Eulália Almeida, uma mãe católica e conservadora de 65 anos de idade, habita nos arredores do Porto.[5] Descobre por terceiros que o seu filho Sydney Fernandes, que emigrou para a Alemanha aos 23 anos para singrar como webdesigner, não só é homossexual como se tornou Fostter Riviera, o primeiro ator pornográfico gay português premiado internacionalmente, com mais de 300 filmes no currículo.[6]
Do choque à aversão e à tentativa desesperada de o entender, Eulália embarca numa jornada emocional que põe à prova os seus valores, expectativas e perceções com que foi educada.[7] Inicia um processo de reaproximação ao filho. Com o seu computador e o Facebook como únicas fontes de informação e comunicação, a busca de Eulália leva-a a clicar em sites inesperados e conhecer pessoas improváveis.[8] Pelo meio há cartas de amor nos tempos modernos, as comunicações digitais entre mãe e filho, a linha temporal em que o espetador assiste a uma mãe em, por vezes dolorosa, transformação. Num constante desafio, Eulália decide ir ver o filho atuar num espetáculo de sexo ao vivo de uma feira erótica anual portuguesa.[9]
Pesquisa e conteúdos: Helena Lins e Rosa Teixeira da Silva
Assistente de realização: Inês Rueff
Montagem: Jorge Pelicano e Inês Rueff
Direção de fotografia: Jorge Pelicano e Inês Rueff
Som direto: Inês Rueff
Banda sonora original: Tiago Benzinho
Mistura e edição de som: Elvis Veiguinha e João Azevedo[12]
Produção
Até que o Porno nos Separe é uma longa-metragem documental de 2018 de Portugal, falada em português (com trechos em inglês e castelhano), com a produção da Até ao Fim do Mundo e apoio financeiro do Instituto do Cinema e do Audiovisual.[13]
Desenvolvimento
Segundo o realizador, esta longa-metragem surgiu da união de duas vontades: fazer um trabalho sobre pais e filhos e a relação que os liga e "explorar o tema da pornografia através de uma perspetiva" que sempre o havia intrigado, não pela história dos atores e atrizes que integram esta indústria, mas antes pelo lado familiar dos mesmos.[14] Em 2017 iniciou-se um longo processo de pesquisa para o filme. Pelicano esteve na rodagem de três filmes pornográficos, onde conheceu atores e atrizes.[15] O mais difícil terá sido encontrar progenitores que quisessem falar sobre a ocupação dos filhos e o impacto nas suas vidas. O documentarista chegou a ponderar acompanhar mais do que uma família, mas quando conheceu Sydney Fernandes[16] e, a partir dele, a sua mãe, ficou evidente que Eulália Almeida apresentava as características necessárias para protagonizar o filme.[17] Pelicano destaca o que mais o impressionou na protagonista: "Tive conhecimento da história da Eulália, uma mãe de 65 anos, residente num bairro nos arredores do Porto, e que descobriu através da internet que o seu filho, emigrado na Alemanha, era um reconhecido ator porno gay (…) a reação desta mãe ao descobrir a orientação sexual e a profissão do filho foi de revolta, caindo num desgosto profundo."[18] Ao contrário de outros pais contactados pela equipa de pesquisa, Almeida sentia a necessidade de partilhar a sua história e participar no documentário, como meio de processar o conflito interior entre a sua educação e a ocupação do filho.[19]
Neste documentário, e pela primeira vez na carreira de Pelicano, o documentarista decidiu construir a estrutura narrativa do filme antes da rodagem. Teve acesso ao passado do relacionamento desta díade "através das milhares de mensagens no Facebook trocadas entre mãe e filho durante os anos de 2011 a 2016. E como o filme é contado do ponto de vista da mãe, resolvi pedir a Eulália que relesse as que ela mandou ao filho. Essas mensagens mostram os avanços e retrocessos que esta mãe fez para aceitar seu filho como ator gay. E para mostrar isso, teria que ser preciso na escolha das mensagens. Ter uma estrutura permitiu-me um maior controlo da história e deu-me uma maior precisão na escolha dos momentos que deveriam estar no filme.[20]
Rodagem
A filmagem desde documentário iniciou-se ainda em 2017, tendo-se estendido até 2018 e demorado cerca de 50 dias.[15] Uma vez que o cenário principal seria o apartamento de Eulália Almeida no Bairro de São Tomé (Porto), para manter o registo intimista, a equipa foi reduzida a três técnicos. Tendo pesquisado as suas rotinas diárias, a equipa descobriu que o quotidiano de Almeida era praticamente idêntico todos os dias. Assim, preparavam o set e colocavam a câmera em locais à espera que esta mãe os utilizasse. Deste modo, os registos foram feitos procurando a mínima interferência.[17]
Temas e estética
Enquanto as duas primeiras longa-metragens de Jorge Pelicano abordavam o mundo rural (Ainda há pastores? e Pare, escute, e olhe), Até que o Porno nos Separe, aproxima-se mais de Pára-me de repente o pensamento por ambos se centrarem em retratos humanos.[15] O filme pretende acima de tudo explorar uma relação mãe-filho. De facto, a pornografia, mais do que se tornar tema, cumpre a função simbólica de assinalar o teste aos valores de família tradicional, bem como o confronto de mentalidades entre Eulália Almeida e o seu filho, Sydney Fernandes.[21] Pelicano procura articular as características de ambos de forma a que a audiência compreenda as necessidades emocionais e erros de ambos os lados. Por exemplo, o primeiro ato de Até que o Porno nos Separe retrata o dia-a-dia melancólico e derrotista de Almeida, mas também não esconde a sua vertente mais sufocante ao exigir respostas para algo com que ainda não se sente confortável para entender.[22]
O computador é utilizado como dispositivo narrativo no filme.[19] A cena de abertura do documentário traça desde logo um paralelismo entre as janelas semicerradas do Bairro onde Eulália Almeida vive e o arranque do Windows, que introduz a rotina desta mãe de utilização do Facebook para percorrer mensagens do filho no Messenger. Pelicano estabelece um equilíbrio entre estas comunicações digitais de mãe e filho entre 2013 e 2017[14], de modo a evitar ser tendencioso em prol da protagonista ou contra ela, revelando antes a sua viagem para resolver uma brecha entre comportamentos geracionais.[22]
O documentário de Jorge Pelicano foi exibido a 15 de agosto de 2020, pelas 01h45, na RTP2, data a partir da qual ficou disponível no serviço de streaming RTP play.[24]
Festivais
O filme percorreu um circuito de Festivais internacionais de cinema, dos quais se destacam os seguintes:
Portuguese Film Festival (Suécia, 18 de dezembro de 2020).[26]
Receção
Audiência
No fim de semana de estreia, Até que o Porno nos Separe totalizou uma receita de 1 942,55€ e 447 espetadores. Até ao final do ano de 2019, 2.083 espetadores haviam visto a longa-metragem nas salas de cinema portuguesas.[27]
Participantes
Ambos protagonistas do documentário revelaram-se agradados com o resultado da sua participação. Sydney Fernandes assumiu ao realizador que o filme o ajudou a aperceber-se de como se tinha ausentado em alguns momentos: "fez-me abrir os olhos para a família que eu poderia ter abandonado, mas tive muita sorte por ter uma mãe de garra que não me deixou fugir".[19] Eulália Almeida referiu que "O filme é a pura realidade da minha vida, do sofrimento que passei para que este filho não se perdesse, para que eu não perdesse esse filho, porque os filhos nunca se perdem."[14] Almeida tornou-se uma ativista pelos direitos LGBTI+, participando ativamente na AMPLOS do Porto (Associação de mães e pais pela liberdade de orientação sexual e identidade de género) e em várias marchas LGBTI+ do país.[28]
Crítica
Até que o Porno nos Separe recebeu, de forma geral, críticas positivas. Vladan Petković, a propósito do festival Ji.hlava, 2018, descreve a obra como "um filme estruturalmente disciplinado, emocionalmente envolvente e tematicamente perspicaz" elogiando a utilização de uma configuração íntima para contar uma história sobre uma família tradicional na era da internet.[29] Jorge Lestre (Cine Addiction) atribuiu 4 estrelas ao filme por ser "um documentário fabuloso, que tira proveito da temática delicada, humana e cheia de força emocional que aborda."[22] Paulo Portugal (Comunidade Cultura e Arte e Insider.pt) pontuou Até que o Porno nos Separe com 3 estrelas, considerando "curiosa a forma como Pelicano, um realizador bem mais conotado com o lado de reportagem de formato televisivo, se mostra tão à vontade num registo que vive muito de uma adaptação audiovisual ao formato das redes sociais. Como o registo não se quebra, o caminho desta mãe que aprende a aceitar as escolhas dos filho acaba mesmo por ser reforçado".[30] Numa crítica mais contida, atribuindo 2 estrelas ao filme, Luís Miguel Oliveira escreve na Ípsilon que este se resume a "um filme simpático, que parece traduzir um genuíno interesse na história que tem para contar, evitando o sensacionalismo e os julgamentos apressados".[21]
Premiações
O documentário de Jorge Pelicano foi distinguido nos vários festivais para o qual foi selecionado, destacando-se os prémios de Melhor Documentário e Prémio do Público nos Caminhos do Cinema Português 2018, o Prémio Arco-Íris da ILGA Portugal 2018 e Melhor Documentário no Roze Filmdagen 2019, em Amesterdão, um dos mais relevantes festivais de cinema com temática LGBT.[9]
↑Nascimento, Frederico Lopes / Marco Oliveira / Guilherme. «Até Que o Porno Nos Separe». CinePT-Cinema Portugues. Consultado em 25 de fevereiro de 2021