son", composta e interpretada por Ibrahim Ferrer.
Outro exemplo de um son cubano é "El cuarto de Tula", de Sergio González Siaba, interpretado por Eliades Ochoa, com Ibrahim Ferrer e Manuel "Puntillita" Licea se juntando a ele em uma extensa improvisação de letras. Barbarito Torres toca um frenético solo de alaúde encerrando a faixa. Timbales são tocadas por Yulién Oviedo Sánchez, na época com 13 anos de idade. A música fez parte da trilha do filme Training Day, de 2001.[9] "Candela" é outro son clássico, composto por Faustino Oramas "El Guayabero". Sua letra, repleta de insinuações sexuais, é cantada por Ibrahim Ferrer que improvisa linhas vocais ao longo da faixa, enquanto todo o conjunto faz uma extensa improvisação.[10]
Dos muitos boleros incluídos no álbum, "Dos gardenias", de Isolina Carrillo, seja talvez o mais famoso, sendo interpretado aqui por Ibrahim Ferrer. Carrillo escreveu a música em 1945 e rapidamente se tornou um enorme sucesso em Cuba e no exterior. A música foi escolhida para integrar o álbum após Cooder ouvir Ferrer e Rubén González improvisar a melodia antes de uma sessão de gravação. Ferrer havia aprendido a música quando tocava com o músico cubano Benny Moré.[11] Outro bolero, "¿Y tú qué has hecho?", foi composto por Eusebio Delfin nos anos 20 e é interpretada por Compay Segundo. Segundo era tradicionalmente um cantor de segunda voz, proporcionando um contraponto harmônico. Nesta gravação, ele faz ambas as vozes em múltiplas faixas. A música também apresenta um dueto entre o tres de Segundo e a guitarra de Ry Cooder.[12] "Veinte años", também um bolero, é cantada por Omara Portuondo com Segundo na segunda voz.[13] Os outros boleros incluídos no álbum são "Amor de la loca juventud", de Rafael Ortiz e "Orgullecida", de Eliseo Silveira, ambas cantadas por Compay Segundo, além de "Murmullo", de Electo Rosel, cantada por Ibrahim Ferrer, que havia sido o vocal principal da Orquestra Chepín-Chovén, de Rosel.
"El carretero" é uma guajira (lamento sertanejo) cantado por Eliades Ochoa com todo o conjunto provendo instrumentos adicionais e backing vocals, enquanto "La bayamesa", uma famosa canção criolla composta por Sindo Garay, é usada para encerrar o álbum, com Puntillita, Compay Segundo e Ibrahim Ferrer nos vocais.
Duas músicas do repertório do danzón cubano foram incluídas: "Pueblo Nuevo" e "Buena Vista Social Club", ambas dedicadas a locais de Havana, originalmente gravadas por Arcaño y sus Maravillas, e compostas pelo baixista Cachao (embora esta última tenha sido erroneamente atribuída ao seu irmão Orestes López no encarte do álbum por Cooder).[2][14] A faixa título destaca o trabalho de piano de Rubén González. Foi gravada após Cooder ouvir González improvisando em torno do tema melódico da música antes de uma sessão de gravação. Após tocar a melodia, González contou à Cooder a história do clube social e que aquela música era o tema do clube.[2] Quando procurava por um nome para o projeto, o gerente Nick Gold escolheu o título desta música. De acordo com Cooder:
"Deveria ser a coisa que o diferenciava. Era uma espécie de clube até então. Todo mundo estava saindo e tomávamos rum e café por volta das duas da tarde. Parecia um clube, então vamos chamar assim."[2]
Recepção
Buena Vista Social Club recebeu consideráveis elogios da crítica, compositores e publicações de música.[18][19]
Em 2003, o álbum foi classificado com o número 260 da lista dos 500 Melhores Álbuns de Todos os Tempos da revista Rolling Stone, um dos dois únicos álbuns da lista a ser produzido em um país de língua não-inglesa.[20] O álbum também foi incluído no livro 1001 Albums You Must Hear Before You Die.[21] Em 2015, o álbum já havia vendido mais de 12 milhões de cópias.[22]
O álbum ganhou um Grammy em 1998 na categoria de Melhor Álbum Latino Tropical Tradicional e Álbum Tropical/Salsa do Ano por um Grupo na edição de 1998 da Billboard Latin Music Awards.[23][24]
Faixas
|
1. |
"Chan Chan" | Compay Segundo |
4:16 |
2. |
"De camino a la vereda" | Ibrahim Ferrer |
5:03 |
3. |
"El cuarto de Tula" | Sergio González Siaba |
7:27 |
4. |
"Pueblo Nuevo" | Israel "Cachao" López |
6:05 |
5. |
"Dos gardenias" | Isolina Carrillo |
3:02 |
6. |
"¿Y tú qué has hecho?" | Eusebio Delfín |
3:13 |
7. |
"Veinte años" | María Teresa Vera |
3:29 |
8. |
"El carretero" | Guillermo Portabales |
3:28 |
9. |
"Candela" | Faustino Oramas |
5:27 |
10. |
"Amor de loca juventud" | Rafael Ortiz |
3:21 |
11. |
"Orgullecida" | Eliseo Silveira |
3:18 |
12. |
"Murmullo" | Electo "Chepín" Rosell |
3:50 |
13. |
"Buena Vista Social Club" | Israel "Cachao" López |
4:50 |
14. |
"La bayamesa" | Sindo Garay |
2:54 |
Duração total: |
60:00 |
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Ver também
Referências
- ↑ AllMusic: "Buena Vista Social Club"
- ↑ a b c d e f g Arcos, Betty (27 de junho de 2000). «"Interview with Ry Cooder"». “The Global Village”, Pacifica Radio (em inglês). Los Angeles: Site Buena Vista Social Club. PBS.org. Consultado em 18 de março de 2007
- ↑ Steward, Sue (16 de julho de 2003). «Compay Segundo Obituary» (em inglês). The Guardian. Consultado em 12 de janeiro de 2019
- ↑ Cooder, Ry (17 de julho de 2003). «"Life began at ninety"». The Guardian. Consultado em 12 de janeiro de 2019 .
- ↑ Céspedes, Bladimir Zamora. «Las Bayamesas». La Jiribilla magazine - Juventud Rebelde (em espanhol). Consultado em 12 de janeiro de 2019
- ↑ «Hurricane Cooder hits Cuba». Daily Telegraph (em inglês). Consultado em 20 de março de 2007
- ↑ «Buena Vista Social Club's "Lost and Found," Collection of Previously Unreleased Tracks, Due March 23». Nonesuch Records (em inglês). 3 de fevereiro de 2015. Consultado em 13 de maio de 2015
- ↑ «Chan Chan - Buena Vista Social Club». PBS.org. Consultado em 23 de julho de 2013
- ↑ «El cuarto de Tula». PBS.org. Consultado em 1 de junho de 2011
- ↑ Cooder, Ry. «Buena Vista Social Club – PDF Album Notes». World Circuit Records (em inglês). Consultado em 16 de abril de 2017
- ↑ «Dos gardenias». PBS.org. Consultado em 1 de junho de 2011
- ↑ «Y Tu Que Has Hecho? - Buena Vista Social Club». PBS.org. Consultado em 23 de julho de 2013
- ↑ «Veinte años». PBS.org. Consultado em 1 de junho de 2011
- ↑ Díaz Ayala, Cristóbal (2013). «Afro-Cuban All Stars / Buena Vista Social Club» (PDF). Encyclopedic Discography of Cuban Music 1925-1960. Florida International University Libraries. Consultado em 28 de março de 2015
- ↑ Avaliação no AllMusic
- ↑ Avaliação de Robert Christgau
- ↑ Avaliação na Rolling Stone
- ↑ «AcclaimedMusic: Buena Vista Social Club]». AcclaimedMusic.net (em inglês). Consultado em 9 de fevereiro de 2009 .
- ↑ Nathan Brackett, Christian Hoard (2004). The New Rolling Stone Album Guide: Completely Revised and Updated 4th Edition (em inglês). [S.l.]: Simon and Schuster. ISBN 0-7432-0169-8
- ↑ «RS500: Buena Vista Social Club» (em inglês). Rolling Stone. Consultado em 9 de fevereiro de 2009
- ↑ Robert Dimery; Michael Lydon (23 de março de 2010). 1001 Albums You Must Hear Before You Die: Revised and Updated Edition. [S.l.]: Universe. ISBN 978-0-7893-2074-2
- ↑ Cantor-Navas, Judy (19 de março de 2015). «Buena Vista Social Club Readies 'Lost and Found' Album, Final Tour». Billboard. Prometheus Global Media. Consultado em 24 de março de 2015
- ↑ «40th Annual Grammy Awards – 1998». Rock On The Net. 25 de fevereiro de 1998. Consultado em 1 de junho de 2011
- ↑ Cantor, Judy (18 de abril de 1998). «Latino Artists Honored With Billboard Awards» 16 ed. Nielsen Business Media, Inc. Billboard. 110: 77. Consultado em 4 de junho de 2010
Ligações externas