Nas versões do mito perfilhadas por Pseudo-Apolodoro e Virgílo, esta narrativa trata-se de um conto moral e de escarmento sobre a húbris sacrílega dos mortais ante os deuses.[3] Nesta versão da lenda, Ceix teria proferido que era Zeus e que Alcíone era Hera; por causa disso, Zeus puniu-os, transformando-os em pássaros: Alcíone num guarda-rios e Ceix num ganso-patola.[2]
Versão de Ovídio e Higino
Na versão deste mito contada por Ovídio, Ceix e Alcíone são um humilde casal de apaixonados, que se viu apartado pelos desmandos do mar. Ceix, marinheiro, ao arrepio dos rogos da esposa, Alcíone, parte numa perigosa viagem marítima, rumo a Claros, na Jónia, para consultar o óraculo. No entanto, a travessia marítima termina em tragédia, vitimando-o num naufrágio, durante uma violenta tempestade. [4][5]
Alcíone, cumprindo o arquétipo de saudosa esposa de marinheiro, espera-o em vão, todos os dias junto à praia, até que certo dia dá com o seu cadáver a boiar ao capricho das ondas. Galgando sobre as águas, para alcançar o corpo do marido, Alcíone dá por si convertida em ave. Os deuses, comovidos com o infortúnio dos amantes, transformaram-na em ave marinha, bem como a Ceys, a quem restituiram a vida.[4]
Higino, nas suas «Fábulas» subscreve a esta versão do mito, adscrevendo, ainda, um episódio da vida do casal, já enquanto aves-aquáticas, mais concretamente alciões.[6][7] Reza a lenda, então, que quando Alcíone e Ceix estavam a nidificar, a calema das ondas na praia ameaçava destruir-lhes o ninho. Éolo, compadecendo-se do casal, serenou o mar durante sete dias, coibindo os ventos de soprar junto à costa.[8] A estes sete dias, que compreendem o dia mais curto do ano, os gregos alcunhavam de «dias do alcião», acreditando que durante esse período não haveria tempestades junto ao mar. Em sentido figurado, a locução chegou a ser usada por poetas para significar períodos de acalmia e tranquilidade.[9][10]
Relevo para o folclore português
Há estudiosos, como por exemplo, Júlia Tomás, no seu «Ensaio sobre o Imaginário Marítimo dos Portugueses», que advogam que há uma ligação entre este mito grego e o mito do alma-de-mestre do imaginário popular do folclore português.[4]
O mito português do "alma-de-mestre" narra que as almas dos capitães dos navios, que tenham morrido em naufrágios, sem receber um enterro cristão, assumem a forma de aves marinhas, por antonomásia o Hydrobates pelagicus, cujo nome comum é «alma-de-mestre». As almas errantes destes capitães naufragados, assombram os marinheiros incautos, com o seu piar melancólico, enquanto os seus cadáveres arribem junto à costa e lhes seja dado uma sepultura condigna. [11]
Espécies crismadas com este nome
Há inúmeras variedades de guarda-rios que são designadas com nomes alusivos a este casal:
↑ abcTomás, Júlia (2003). Ensaio sobre o Imaginário Marítimo dos Portugueses. Braga: CECS. p. 11 «Ceys e Alcíone (contado por Ovídio), um casal extremamente apaixonado. Ceys decidiu um dia partir à descoberta dos mares, não
obstante o amor profundo que tinha por Alcíone que chorou e implorou para que o marido não partisse. Em vão. Na mesma noite em que Ceys embarcou, uma tremenda tempestade causou o naufrágio do barco e ele morreu afogado. Alcíone, que esperava o marido na praia, viu o seu cadáver flutuar nas águas e correu na sua direção. E em vez de correr, começou a voar sobre as ondas: tinha sido transformada em pássaro. Os deuses, comovidos pela dor da
mulher, transformaram o cadáver de Ceys num pássaro marinho. O amor unira-os outra vez.»
↑«The Metamorphoses». web.archive.org. 19 de abril de 2005. Consultado em 14 de dezembro de 2020
↑Palazzi, Fernando (1954). Piccolo dizionario di mitologia e antichità classiche. Milano: Edizioni Scolastiche Mondadori. ASINB00HFX6SDS
↑Roman, Luke (2010). Encyclopedia of Greek and Roman Mythology. New York: Facts on File. p. 55. 531 páginas
↑Leite de Vasconcelos, José (1882). Tradições populares de Portugal. Porto: Typographia Occidental. p. 164. 350 páginas "Alma de mestre. «-Encontram - se no alto mar umas avesinhas que dão sentidissimos e largos pios , ás quaes os marinheiros puzeram o nome de almas de mestre ,crendo supersticiosamente que são as almas dos mestres ou capitães de navios que se perderam , e que andam na quelle fadario de pios , emquanto seu corpo não chega a terra , e não obtem sepultura christã-»"